Tradução: Foxita
Revisão: Miss Sw
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Capítulo 21 – O Nome da Espada Antiga
Li Jinglong rondava do lado de fora do tribunal há
cerca de um quarto de hora quando viu os oficiais saírem um por um e passarem
por ele, ficando para trás apenas o Vice-Chefe do Departamento Judiciário,
Huang Yong, e seu antigo superior, Hu Sheng.
Li Jinglong se endireitou, observando os dois
enquanto esperava pela decisão final.
Hu Sheng olhou para Li Jinglong, mas não disse nada,
enquanto calculava maneiras de remediar a situação. Ao longo dos anos, ele nunca
soube muito a respeito de seu ex-subordinado e, naquela época, Li Jinglong
tinha má reputação no Exército Longwu.
Em determinada ocasião, Hu Sheng perguntou confidencialmente aos
funcionários do ministério por que eles não gostavam de Li Jinglong.
Seus outros subordinados eram reservados e não
foram claros; de todo modo, eles não gostavam de Li Jinglong e o achavam
arrogante, já outros diziam que ele tinha algumas peculiaridades. Hu Sheng não
fez mais perguntas sobre o assunto. Era apenas problemático pensar em ter que
fazer arranjos para Li Jinglong quando o Departamento de Exorcismo fosse
reprimido. Ele o lotaria novamente no Exército Longwu?
Li Jinglong apenas permaneceu parado e em silêncio,
esperando os dois homens falarem. Huang Yong e Hu Sheng pensavam a mesma coisa:
aquele homem era muito lamentável. Ele já era um adulto, sua casa ancestral fora
vendida e ele não tinha família. Tudo o que ele tinha era o Departamento de
Exorcismo, que finalmente estava arrumado, mas que agora também seria
reprimido.
Hu Sheng deu alguns passos e perguntou, “Você tem
um xiongdi entre seus subordinados?”
O semblante de Li Jinglong se alterou por medo de
que Hongjun tivesse feito algo errado. Quando olhou para Huang Yong,
imediatamente se lembrou que estava com Hongjun quando ele chegou naquele dia.
Huang Yong provavelmente contou a Hu Sheng sobre isso.
“Sim,” disse Li Jinglong. “Por quê?”
“Traga-o aqui e depois você voltará para o Exército
Longwu.” disse Hu Sheng. “No quinto dia do próximo mês, a placa[1]
do Departamento de Exorcismo será removida. Você terá dez dias para se mudar.
Os demais serão dispensados e o Ministério do Pessoal os auxiliará a se
estabelecerem.”
A mente de Li Jinglong imediatamente ressoou com um
estrondo, como se algo tivesse explodido. Ele pensou que tinha ouvido errado e
inexpressivamente perguntou, “O quê?”
“Não crie confusão.” disse Hu Sheng. “Eu estive nos
limites das forças por causa de todos os problemas que causou nos últimos anos,
então você acha que quero isso? Recomponha-se e conversaremos a respeito disso
em alguns dias.”
Em seguida, Hu Sheng contornou Li Jinglong e
partiu.
Huang Yong falou, “Chefe Li, eu acredito que
existam yaos no mundo e confio na sua conduta. Porém, algumas coisas
simplesmente não acontecem da maneira que queremos e essa é a maior dificuldade
da vida. Como herdou a espada de Lorde Di, deve estar familiarizado com o
princípio de ‘ocultar suas forças e aguardar seu tempo’[2]...”
Li Jinglong não ouviu o que Huang Yong disse, pois
rapidamente se virou para ir atrás de Hu Sheng. Porém, quando saiu do
Departamento Judiciário, não conseguiu encontrar qualquer sinal do outro homem.
Perdido, ele ficou parado na rua, sentindo-se fraco e tonto, como se o mundo
inteiro girasse.
Quando passou pelo saguão de entrada, no
quinto período de vigília[3], Li
Jinglong não sabia dizer como havia voltado para o Departamento de Exorcismo.
O Acala, envolto por uma camada de
chamas e que segurava seis artefatos mágicos, o olhava calmamente. Várias xícaras e tigelas estavam espalhadas pelo
pátio. O sofá do saguão havia sido levado para fora e colocado sob a árvore de
guarda-sol, com algumas folhas de chá espalhadas pelo chão; pelo jeito, eles
passaram algum tempo se divertindo sob a árvore de guarda-sol.
Nos quartos de
todos, as lâmpadas já estavam apagadas. Aparentemente, eles foram para cama sem
esperar por ele, até mesmo para evitar receberem uma nova visita que zombasse
do fato de terem trocado o dia pela noite. Li Jinglong ficou parado no pátio,
olhando silenciosamente a cena à sua frente.
Deitado no sofá, Hongjun mergulhava em um sonho
estranho. No sonho, Chang'an estava cercada por um mar de sangue e por
montanhas de cadáveres; estava tomada por névoa e com pessoas mortas por todos
os lados, tal como aconteceu quando o peixe ao fugiu para o Palácio
Daming. Um após o outro, os cadáveres estendiam as mãos em sua direção,
tentando arrastá-lo.
Ele entrou em pânico e tentou ativar a Luz Sagrada
Pentacromática, mas descobriu que seus meridianos já estavam vazios. Olhou ao
redor, querendo voltar para o Departamento de Exorcismo. Naquele momento,
porém, e sem saber por que, ele não estava pensando em Chong Ming ou Qing
Xiong, mas sim em Li Jinglong.
Gritou, “Chefe? Chefe, onde você está?”
Ele cambaleou e correu pela cidade de Chang'an,
repleta de cadáveres por todos os lados. A névoa negra o envolveu pelas costas,
gelando-as. Ele caiu pesadamente no chão e gritou: “Li Jinglong?! Li Jinglong!”
Quando se levantou novamente, sentiu uma poderosa
força no peito, que quase rompeu seu torso, causando-lhe muita dor.
“Li Jinglong—!”
“Hongjun!”
No quarto, Hongjun estava prestes a rolar para fora
da cama, quando Li Jinglong o ouviu chamar seu nome. Ele imediatamente se
lançou para frente e o pegou.
Hongjun acordou de repente e, quando ia gritar de
novo, Li Jinglong rapidamente fez um gesto de "silêncio" e olhou para
ele surpreso. Hongjun estava encharcado de suor, com os olhos bem abertos e o
rosto pálido e ofegante.
Li Jinglong perguntou em voz baixa, “Pesadelo?”
Ele se ajoelhou e abraçou Hongjun, que se agarrou
às roupas de Li Jinglong e enterrou a cabeça nos braços dele, suspirando
longamente.
Naquela noite, a lâmpada do quarto de Li Jinglong
ainda estava acesa.
Hongjun pegou a decocção calmante no pátio leste e
passou pelo quarto de Li Jinglong, que disse, “Entre aqui e me dê um pouco
disso também.”
Hongjun concordou. “Te darei um pouco quando ficar
pronta.”
Hongjun ainda se lembrava do dia em que Li Jinglong
o mandou para fora do quarto. Depois, ele questionou o yao carpa
especificamente a respeito daquilo e o peixe lhe disse que algumas pessoas não
gostavam que outros entrassem em seus quartos, então Hongjun manteve isso em
mente.
“Fique um pouco comigo,” disse Li Jinglong.
Hongjun entrou descalço, apagou uma chama e acendeu
a pequena fornalha de cobre perto da mesa, onde colocou uma tigela também de
cobre e começou a misturar os ingredientes do remédio.
“Você sonhava muito quando era criança?” perguntou
Li Jinglong.
“Não.” Hongjun balançou a cabeça. “Só comecei a ter
pesadelos depois que desci as montanhas.”
“Saudade de casa?” Li Jinglong suspirou e perguntou
novamente.
Ele tirou o robe, ficando vestido com suas roupas
de baixo brancas como a neve. Então,
sentou-se sobre os joelhos do outro lado, de frente para Hongjun.
Delicadamente, Hongjun fervia os ingredientes na
tigela com uma colher de cobre. As chamas refletiram em seus olhos jovens e heroicos,
que pareciam um pouco tristes.
Ao ouvir a expressão “saudade de casa”, ele
levantou os olhos para olhar para Li Jinglong e sorriu. Aquele sorriso
imediatamente fez Li Jinglong, cuja vida era desesperadora, sentir as cordas em
seu coração serem suavemente tocadas e ecoarem um som que se espalhou como
ondas, camada após camada.
“Zhao Zilong disse que as pessoas somente dão valor
às coisas depois que as perdem,” Hongjun falou sorrindo. “Estou com saudade de
casa porque estou longe de lá, mas também gosto do Departamento de Exorcismo e
de todos aqui.”
Com os olhos um pouco confusos, Li Jinglong
perguntou, “Do que você gosta no Departamento de Exorcismo?”
“Ah, a árvore de guarda-sol.” Hongjun virou a
cabeça e se inclinou para frente e acrescentou olhando para fora do quarto,
“Você até me deu pinturas, me levou para brincar e me fez companhia...”
Li Jinglong respondeu em voz baixa, “Não sei por
que, mas sempre sinto como se minha alma fosse gêmea da sua.”
A fragrância dos ingredientes misturados parecia
ter surtido algum efeito, aliviando as preocupações de Li Jinglong. Ele não
pôde deixar de olhar para o jovem à sua frente e se perguntar por que sempre
teve um cuidado especial com ele.
Era por ele não ser como os outros três, cada um
com seus próprios planos? Não.
Ou porque ele era lindo e fazia o coração de alguém
se afeiçoar a ele? Também não.
“O que aconteceu hoje?” Hongjun olhou novamente
para cima e perguntou.
Li Jinglong viu um pensamento vago nos olhos de
Hongjun e de repente alcançou uma rápida conclusão. Não conseguiu evitar sorrir
e compreender...
... Hongjun não entendia muitas coisas. Ao
contrário das outras pessoas, ele nunca o enxergara com olhos de escárnio.
Diferentemente dos oficiais do Exército Longwu, ele nunca pisou naqueles abaixo
dele para bajular seus superiores[4].
Ele não tentava calcular o que as pessoas estavam pensando e tinha ainda menos
vontade de bisbilhotar nos corações dos outros. Ele não se achava sábio,
tampouco menospreza a si mesmo, apenas alheio ao mundo e aos sentimentos
humanos.
É agradável ser amigo de pessoas simples; livre de
armações e intrigas.
“Eu te causei problemas de novo?” perguntou
Hongjun.
Li Jinglong estava radiante, sorrindo impotente e
balançando a cabeça. Hongjun parecia confuso, incapaz de entender o que Li
Jinglong estava pensando. Na verdade, ele aos poucos começou a entender a
maioria das pessoas que falavam cheias de insinuações e
eloquência[5]. Ele sabia que muitos neste mundo tinham jeito com
as palavras.
“Você também é assim tão despreocupado em casa?” perguntou
Li Jinglong. “Pregando peças e criando problemas em todos os lugares?”
“Chong Ming é muito assustador quando fica bravo,”
disse Hongjun. “Quem se atreveria? É pura má sorte, só isso.”
“Um pouco.” Li Jinglong não sabia se ria ou se
chorava, sentindo que, desde que conheceu Hongjun, acontecimentos azarados
vinham em sequência, um após o outro, de forma muito mais acentuada do que nos
últimos vinte anos.
“Nenhum de vocês entende as pessoas comuns,” disse
Li Jinglong. “A vida delas é repleta de sofrimento.”
Hongjun anuiu e disse, “É verdade, pessoas comuns
sofrem muito. Entre yaos e mos, yaos são os
monstros das montanhas e guais selvagens; mos são
a raiva e a dor de todas as criaturas vivas.”
Li Jinglong se perguntou: “O nome é 'Departamento
de Exorcismo', por que não 'Departamento de Exorcizar Yaos?' Yaos
eu já vi, mas e os mos? Onde
estão? Também estão em Chang’an?”
Hongjun pensou sobre isso e disse: “É porque a
principal tarefa do Departamento de Exorcismo é dissipar os sofrimentos da
Terra Divina; expulsar o mo interior de todas as criaturas vivas,
dissipar os obstáculos mos que se acumularam ao longo dos anos e
purificar o mundo.”
Desde que podia se lembrar, Hongjun nunca enfrentou
quaisquer problemas. O calor de Chong Ming era como uma barreira, protegendo-o
em todos os momentos e lugares. No entanto, apenas dois meses após deixar as
Montanhas Taihang, ele descobriu que havia abundante dor e tristeza na Terra
Divina, e que as alegrias e tristezas dos humanos eram muito intensas.
Pelo caminho, ele vira pobreza, morte, doença e
velhice. O yao carpa lhe disse que essas eram as
dificuldades do mundo[6]: nascimento, velhice, doença, morte,
ressentimento e ódio, despedidas dos entes queridos, frustração em satisfazer vontades
e desejos e o sofrimento do florescimento dos cinco
skandhas[7]. Todos os tipos de dor se espalham pela seiva e pelo
pulso do mundo, movendo-se incessantemente em ciclos e purificados por essa
força sombria e poderosa.
Porém, uma vez que o liminar de purificação do céu
e da terra é excedido, hostilidade se convergirá em mos.
Hongjun sempre se lembrava de 'Mara', que Qing
Xiong havia mencionado antes de ser interrompido por Chong Ming. Ele estava
altamente curioso sobre a existência deste mo, mas o yao carpa
apenas explicou a origem dos mos e não tocou mais no assunto.
Após a explicação de Hongjun, Li Jinglong franziu o
cenho e disse: "Talvez seja esta a catástrofe da Terra Divina à qual Lorde
Di se referiu."
Hongjun estudou a expressão preocupada de Li
Jinglong e falou com um sorriso: “Você está sempre infeliz.”
“Não consigo ficar feliz,” respondeu Li Jinglong
cansado. Quando olhou para Hongjun, novamente se sentiu melhor e sorriu
aliviado, dizendo: “Mas me sinto muito melhor sempre que falo com você.”
“Você ainda não tomou a decocção.” Hongjun pegou a
água fervente, despejou na tigela de cobre e dissolveu o remédio. “Eles te
fizeram pagar pelos estragos? Eu ainda tenho algumas...”
Quando Hongjun estava prestes a se levantar para
pegar suas pérolas, Li Jinglong disse: “Não é suficiente para cobrir os danos; esqueça
isso. Vou pensar em algum outro jeito. O mais problemático é que o tribunal
inteiro não gosta de mim, mas isso também é compreensível.”
“E o seu Imperador?” disse Hongjun. “O palácio é
dele. Apenas peça desculpas e ele vai concordar, certo? Eu até queimei o
Palácio Yaojin antes de descer as montanhas...”
Li Jinglong, “...”
Hongjun foi capaz de despertar o homem do transe
com apenas um breve comentário. Não importa o que acontecesse, Li Longji era
quem daria a palavra final; uma palavra sua seria mais eficaz do que qualquer
outra coisa no mundo.
Li Jinglong franziu o cenho. Contanto que o
imperador soubesse o que eles faziam e confiasse neles, o que os oficiais
poderiam fazer? Porém, como eles persuadiriam o imperador a acreditar nesses
acontecimentos? Pelo menos esta era uma solução, e eles teriam que se apressar para
fazê-la antes do quinto dia do próximo mês...
“Vou pensar sobre isso de novo,” disse Li Jinglong.
“A questão ainda não foi decidida. Existem yaos no palácio imperial, hmm...”
Ele tinha uma ideia tênue e vaga, e Hongjun lhe
entregou a tigela de remédios. Li Jinglong sinalizou para que o outro tomasse
antes, enquanto começava a pensar em uma solução. Depois que Hongjun tomou
metade da tigela, Li Jinglong tomou a outra metade.
“Parece que o remédio tem... um pouco demais...”
falou Hongjun atordoado.
Li Jinglong havia acabado de tomar sua parte quando
viu os olhos atordoados de Hongjun, que estava prestes a cair. Li Jinglong
correu para ajudá-lo, mas de repente se sentiu tonto e quase não conseguiu
ficar em pé.
“Você... Hongjun...”
Li Jinglong girou e se sentou apressadamente, o que
fez com que Hongjun perdesse o apoio e, já adormecido, se apoiasse em Li
Jinglong.
“Que remédio é esse... espera...” o corpo inteiro
de Li Jinglong já havia perdido as forças. Encostado no sofá, ele tentou
agarrar freneticamente com a mão para se apoiar, mas ela escorregou e ele
perdeu completamente a consciência.
Na manhã seguinte.
O sol brilhava no quarto. Quando A-Tai passou pelo
quarto de Li Jinglong, o viu deitado na beira do sofá com as pernas
ligeiramente separadas, juntamente com Hongjun, que estava deitado sobre
ele. Os dois vestiam roupas de baixo e
dormiam confortavelmente.
A-Tai, “...”
“Qiu Yongsi!” A-Tai rapidamente o chamou para o
pátio. Qiu Yongsi, que tinha um senso extremamente apurado para fofoca,
rapidamente trotou para lá. Ao ver a cena no interior do quarto, os dois escancararam
as bocas como se fossem um yao carpa.
“Chamamos Mo Rigen pra vir ver?”
“Feche a boca. O que há aí pra ver? Rápido, feche a
porta do chefe.”
“Você ouviu na noite passada? Hongjun ficava
chamando o nome dele! ‘Chefe! Chefe! Li Jinglong! Jinglong!’ Ou ouvi errado?”
“Isso, isso! Foi o que eu ouvi! Então era isso! Mas
eles não estavam no quarto de Hongjun? O som veio da direita!”
À medida em que as vozes diminuíram, Li Jinglong
acordou. Ele recobrou a consciência e olhou para baixo. Ao ver Hongjun deitado
sobre seu corpo, seu coração de repente acelerou. Ele estendeu a mão, dando um tapinha
nele e sussurrando, “Hongjun? Acorde!”
Hongjun dormia como uma pedra. Noite passada,
enquanto conversavam, a tigela de decocção calmante ferveu demais com os
ingredientes e os fez perderem a consciência após a ingestão.
Li Jinglong queria levá-lo de volta para o próprio
quarto, mas todo mundo já deveria estar acordado. Além disso, se fosse visto
por Zhao Zilong, temia que o yao carpa apenas acabasse fazendo barulho
por nada. Para Li Jinglong, ele era o mais insuportável, então lhe restou
apenas erguer Hongjun, colocá-lo no sofá e cobri-lo com uma colcha.
No salão principal, Mo Rigen torcia um escudo de
couro com um alicate, A-Tai brincava com um cristal e Qiu Yongsi preparava chá.
Quando Li Jinglong chegou depois de se lavar, todos prontamente perguntaram
sobre os assuntos da noite passada.
Li Jinglong soltou um "hmm" e disse que
não aconteceu nada sério. Ele ponderou cuidadosamente sobre o assunto enquanto
recebia chá de Qiu Yongsi. A-Tai e Qiu Yongsi trocaram um olhar estranho e Mo
Rigen lhes lançou um olhar interrogativo.
“Então, o caso foi concluído?” perguntou A-Tai.
“Ainda não,” disse Li Jinglong. “Vamos continuar a
investigar hoje.”
O semblante de todos era de dúvida. Li Jinglong
pensou sobre o assunto mais uma vez e finalmente perguntou, “Pessoal, vocês
podem me ensinar mana?”
Os cantos das bocas deles se contraíram.
“Eu não quero arrastar todo mundo para baixo.” Li
Jinglong afirmou com precisão. “Vocês estão certos. Como alguém comum, apenas
força pura não será suficiente para capturar yaos.”
Quando Hongjun acordou, apenas sentiu que o cansaço
dos últimos dias havia passado. Se esticando, de repente sentiu um cheiro
agradável na colcha. Olhando novamente para cima, descobriu que aquele não era
seu quarto. Como acabou dormindo no quarto de Li Jinglong?
“Chefe?! Chefe Li?!” chamou Hongjun. “Cadê você?”
Li Jinglong e os outros três estavam conversando no
pátio quando de repente ouviram os chamados de Hongjun. Li Jinglong ficou
imediatamente envergonhado e estava prestes a ir explicar, quando Mo Rigen
falou com espanto “Hongjun? O que está acontecendo?”
Vestido de branco, Hongjun correu para fora e
disse, “Chefe Li? O que aconteceu ontem à noite?”
A xícara na mão do yao carpa caiu com um
estrondo.
Li Jinglong gesticulou para que ele parasse de
falar besteiras, mas Hongjun ainda estava perdido e continuou, “Por que dormi
no seu quarto? Você até me cobriu com uma colcha!”
Surpreso, Mo Rigen olhou para Li Jinglong e então
para Hongjun. A-Tai e Qiu Yongsi disseram ao mesmo tempo, “Nem pensar! Como é
possível?”
“Li Jinglong!” gritou o yao carpa. “O que
você fez com nosso Hongjun?”
Li Jinglong não aguentava mais e rugiu, “Kong
Hongjun! Você tomou uma decocção calmante! Por acaso cheirou pólen de Lihun e
esqueceu? Ontem à noite, você teve um pesadelo e chamou... chamou... chamou por
mim, aí você quis ferver um remédio e pegou emprestado o forno do meu quarto...”
Ao se lembrar disso, Hongjun sentiu-se culpado e
assentiu, dizendo, “Estranho... por que eu chamaria você...”
“Como eu vou saber!?” rugiu Li Jinglong
inexplicavelmente. “Volte e vista-se!”
“Chefe, você não precisa se explicar tão
claramente.” Disse A-Tai
“Verdade, verdade,” disse Qiu Yongsi. “Todos nós
entendemos.”
“Vocês não entendem nada!” Li Jinglong estava tão
furioso que demorou um tempo para se acalmar.
Hongjun trocou de roupa e saiu novamente, sentando-se
no corredor para comer. Ele curiosamente olhou ao redor, vendo A-Tai e Qiu
Yongsi ensinando mana para Li Jinglong no pátio.
“Não há poder espiritual nos meus meridianos,”
disse Li Jinglong.
“Na verdade, chefe,” disse Mo Rigen. “Como um humano,
você já é bem extraordinário.”
Li Jinglong suspirou e disse, “Não é suficiente.”
Ao enfrentar a yao raposa e o peixe ao,
Li Jinglong dependera de Hongjun, que o protegeu em ambas as ocasiões. Se
tivesse agido de maneira precipitada, muito provavelmente teria sido engolido
pelos yaoguais.
Qiu Yongsi disse, “Para conduzir a si próprio, o
cérebro é o mais importante.” Assentindo, acrescentou, “mana vem em
segundo lugar. Meu avô disse que você deve confiar em si mesmo para ter armas
mágicas e cultivar, mas pode confiar na força bruta para fazer tudo. Se você
não tiver força, mais cedo ou mais tarde morrerá nas mãos dos yaoguais”
“Além disso, você tem Hongjun,” disse A-Tai.
“Certo, você tem Hongjun,” Mo Rigen e Qiu Yongsi
fizeram eco.
Hongjun, “?”
Li Jinglong abaixou sua espada. Hongjun saiu do
pátio e disse, “Faz muito tempo que estou curioso; que arma mágica é essa?”
Esta era a terceira vez que Hongjun estudava
seriamente a espada. Em seguida disse, “Qing Xiong uma vez disse que até mesmo
uma pessoa comum sem poderes pode ser exorcista se usar uma arma mágica
corretamente.”
“É verdade,” disse Qiu Yongsi. “Muitos exorcistas
também não possuem naturalmente veias espirituais e contam apenas com algumas
armas mágicas para derrotar o inimigo... Posso ver a espada?”
Esta era a primeira vez que Qiu Yongsi, A-Tai e Mo
Rigen olhavam a espada de Li Jinglong tão de perto. Li Jinglong disse:
"Ela parece ter uma conexão com a faca de arremesso de Hongjun.”
Hongjun girou a faca entre os dedos e injetou poder
espiritual nela. A faca de arremesso se iluminou, assim como a longa espada sem
adornos.
“Oh!” todos ficaram surpresos.
Hongjun disse: “Quando a faca perfura um yaoguai,
ela provavelmente é ativada em resposta à energia yao. Talvez a espada e
a faca sejam forjadas do mesmo tipo de aço?”
“Talvez,” murmurou Qiu Yongsi. “Consegue fazê-la
brilhar mais?”
A faca de arremesso ressoou com a espada longa,
onde surgiu uma linha de caracteres que brilharam com cada vez mais intensidade.
“Esta...” Qiu Yongsi olhou para Li Jinglong e
depois novamente para a espada.
Li Jinglong franziu o cenho e perguntou, “O quê?”
“Quanto pagou por ela?” perguntou Qiu Yongsi.
“Quinhentos e cinquenta mil taéis,” disse Li
Jinglong.
“Mesmo se uma espada custasse cinco milhões e
quinhentos mil, me dê mais dez,” disse Qiu Yongsi com um sorriso, devolvendo a
espada a Li Jinglong. Dentre eles, Qiu Yongsi era quem tinha mais conhecimento sobre
artefatos mágicos, então, quando disse aquilo, todos involuntariamente se
endireitaram.
“Que arma mágica é esta?” perguntou Li Jinglong.
“A Espada da Sabedoria.” respondeu Qiu Yongsi.
“O quê?!” o yao carpa estava em choque.
“Você sabe a respeito dela?” perguntou Li Jinglong.
O yao carpa, “Não.”
Li Jinglong, “...”
O yao carpa, “Só achei que era um bom
momento para ficar surpreso e dar o clima.”
Todos desmoronaram.
✦✦✦
Notas de tradução
[1] Placa, em chinês “bian” (匾): basicamente é uma
placa horizontal inscrita.
[2] Ocultar os próprios talentos e aguardar a
oportunidade certa (ou “esconda sua luz debaixo do alqueire”):
esconder o talento de alguém e manter um perfil discreto. Esconda seu talento e
continue melhorando, para alcançar um desenvolvimento equilibrado.
[3] quinto período de vigília: 03:00-05:00 antes do amanhecer; a quinta
vigília pouco antes do amanhecer.
[4] pisar naqueles abaixo dele para bajular seus superiores: No original, algo
como: olhar para o prato abaixo e rastejar para cima enquanto pisa no inferior.
Em resumo, rastejar sem princípios, lisonjeando o superior e pisoteando o mais
novo; bajular aqueles que estão no topo e intimidar aqueles que estão por
baixo. A palavra “prato” também pode significar uma habilidade de uma pessoa
fraca/pobre.
[5] pessoas que falavam cheias de insinuações e eloquência: No chinês “jifeng”
(机锋), termo budista
traduzível, segundo a fonte do inglês, como “lança automática”. De acordo com a
wikipedia chinesa, jifeng é um termo do zen budismo que se refere a um método
de diálogo cheio de significados profundos. Os mestres zen costumam usá-lo como
método de ensino para confirmar o grau de estudiosos e orientar os alunos a
alcançar a iluminação. Entre os artigos relacionados na wikipedia, está o
“método retórico socrático”, talvez um paralelo ocidental para tentarmos
entender mais ou menos o contexto (ninguém aqui da tradução é fluente em
mandarim ou expert em budismo, sorry).
Segundo a nota da tradução para o inglês, “automático”
refere-se à função do coração estimulada pelo método de ensino ou pela chave da
verdade; já “lança” refere-se ao estado agudo de usar as sutilezas budistas.
[6] as dificuldades do mundo: Parece se referir aos oito sofrimentos do
budismo. Caso alguém tenha interesse na temática, há uma linda novel danmei chamada
Nan Chan que aborda essa questão.
[7] cinco
skandhas: Impressão, sentimentos, percepções, atividade mental e consciência.
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