sábado, 4 de dezembro de 2021

[Manhua] TGCF | Bênção do Oficial do Céu - Capítulo 025


LEIA MAIS

sábado, 20 de novembro de 2021

[Manhua] TGCF | Bênção do Oficial do Céu - Capítulo 024


LEIA MAIS

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

[Novel] Tianbao Fuyao Lu - Capítulo 009

 


-
Tradução: Miss Sw
_
LEIA MAIS

sábado, 2 de outubro de 2021

[Novel] Mingwang Huanshi Lu - Capítulo 004

  



Tradução: Miss Sw
LEIA MAIS

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

[Novel] Dinghai Fusheng Lu - Capítulo 004

 


"O guardião da minha família é tão bonito! Chen Xing não pôde deixar de exclamar, 'Aaaaaah, que belo jade!'."

_

Tradução: Foxita | Revisão: Miss Sw

_

LEIA MAIS

quinta-feira, 19 de agosto de 2021

[Novel] Tianbao Fuyao Lu - Capítulo 008

 


-
Tradução: Foxita
Revisão: Miss Sw
_
LEIA MAIS

sexta-feira, 28 de maio de 2021

[Novel] Mingwang Huanshi Lu - Capítulo 003

 



Tradução: Miss Sw
LEIA MAIS

domingo, 23 de maio de 2021

[Novel] Dinghai Fusheng Lu - Capítulo 003

 


"Chen Xing se virou para dizer algo a Xiang Shu e inesperadamente percebeu que ele havia desaparecido!"

_

Tradução: Miss Sw | Revisão: -

_

LEIA MAIS

domingo, 16 de maio de 2021

[Novel] Tianbao Fuyao Lu - Capítulo 007


-
Tradução: Miss Sw
Revisão: -
_
LEIA MAIS

segunda-feira, 15 de março de 2021

[Novel] Dinghai Fusheng Lu - Capítulo 002

 


"O Guardião da minha família parece ser muito bom de luta. Chen Xing estava bastante satisfeito."

_

Tradução: Foxita | Revisão: Miss Sw.

_

LEIA MAIS

terça-feira, 9 de março de 2021

[Manhua] Tianbao Fuyao Lu - Capítulo 003.5

 









Anterior Lista de capítulos | Próximo (Em breve)]

LEIA MAIS

segunda-feira, 8 de março de 2021

[Novel] Xingpan Chongqi - Capítulo 05

 


Tradução: Foxita.
Revisão colaborativa: Sr. Raposo.

✶✶✶✶✶

Capítulo 05 - A Espinha Dorsal do Mundo

 

Era o sexto dia que A-Ka e Heishi passavam caminhando na neve.

Seus arredores eram desolados e inabitados. Eles primeiro passaram por um pequeno bosque de árvores e adentraram uma enorme cordilheira.

A mochila de A-Ka já tinha sido transferida para as mãos de Heishi, mas ainda assim A-Ka tinha pouco fôlego e não conseguia suportar as viagens durante o dia. Quando se depararam com uma fenda na cadeia de montanhas, ele ficou tentado a se largar nas costas de Heishi e fazer com que este o levasse montanhas acima.

“Este é o cume do Astrolábio”, disse A-Ka, “Jingchuan[1].”

Como sempre, Heishi ouviu com uma expressão indiferente. Ao se sentarem de frente para o fogo, A-Ka terminou de comer a raposa selvagem que haviam caçado. A carne era nojenta, cheirava mal e não tinha sal, de modo que ele quase a vomitou enquanto comia.

“O Astrolábio é o mundo em que vivemos,” A-Ka explicou para Heishi. “Um enorme astrolábio que guia outros dezessete astrolábios menores. Cada continente é uma ilha individual e todos se interconectam como engrenagens numa máquina”.

Heishi falou um "hmm" indiferente e perguntou, “Já acabou de descansar?”.

“Não”, A-Ka falou um pouco desamparado. “Eu te atrasei, sinto muito por isso.”

As palavras de A-Ka realmente vieram do fundo do seu coração -- Heishi era extremamente resistente: não temia o frio, tinha uma força extraordinária e era capaz de andar por um dia inteiro sem descansar. É claro que, para compensar, ele comia muito. Afinal de contas, ele era um humano de três mil anos atrás e, naquela época, os genes da espécie humana eram da melhor qualidade. Por tal motivo, aquele período era conhecido como Idade do Ouro. Heishi não era como A-Ka e o restante dos humanos da Idade do Ferro Negro, que resistiam sob o controle das máquinas com suas constituições frágeis.

Durante toda a jornada, A-Ka observava Heishi na tentativa de descobrir exatamente o que ele era. Um dia, finalmente, uma prova convenceu A-Ka que Heishi era, de fato, humano: excreção.

Se ele era humano, teria que comer e certamente teria que excretar. Heishi era capaz de suar e, algumas vezes, tinha vontade de tomar banho. Para tomar banho, ele tirava as roupas e ficava completamente nu na neve, fazendo uso direto dela para limpar o próprio corpo. Algumas vezes ele também excretava, mas na maior parte das vezes, ele evitava A-Ka quando o fazia. Esse tipo de vergonha parecia ser inata.

Um dia, A-Ka assistiu Heishi de longe. Heishi havia acabado de limpar o corpo e, depois de um banho simples, se ajoelhou imóvel na neve. Sob a brilhante luz do sol, sua pele bronzeada o fazia parecer a estátua perfeita de um deus antigo. Antes, A-Ka tinha visto apenas pessoas agachadas ou sentadas. Esta era a primeira vez que via alguém se ajoelhar enquanto urinava. Depois que ele saiu, A-Ka se aproximou para dar uma olhada, mas acabou sendo arrastado de volta por Heishi e jogado na neve.

Até mesmo A-Ka sentiu que estava agindo como um tarado e pôde apenas admitir sua derrota e fugir.

A-Ka pensou finalmente que, apesar de Heishi ser temperamental e um pouco propenso à violência, no geral, ele era um companheiro muito bom.

“Você já viu pessoas da Idade do Bronze?”, perguntou A-Ka.

Heishi ergueu uma sobrancelha. A-Ka percebeu que podia ter deixado o outro bravo e gaguejou uma explicação. “Eu não pretendia... perguntar sobre o seu passado. Eu só tava curioso”.

“Não,” Heishi respondeu. “Eu não sei o que é isso”.

“As Idades do Ouro, Prata, Bronze e Ferro[2],” disse A-Ka. “São as quatro Eras da raça humana. Dizia-se que antes da Idade do Ouro, havia uma raça humana original ainda mais antiga”.

Heishi ouvia em silêncio. Nestes últimos dias, A-Ka de vez em quando lhe contava sobre algumas coisas e, embora parecesse que Heishi não estava prestando atenção, A-Ka sabia que ele provavelmente tinha absorvido tudo.

“Os humanos originais criaram tudo neste continente”, falou A-Ka, “inclusive os computadores, as técnicas de clonagem e inteligência artificial. Catorze mil anos depois, seus corpos evoluíram para se tornarem cada vez mais fortes”.

Heishi disse, “E as gerações posteriores os chamaram de Idade do Ouro”.

A-Ka assentiu. “Foi a era mais gloriosa do homem. Eu não sei se ainda existem outros humanos da Idade do Ouro como você, talvez no País Ideal ou na Confederação Popular de Curran”.

Heishi falou suavemente, “E daí se existirem?”.

A-Ka replicou entusiasmado, “Talvez eles possam te ajudar a descobrir sua missão”, ele apanhou um galho de árvore e desenhou um mapa no chão. “Depois de Jingchuan, passando pela cadeia de montanhas deste trecho aqui, chegaremos ao Estreito de Aijia. Talvez lá a gente possa esperar por um navio que vá para Curran”.

Heishi falou sem rodeios, “Ou podemos ser pegos pelos robôs e acabar mortos com tantos tiros que ficaremos parecidos com uma colmeia. Esta é a sexta vez que ouço seus planos”.

A-Ka encolheu os ombros, desamparado. De repente, a expressão de Heishi mudou sutilmente, como se tivesse ouvido algo.

“Fique aqui", Heishi mandou, enquanto erguia sua espada longa. Ele deslizou encosta abaixo, levantando neve pelo caminho.

Os sons aumentaram ao ponto que até A-Ka conseguia ouvi-los. Era o barulho de motores de aeronaves e de tiros de metralhadoras, junto com os estridentes gritos de mulheres e brados assustados de homens.

Os robôs os haviam alcançado! A-Ka entrou em pânico. Ele seguiu o pequeno caminho para baixo, até um vale coberto de neve. Ali, um grupo de humanos corria por suas vidas e tentava se esconder de dois robôs sentinelas que pairavam em pleno ar, atirando enquanto os perseguiam.

Do alto de um penhasco, uma silhueta humana saltou. Era Heishi.

Heishi abriu os braços com sua espada longa em uma mão e mergulhou de cabeça para baixo.

“Cuidado!”, bradou A-Ka.

Heishi não disse uma palavra sequer enquanto pousava em uma das sentinelas. A máquina assassina que sobrevoava o local deu uma guinada e os tiros mudaram de direção. Determinado, A-Ka despejou todo o conteúdo de sua mochila, que caiu fazendo barulho. De cabeça erguida, suas mãos se moviam rapidamente enquanto ele montava o gerador de campo magnético.

Os fugitivos correram em direção à encosta da montanha. Heishi pressionou uma das sentinelas para baixo, como se controlasse uma ave de rapina particularmente difícil de domar. Assim, o robô sentinela acabou colidindo com a montanha. O segundo robô virou a cabeça e voou na direção de Heishi, abrindo sua escotilha armada e mirando, pronto para atirar.

Com um "click", A-Ka encaixou o último parafuso da cobertura externa do gerador de campo magnético e enrolou uma corda ao redor do objeto. Rapidamente amarrando um nó, ele pegou a outra ponta da corda e girou em círculos sobre sua cabeça, arremessando-a.

Piscando com uma cor cinza metálica, a caixa eletrônica voou alto com um zumbido. Ao sentir um objeto metálico nas proximidades, ela voou em direção ao robô sentinela e, com um som suave, se grudou ao corpo dele.

Logo em seguida, a luz azul do campo magnético irradiou. Quando o motor antigravidade da segunda sentinela parou de funcionar, Heishi virou o corpo e se impulsionou, saltando em direção à encosta íngreme. O robô então colidiu ruidosamente com o penhasco. Parte da cordilheira desabou, causando uma avalanche.

“Corram, rápido!” A-Ka gritou.

Heishi foi varrido pela neve montanha abaixo e os humanos correram em direção a uma área mais elevada. As duas sentinelas chiavam com eletricidade e explodiram, iniciando outra reação em cadeia, que fez com o que o chão fosse encoberto pela neve. As montanhas erguiam-se altas, refletindo a luz do sol. Depois das explosões capazes de derrubar o céu, o mundo voltou a ficar em silêncio.

“Cof...cof...ah!”, A-Ka tossia enquanto cavava com enorme dificuldade para sair de baixo da neve. Heishi rastejou apressadamente até ele e o ergueu pela gola com uma mão, arrastando-o para fora da área coberta de neve.

Um por um, os humanos fugitivos também cavaram seu caminho para fora da neve. Tendo escapado com vida por tão pouco, eles ainda estavam em estado de choque.

A-Ka acenou com a cabeça na direção deles, vendo que sete haviam saído de baixo da neve - duas mulheres, quatro homens e uma garotinha.

Todos sentaram-se sob a luz do sol no campo de neve; todos exaustos além da conta.

“Quando vocês fugiram?”, uma mulher perguntou a A-Ka.

“Sete dias atrás”, ele disse. “Eu me chamo A-Ka, ele é Heishi”.

“Obrigado”, um homem disse agradecido. “Esses dois nos perseguiram por todo o caminho...”

Heishi falou indiferente, “Eu apenas me protegi”.

A-Ka ficou um pouco envergonhado e sorriu. “Não fale assim. Somos todos humanos e deveríamos nos ajudar.”

As pessoas reunidas começaram a sorrir, mas Heishi se afastou. Um pouco distante dali, alguns homens cavavam na neve.

“Amigo! Venha nos ajudar!”, um homem gritou de longe. “Ainda tem alguém aqui, temos que tirá-lo!”

A-Ka se aproximou e se abaixou para olhar, mas depois que ajudou a desenterrar a pessoa, ele ficou paralisado.

Era um clone.

O rosto do clone estava coberto com lascas de gelo. Conforme cambaleava para se colocar de pé, o punho de um humano que estava parado ao seu lado acertou em cheio seu rosto.

“Você mentiu pra nós!”, disse o homem furioso.

“Ei! Espera! Ele tem algo a dizer!”, A-Ka ficou muito assustado ao ver que o clone foi logo empurrado de volta ao chão.

Os homens os cercaram. Alguém empunhava uma arma e a pressionava contra a cabeça do clone enquanto falava friamente, “Por que você mandou um sinal para as sentinelas?”.

“Eu não mandei!”, respondeu o clone com raiva.

O líder rugiu furioso, “Você contatou os soldados! Você queria que eles nos pegassem!”.

O clone disse, “Eu só queria ouvir as novidades do quartel-general...”.

A-Ka falou, “Não seja tão... primeiro vamos ouvir o que ele tem a dizer”.

“Mano, isso não tem nada a ver com você”, o líder estendeu o braço para bloquear A-Ka e afastá-lo. A-Ka tropeçou e deu alguns passos para trás. Inicialmente, Heishi apenas ficou parado de lado, observando a garotinha que viajava com o grupo. Neste momento, no entanto, ele repentinamente sentiu a tensão e se virou, caminhando naquela direção.

“O que foi?”, Heishi perguntou friamente.

Todos observavam Heishi e seus olhos correram para a mão dele, que segurava uma espada longa. Ninguém se atreveu a falar.

O líder disse, “Eu sou Tapp”.

Heishi acenou com a cabeça. A-Ka indicou que eles primeiramente deveriam soltar o clone. Em seguida, ele perguntou para o grupo, “O que ele fez de errado?”.

Tapp falou para Heishi, “Durante nossa jornada, nós gentilmente o acolhemos, mas ele se atreveu a enviar um sinal em segredo para o esquadrão de sentinelas enquanto viajava com nosso grupo...”.

O clone respondeu furioso, “Eu não mandei! Fui eu que fui gentil e os ajudei a escapar da Cidade das Máquinas! Eu só queria ouvir as notícias do quartel-general! Podemos até ignorar que eles quebraram meu transceptor, mas eles até mesmo esqueceram a dívida que tinham comigo e tentaram me matar! Seus humanos ingratos...”.

Naquela situação de emoções intensas, o clone quis lutar com Tapp, mas foi impedido pelo grupo de homens.

“O que ele usou para entrar em contato com os robôs?”, A-Ka perguntou para Tapp.

Tapp se virou, fazendo um gesto, e outra pessoa trouxe um transceptor de sinal elétrico.

Após dar uma olhada, A-Ka explicou, “Esse aparelho só consegue receber, e não transmitir mensagens. Ele não enganou vocês”.

“Mas também foi ele quem atraiu os robôs sentinelas”, falou um homem relutante. “Ele tava recebendo uma mensagem quando o sinal foi rastreado”.

A-Ka falou pacientemente, “Se ele não consegue enviar sinais, quer dizer que as sentinelas não têm como rastrear a origem do sinal, logo, eles não podem ter sido atraídos por ele”.

O clone os observava e todos se sentiram bastante envergonhados. Depois de um momento de silêncio, Tapp disse, “É muito perigoso levar ele com a gente, vamos matá-lo”.

“Pessoal!”, o clone mal conseguia acreditar, mas A-Ka os interrompeu. “Esperem! Por que vocês precisam matá-lo?”

Tapp disse, “Os clones não estão do nosso lado. Quem sabe que truques ele tem nas mangas?”.

A-Ka falou irritado, “Vocês não podem matá-lo!”.

Ele olhou na direção de Heishi, mas este não tomou posição. Tapp e os outros pareciam estar um pouco temerosos em relação aos dois e finalmente A-Ka disse, “Entregue-o pra mim, quero fazer algumas perguntas”.

A-Ka estendeu a mão e o clone a segurou, usando-a para se colocar em pé. A-Ka se afastou com o clone e Heishi.

“Espere!”, Tapp gritou de trás.

“O que mais você tem a dizer?”, A-Ka se virou e perguntou.

Tapp mediu os três, quase como se estivesse avaliando a capacidade de luta de Heishi e A-Ka. Ele finalmente pareceu desistir de algum plano, dizendo: "É melhor tomarem cuidado com esse cara”.

“Obrigado pelo lembrete”, respondeu A-Ka.

A noite caiu. A-Ka, Heishi e o clone acomodaram-se em uma caverna. Eles acenderam uma fogueira e o restante dos humanos permaneceu no vale para descansar temporariamente, deitando-se em locais abrigados do vento.

“General Libre morreu”, disse o clone. “A revolução falhou e Pai está reconstruindo a Cidade das Máquinas. Ele também enviou sentinelas para rastrear os humanos e meus companheiros clones que conseguiram escapar”.

Esta era realmente uma notícia ruim.  A-Ka perguntou, “Que novidades você tem do quartel-general?”.

“Você parece saber bastante das nossas operações”, o clone disse casualmente. “Os humanos que participaram da operação ‘Morte ao Pai’ não chegavam a dez. Como você sabe?”.

A-Ka disse, “Foi por acaso. Então, eles perderam?”.

“Ainda não”, o clone olhou de relance para Heishi. “O quartel-general mandou as tropas feridas fugirem pelo estreito de Aijia para Andoria. O objetivo é formar uma aliança com os humanos de Curran antes de pensar em planos para contra-atacar.”

A-Ka refletiu profundamente e anuiu.

Heishi perguntou, “Todas as pessoas na Cidade das Máquinas morreram?”.

O clone suspirou e disse, “Bem, isso não pode ser considerado um fracasso total.  Pelo menos agora, Pai vai precisar de, no mínimo, dez anos para se consertar. Nossas principais tropas conseguiram nos comprar um bom tempo, afinal”.

“O que é Andoria?”, Heishi perguntou friamente.

“O país dos clones”, respondeu o recém-chegado. “Lá, vivem três dos nossos ancestrais originais. Inicialmente, nós, clones, tínhamos quatro ancestrais, mas muitos anos atrás, um deles acabou se envolvendo num esquema. Quando o plano falhou, ele foi capturado por Pai. Foi ele quem ficou na Cidade das Máquinas e instigou os clones a se rebelarem, dando início a esta guerra.”

A-Ka suspirou. As palavras do clone revelaram uma peça importante de informação - por ora, eles continuavam em perigo.

Enquanto mexia repetidamente no pequeno dispositivo mecânico, o clone disse cansado: "Não consigo me conectar com o quartel-general. Aqueles humanos idiotas quebraram o transceptor". Ao dizer isso, ele percebeu que A-Ka e Heishi também eram humanos. “Desculpa, não estava falando de vocês.”

A-Ka assentiu e perguntou, “Por que você não tem um número de série?”.

“Quando a revolução começou, todos os clones deixaram de reconhecer o número de série dado pelo governo. Nós nos demos nomes únicos,” disse o clone. “Meu nome é Feiluo”.

“Eu me chamo A-Ka”, ele respondeu, acenando com a cabeça na direção alheia.

“Heishi”, disse o outro.

Com a inclusão de Feiluo ao grupo, A-Ka finalmente não tinha que enfrentar diariamente a parede de pedra que era Heishi. Quando se levantaram no dia seguinte, o outro grupo se aproximou para perguntar se A-Ka se juntaria a eles ou não. E foi assim que o pequeno grupo de A-Ka, de apenas três integrantes, se juntou ao grupo de humanos fugitivos.

Eles atravessaram rios e montanhas em direção ao Estreito de Aijia, na esperança de cruzar o oceano rumo a um novo continente.

De todos os clones com quem A-Ka já havia interagido, Feiluo era o que tinha melhor temperamento. Ele era extremamente educado com Heishi, que, por sua vez, nunca o tratou como tratava A-Ka.

“Obrigado por me salvarem", disse Feiluo repentinamente em um dia em que estavam na estrada.

“Não foi nada.” A-Ka ainda tinha certa simpatia pelos clones como um todo; afinal, quando ele e Heishi fugiram da cadeia, foram os clones que os salvaram. Se não tivessem se aliado aos clones naquele momento, definitivamente teriam morrido na Cidade das Máquinas.

“Agora eu entendo”, Feiluo disse de maneira emocional, “para mudar esse mundo, ainda dependemos completamente dos humanos”.

A-Ka meio murmurou, “Humanos, huh?”.

A revolução dos clones, na verdade, foi iniciada por humanos e isso estava um pouco além das expectativas de A-Ka. Mas, depois de pensar sobre o assunto cuidadosamente, parecia bastante razoável. Humanos eram ricos em emoções e pensamentos complexos, algo que os seres de aço eram incapazes de alcançar. Porém, justamente em razão dessas emoções e pensamentos complexos, humanos dificultavam a vida de seus semelhantes e oprimiam outras espécies. Quando os Criadores dotaram os humanos de inteligência, foram também impiedosamente deixadas inúmeras falhas.

As mudanças no mundo eram ocasionadas pelos humanos. Portanto, era provável que, quando o mundo foi criado, os Criadores já tivessem colocado o eixo da Bússola nos seres humanos e lançado as outras partes no mundo vasto e desconhecido.

Os humanos se diferenciavam uns dos outros por milhares de pequenos modos e cada pessoa era um ser único neste vasto mundo. No fim, até mesmo os clones perseguiam esse ideal de individualização. Assim como Feiluo, eles se dariam um nome, usariam seus casacos do avesso e colocariam um pedaço de palha no chapéu, de forma a mostrar que eram diferentes de todo mundo.

“Uma vez, eu ouvi um companheiro clone dizer que isso era o despertar do meu próprio 'eu',” Feiluo disse para A-Ka. “Cada um de vocês, humanos, tem consciência do ‘eu’, mas nós não temos. Por isso, nós primeiro precisamos despertar essa autoconsciência antes que a revolução possa realmente começar.”

“Então qual você acha que é o conceito de 'eu'?”, A-Ka perguntou curioso.

Feiluo balançou a cabeça. “É difícil dizer, mas posso afirmar uma coisa - eu não sou o mesmo de antes.”

A-Ka instintivamente sentia que esse assunto era profundo e de difícil compreensão. Todas as pessoas são dotadas de autoconsciência; são individualizadas; do adulto mais velho até a criança mais nova... Ele olhou para o grupo de humanos e viu a única criança, que seguia Heishi curiosa, fazendo um monte de perguntas. Vez ou outra Heishi acenava em concordância ou balançava a cabeça negativamente. Mas, na maior parte do tempo, ele ficava em silêncio, apenas observando a garotinha.

“Crianças são criaturas misteriosas”, avaliou Feiluo. “Assim que nascemos, nós, clones, já temos a forma adulta e não experimentamos nenhum tipo de infância. A infância deve ser uma época muito feliz da vida de um humano.”

A-Ka disse, “Eu já não consigo me lembrar bem da minha infância, então não parece que ela foi assim tão feliz”.

Heishi carregava a garotinha em suas costas enquanto seguia em frente. A-Ka andava ao lado dele, gentilmente provocando a menina.

A-Ka: “Qual seu nome?”.

“Ann”, respondeu a garota timidamente.

A-Ka sorriu e respondeu, “Ann, aguente firme, vamos encontrar esperança”.

A garotinha concordou com a cabeça.

Dia após dia, do raiar ao pôr do sol, eles seguiam por uma longa estrada sem fim. Era bastante difícil viajar pelas montanhas cobertas de neve. Eles não conseguiam encontrar comida e todos sentiam desespero e frustração. Apenas A-Ka insistia em usar o gerador de campo magnético para montar armadilhas e, vez ou outra, conseguia pegar alguns pássaros e até mesmo um cabrito-montês.

Ele entregou a comida à garotinha e à mulher. No início, Heishi achava aquilo muito estranho, mas depois acabou se acostumando ao jeito de A-Ka fazer as coisas.

Quando todos já mal conseguiam se aguentar, guiados por Feiluo, finalmente deixaram a região nevada para trás e chegaram a uma extensa pradaria. Se seguissem em frente, alcançariam a costa do mar interior no lado oeste do continente.

A jornada havia durado quase meio ano e, quando o grupo estava praticamente drenado de energia, finalmente se deparou com a aurora. As roupas de todos estavam em farrapos e as de Heishi eram as mais detonadas. Na jornada até ali, era sempre ele quem liderava, abrindo caminho para os outros através de arbustos espinhentos. A camiseta de Heishi havia sido reduzida a algumas tiras de pano, de modo que ele apenas a amarrou à cintura e passou a circular com o tronco nu.

Durante o trajeto, Feiluo foi picado por uma cobra venenosa ao salvar a garotinha. Felizmente, ele era um clone e não foi afetado pelas toxinas.

A-Ka também estava totalmente esgotado e envergonhado. Suas roupas estavam irremediavelmente em farrapos e as tiras de couro de sua bolsa tinham se partido. Ele não teve escolha senão pegar duas faixas da roupa de Heishi e amarrá-las em volta de seu corpo.

Na jornada, duas pessoas ficaram doentes e morreram. A-Ka foi incapaz de ajudar e pôde apenas incentivar os demais a seguir em frente. Pior ainda, uma das pessoas que morreu era a mãe da garotinha Ann.

Por todo o caminho, Ann continuou a perguntar para onde sua mãe fora e Feiluo respondia que ela havia ido na frente para explorar o caminho. Ann não chorou nem criou problemas, e eventualmente se afastou do grupo de humanos, juntando-se ao pequeno grupo de A-Ka.

Eles estavam em uma extensa planície, o lugar mais antigo no coração do Astrolábio; fazia fronteira com as montanhas nevadas e com as florestas virgens abaixo delas, separando a Cidade das Máquinas e a região da costa oeste. A região se chamava “o Coração Primordial”. Antigamente, este lugar era conhecido como “o Laboratório dos Criadores”, apenas porque havia grande diversidade de espécies nas planícies. Na pré-história, quando tiranossauros devastavam as pastagens, nem mesmo as tropas mecânicas eram capazes de fazer algo a respeito.

Construir linhas de abastecimento era muito demorado e difícil. Por isso, e muitos anos atrás, quando os humanos fugiram da Cidade das Máquinas após a revolução, eles chegaram à costa oeste e puderam apenas lentamente construir suas habitações, chamando-as de “Aliança Rebelde”.

Mas tudo era apenas temporário. Todos sabiam que, cedo ou tarde, as tropas mecânicas de Pai chegariam e ocupariam toda a costa oeste. Eles somente sobreviveriam se deixassem para trás este continente e navegassem pelos mares em direção aos distantes países do outro lado.

Os humanos que viviam no limite do Coração Primordial tinham que estar sempre atentos aos ataques das criaturas pré-históricas e às tropas mecânicas do ainda mais distante Continente Leste. Todos os dias eram passados em medo angustiante e em um constante e interminável estado de ansiedade. 

No Formigueiro, A-Ka já tinha ouvido lendas sobre esse lugar. Naquela época, ele acreditava ser impossível chegar até ali, e mais ainda seguir para outro continente ao leste. Depois de passar por tanta coisa, ele aos poucos começou a perceber quão risível era sua ideia de pilotar K através do grande oceano à procura do lendário País Ideal.

Feiluo disse, “Depois de atravessarmos essa fronteira, à nossa frente, estará a Cidade Martha[3]”.

O grupo, totalmente coberto pelo pó da estrada, parou em uma encosta e olhou para baixo. Ninguém falou por um bom tempo.

As planícies se estendiam de uma fronteira à outra por centenas de quilômetros até onde a vista alcançava; o local estava repleto de humanos. As pessoas estavam sentadas, deitadas ou aglomeradas em frente a uma cerca de arame, aguardando que a Cidade Martha os recebesse. A cerca de arame era como uma fronteira entre países; no limite de suas últimas esperanças, afastava impiedosamente os que tentavam se aproximar.

A-Ka nunca esperou que ali houvesse tantas pessoas. Em uma primeira olhada, podia-se contar algumas dezenas de milhares.

Desde o dia da revolução na Cidade das Máquinas, provavelmente vários humanos escaparam da prisão que era o País de Aço. Cada um seguiu seu próprio caminho, espalhando-se por todos os cantos do continente. A-Ka acreditava que seu grupo, que havia pego um atalho ao atravessar as altas planícies, estaria praticamente na dianteira dos fugitivos. No entanto, ele não esperava que houvesse tantas pessoas sem alojamento e sem lugar para descansar.

“Deixa a gente entrar!”, gritavam os humanos aglomerados em frente à cerca de arame.

Atrás deles, estava um grupo de soldados da resistência, que trajavam uniforme de batalha e seguravam armas ao encarar o grupo de refugiados.

A-Ka observou de longe, com o rosto totalmente confuso.

“O que faremos?”, perguntou A-Ka.

Heishi deu de ombros, parecendo totalmente despreocupado enquanto seu olhar varria a planície.

Feiluo disse, “Não se preocupe, eu vou tentar negociar”. 

Os humanos na planície haviam se reunido em grupos. Logo anoiteceria; no inverno, os dias eram curtos, as noites longas e o vento extremamente frio. Feiluo guiou a garotinha, A-Ka e o restante do grupo para perto da cerca de arame. Atrás da cerca, o soldado insurgente imediatamente apontou a arma para eles e perguntou desconfiado, “Quem é?”.

Uma luz forte brilhou, pousando no rosto dos presentes. Feiluo usou o dedo para afastar seus cabelos sujos, revelando sua testa e um par de olhos azul índigo.

“Sou um de vocês”, disse Feiluo, “da sétima tropa”.

“A sétima tropa foi extinta!”, disse o outro. “Todos os irmãos morreram na Cidade das Máquinas!”

Feiluo ficou em silêncio por um momento. Dos quatro cantos, aproximaram-se alguns soldados armados, que ergueram seus capacetes revelando cada qual os próprios olhos índigos. Todos eram clones.

“Tem humanos aí?”, A-Ka perguntou. “Eu tenho algo a dizer; nós escapamos da Cidade das Máquinas”.

Um dos clones respondeu, “Todos aqui são refugiados da Cidade das Máquinas. Isso não é nada incomum; espere aí fora”. Ele então usou o cano da arma para apontar para Feiluo. “Você. Você é um de nós; pode entrar”.

Feiluo falou para A-Ka e Heishi, “Esperem por mim aqui. Ann, nós vamos na frente”.

O pequeno portão da cerca aramada se abriu minimamente e Feiluo fez com que Ann entrasse primeiro. Ann estava um pouco assustada e virou a cabeça para trás para olhar para os que ficaram. Heishi agiu diferente de seu usual comportamento frio e, em vez disso, lhe disse algumas palavras de conforto.  “Vá, você vai estar em segurança.”

Os acontecimentos deixaram algumas pessoas descontentes e elas começaram a gritar. Feiluo se espremeu para o outro lado da cerca e acenou com a cabeça na direção de A-Ka, indicando que ele deveria permanecer calmo. Em seguida, ele pegou Ann e ambos sumiram em meio à escuridão da noite. A-Ka foi esmagado pelas pessoas atrás de si até um ponto em que não podia mais suportar e se virou na esperança de encontrar um espaço no qual pudesse se sentar. Todavia, ele era incapaz de dar um passo sequer. No fim, Heishi o agarrou pela gola e o arrastou dali.

O restante do grupo se sentou em um espaço vazio, observando as lâmpadas de xenônio acima da cerca de arame, as quais transformavam a noite em dia com a sua luz. Tapp e os demais ainda estavam ao lado de A-Ka.

Tapp falou de maneira desdenhosa, “Aquele clone com certeza não vai nos deixar entrar”.

“Eu acredito que vai”. Em sua mente, porém, A-Ka tinha outro pensamento, mas não o disse em voz alta. Ele sentia que Feiluo salvaria ele e Heishi, mas talvez não fizesse o mesmo em relação aos temporários companheiros humanos. Afinal, Tapp e o restante do grupo originalmente queriam matar Feiluo.  

De longe, vieram rugidos de criaturas pré-históricas. Sob o véu da escuridão, as profundezas das planícies pareciam esconder inúmeros e desconhecidos perigos.

A longa noite chegara e o céu brilhava como um rio estrelado, enquanto as planícies mergulhavam em um sono profundo.

A-Ka despertou assustado de seus sonhos e olhou ao redor.

“Venha comigo”, disse um clone em voz baixa para A-Ka. “Não acorde os outros”.

“E Heishi?”, indagou A-Ka.

O clone perguntou confuso, “Quem?”.

“Heishi!”, A-Ka descobriu que Heishi não estava ao seu lado. Esta era a primeira vez que Heishi o deixara desde que saíram da Cidade das Máquinas. A-Ka imediatamente se sentiu ansioso enquanto gritava, “Heishi!”.

“Shh...” o clone rapidamente cobriu a boca de A-Ka e falou em voz baixa, “Não acorde os outros, venha comigo!”.

“Meu amigo...”.

“Essa é uma ordem do Tenente Coronel Feiluo! Se tiver algo a dizer, espere até vê-lo!”

A-Ka parou de resistir e, ainda atordoado, foi levado até a cerca de arame. Uma pequena brecha se abriu e o permitiu passar. O clone acenou com a cabeça para o guarda e disse: “É ele”.

O clone levou A-Ka até a entrada de um depósito e ele não pôde evitar ficar receoso. O clone então disse, “Logo Feiluo estará te esperando aqui fora. Vá em frente, pode entrar”.

A-Ka cerrou os dentes e adentrou o depósito, descobrindo que o local tinha sido transformado em um vestiário com duchas. Àquela altura, sua mente finalmente tinha clareado e ele entendeu que o estavam deixando tomar um banho. Depois de viajar por tanto tempo, seu corpo coçava, causando-lhe extremo desconforto e ele estava coberto de lama. Agora, ele finalmente tinha a chance de tomar um bom banho.

A-Ka ligou a água quente e o vestiário foi preenchido de vapor. Quando a água quente correu por sua pele, uma sensação de alívio o atingiu da cabeça aos pés. No vestiário tomado pelo vapor, ele avistou uma silhueta.

“Heishi?”, A-Ka perguntou alegremente.

Heishi parou ao lado, despiu-se e também se pôs a tomar banho. Ele virou a cabeça e mediu A-Ka, que se sentiu inquieto sob o olhar alheio e se afastou abrindo espaço entre eles. Ele já havia visto o corpo de Heish diversas vezes, então não lhe era estranho. Porém, esta era a primeira vez que ele tinha seu próprio corpo avaliado por Heishi.

O cabelo de A-Ka estava encharcado e água pingava sem parar enquanto ele sorria para Heishi. “Isso é ótimo, eu pensei que você...”.

Heishi encarou A-Ka em silêncio.

“Obrigado por ter cuidado de mim”, Heishi disse de repente.

A-Ka não esperava ouvir aquilo, mas sorriu e disse: “Foi você quem me protegeu...”.

De repente, Heishi estendeu a mão e puxou A-Ka para um abraço.

Naquele momento, o coração de A-Ka começou a bater violentamente. Em meio ao vapor, ele se aninhou contra o peito nu e musculoso de Heishi, sentindo a poderosa batida do coração e o calor alheios.

“Você...”, A-Ka de repente teve um mau pressentimento.

Heishi apenas o abraçou por um breve instante antes de soltá-lo. Ele cobriu a orelha de A-Ka com uma mão e o olhou nos olhos.

“Obrigado”. Os olhos de Heishi eram profundos, como obsidiana negra que permaneceu escondida sob a terra por milênios, brilhando com uma luz hipnotizante. “Daqui em diante, se cuida.”

“Heishi?”, A-Ka perguntou.

Heishi enxugou a água do rosto, virou-se para secar o corpo, vestiu suas roupas e saiu.

“Heishi!”, A-Ka vestiu suas roupas apressado e o seguiu, mas Heishi já estava uniformizado como os clones e se afastava rapidamente. Naquele momento, A-Ka vagamente pareceu perceber algo.

“Espera!”, A-Ka correu ansioso atrás de Heishi, indo parar em um local cheio de pessoas, onde também estava Feiluo.

“Rápido! Entre no navio!”, Feiluo aguardava do outro lado do cais, onde várias pessoas se alinhavam. Os arredores estavam silenciosos e tranquilos, mas no cais, brilhavam intensas e cegantes luzes. Várias pessoas viraram a cabeça para trás para olhar, pois, no silêncio da noite, a conversa entre eles soava bastante clara.

“Já acabou de se despedir de A-Ka?”, perguntou Feiluo.

Heishi assentiu em direção a Feiluo e o entendimento tácito entre os dois imediatamente confirmou muitas das suspeitas de A-Ka. Ele então perguntou, “Você vai ficar?”.

Feiluo explicou, “Ele ainda tem coisas a fazer e me disse para te enviar na frente. Venha cá... não fale...”.

“O que ele vai fazer?”, A-Ka perguntou incrédulo.

Feiluo não respondeu e apenas guiou A-Ka em meio à multidão. A complexa expressão de Feiluo estava claramente desconfortável. A-Ka perguntou, “É porque apenas uma pessoa pode ser enviada que ele voluntariamente escolheu ficar...”.

“Não! Não é isso!”, Feiluo se apressou em responder. “A-Ka, não faça mais perguntas. Confie em mim, Heishi está apenas...”.

Independentemente de qual fosse o motivo, A-Ka não conseguia se acalmar e respondeu, “Eu o tirei do mar, como posso deixá-lo pra trás agora? Eu preciso ir com ele, senão eu não vou!”.

Enquanto conversavam, Heishi finalmente não aguentou mais e perguntou, “Por que se importa tanto comigo?”.

A-Ka suspirou, logo ficando com raiva. Há pouco, ele tinha ficado comovido com as ações de Heishi, mas agora, assim que ouviu aquelas palavras, ele não queria mais se importar.

“Hunf, não é da sua conta”, A-Ka falou maldosamente. “Tanto faz, você decide. Se quiser ficar, fique.”

Feiluo começou a sorrir quando Heishi falou para A-Ka, “Tem algumas coisas que preciso resolver. Se o destino quiser, nos encontraremos de novo”.

O coração de A-Ka foi mais uma vez até a boca enquanto ele olhava para Heishi e tentava decifrar, pela sua expressão, se ele estava mentindo. De longe, a balsa soltou um apito, quebrando o silêncio constrangedor que pairava sobre os três. Feiluo falou apressado, “Está na hora de embarcar. Venha, Percy!”.

Feiluo trouxe um garotinho para perto. Por causa da escuridão da noite, A-Ka não conseguia ver o rosto da criança com clareza e pôde dizer apenas que ele era um pouco menor que o próprio A-Ka.

“Este é Percy. Percy, este é A-Ka.” Feiluo os apresentou e explicou, “A-Ka, vou deixar Percy aos seus cuidados. Quando chegar à Cidade Fênix, por favor, leve-o para um orfanato humano”.

A-Ka sentia-se confuso, mas como Feiluo estava lhe confiando aquela criança, ele a segurou pela mão. Feiluo disse, “Rápido”.

Feiluo os levou pra o interior do navio por meio de uma pequena passagem lateral. A-Ka olhou para o lado e viu que Heishi ainda estava sozinho sob os holofotes do cais.

“Vamos nos encontrar de novo?”, A-Ka perguntou de repente.

Heishi ergueu a cabeça e olhou para ele, antes de se virar e partir em silêncio.

Esse cara... o coração de A-Ka estava tomado por sentimentos confusos, mas ele não sabia o que devia dizer. Depois de um curto silêncio, ele retirou um chip do bolso da camiseta. Aquele era o chip que o velho prisioneiro lhe havia dado quando ele e Heishi fugiram da Cidade das Máquinas. O velho havia encarregado A-Ka de levar o chip ao acampamento rebelde e entregá-lo ao General Libre.

Mas a revolução havia falhado e A-Ka não fazia ideia a quem deveria entregar o objeto. Talvez o chip pudesse servir de lembrança para Heishi, ou talvez Heishi pudesse decodificar seu conteúdo e entregá-lo à pessoa certa.

“Me ajude a entregar isso pro Heishi”, disse A-Ka naturalmente, “Como uma lembrança”.

Feiluo o pegou, guardando-o com segurança.

A-Ka puxava a mão da criança enquanto eram levados para os níveis inferiores do navio. Aqui, estavam espremidos muitos humanos que haviam escapado. Depois que Feiluo lhes indicou um espaço atrás de uma pilha de caixas, eles ali se acomodaram. Com um joelho apoiado no chão, Feiluo disse a Percy: "Percy, o papai vai embora”.

“...”, os olhos de A-Ka estavam arregalados de espanto e ele não se atreveu a falar.

Ele estava realmente mandando o próprio filho para um orfanato?!

Percy estendeu os braços e abraçou o pescoço de Feiluo, certamente já com saudades. Depois de um longo tempo, Feiluo suspirou, afastando a mão de Percy e dizendo, “Escute e faça o que A-Ka-gege mandar. Quando tudo acabar, papai vai até a Cidade Fênix te encontrar”.

Depois de ouvir isso, A-Ka finalmente conseguiu relaxar um pouco. Ele perguntou para Feiluo, “Heishi também vai vir, certo?”.

Feiluo respondeu, “Ele vai. Que os bons ventos os levem”.

Feiluo deixou o porão do navio, seus passos gradualmente se distanciando. A grande embarcação, carregada de imigrantes humanos, já tinha partido deixando parta trás o Continente Central e seguindo em direção às ilhas desconhecidas.

Sob a luz da lua, A-Ka ainda estava preocupado com Heishi. Desde o dia em que se conheceram, era como se Heishi carregasse um segredo que ninguém conhecia. Do lado de fora, ouvia-se apenas o som das ondas batendo contra o casco do navio. O luar pacato e tranquilo se espalhava pelo mar infinito ao redor deles, brilhando sobre A-Ka e o solitário Percy. Todos ao redor deles já estavam profundamente adormecidos e foi nesse momento que Percy gentilmente envolveu a mão de A-Ka e a chacoalhou.

“Heishi é um grande amigo seu?”, Percy perguntou em voz baixa.

“Um companheiro de luta,” A-Ka explicou para Percy. “Nós lutamos juntos, ombro a ombro, e fugimos juntos da Cidade das Máquinas”.

Percy anuiu. Suas mãos alcançaram o interior da bolsa pendurada ao lado de seu corpo e A-Ka disse: "Deixa eu ajudar. O que tá procurando?”.

A-Ka ajudou Percy a vasculhar a grande bolsa. Ele encontrou uma pequena adaga, um pedaço de chocolate, um filtro de água portátil e um transmissor. Havia também uma foto de Percy e Feiluo: os dois, lado a lado, sob a luz do sol e uma paisagem desolada ao fundo.

✶✶✶

Notas de tradução:

[1] Jingchuan: um termo que se refere a um lago específico em Anhui, Lago Jing, mas como este é um mundo fictício, podemos supor que Feitian estava apenas dando nomes aos lugares, já que é uma cadeia de montanhas.

[2] Idades do Ouro, Prata, Bronze e Ferro: as Quatro Idades/Eras do Homem - Ovídio e Hesíodo descreveram este conceito em seus escritos, em que agruparam a história do homem em quatro idades básicas: a Idade do Ouro, em que a humanidade coexistiu pacífica e harmoniosamente entre si e a natureza; era primavera eterna e a terra rendeu os frutos por conta própria, basicamente a utopia ocidental clássica; a Idade da Prata, em que a primavera rompeu e tivemos as estações (além do inverno) e a agricultura; a Idade do Bronze, em que os humanos pegaram em armas e se voltaram uns contra os outros na guerra e, finalmente, a Idade do Ferro, onde tudo que poderia dar errado, deu. Basicamente um tempo de massacre e destruição em grande escala.

[3] Cidade Martha: provavelmente nomeada assim em homenagem a Martha Chase, uma geneticista estadunidense que trabalhou com Alfred Hershey para confirmar que o DNA, e não proteínas, era o material genético de todas as criaturas vivas. As proteínas apenas "expressam" o que o DNA codifica.

✶✶✶✶✶


[Anterior | Lista de capítulos | Próximo (em breve)]

 


LEIA MAIS

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

[Novel] Xingpan Chongqi - Capítulo 04



Tradução: Foxita.
Revisão colaborativa: Sr. Raposo.

✶✶✶✶✶

Capítulo 04 - A Batalha para Escapar

Depois de ingressar .

A-Ka foi levado para o interior de uma pequena aeronave militar, na qual havia um único clone como piloto.

“Achem um lugar e sentem! Apertem os cintos! Vou levá-los até a Nave-Mãe!” Gritou o piloto.

A-Ka se lembrou que o velho havia lhe dado algo para entregar ao General Libre, líder do exército dos clones, então rapidamente se sentou. Pelas janelas, ele podia ver o céu tomado pelo brilho das chamas; tropas mecânicas se reuniam como um enxame de vespas, obstruindo totalmente a visão.

A aeronave tremeu violentamente e Heishi segurou a alça do teto acima de si com firmeza enquanto o piloto gritava, "Cuidado com a cabeça!”

O caça deu uma guinada em pleno ar e virou perigosamente para um lado, deslizando por um espaço entre tentáculos de metal de duas naves gigantes em formato de água-viva. A-Ka perguntou, “Vocês podem vencer?”

“Não sabemos ao certo!” Gritou o piloto. “Eu não sei quem foi o filho da puta que vazou as informações, mas os planos da rebelião tiveram que ser antecipados!”

A-Ka sentiu uma pontada de medo no coração. O piloto prosseguiu, “Estamos indo para a região central do País das Máquinas[1]! Tomem cuidado!”

A-Ka falou, “Não vá! Você vai morrer!”

“A Nave-Mãe está lá!” Disse o piloto. “General Libre está na linha de frente! Não tem como voltar atrás!”

Um raio de luz brilhou à distância e iluminou o mundo todo, irradiando bolas de fogo que assobiavam ao passar. A luz ofuscante inundou o campo de batalha.

Naquele instante, todo barulho se distanciou e os arreadores ficaram totalmente tranquilos. Heishi parecia ter visto algo e lentamente se levantou, dirigindo-se à cabine de comando.

A-Ka o segurou, falando para que se sentasse, que era muito perigoso, mas suas palavras foram afogadas pelo silêncio etéreo. Ele percebeu que o som da explosão foi tão alto que deixou todos temporariamente surdos. Tão logo agarrou a mão de Heishi e entrelaçou seus dedos aos dele, ele sentiu que a luz parecia carregar uma onda de energia que os chamava fracamente.

O que era aquilo? Por um momento, A-Ka se esqueceu que estava em uma situação de perigo e olhou fixamente para a coisa dentro da luz branca.

Foi então que o pequeno caça saiu do círculo de luz. Quando o som voltou, A-Ka viu claramente o que estava ao seu redor; era uma visão de tirar o fôlego: a Nave-Mãe dos clones era tão grande quanto uma cidade e flutuava em pleno ar. Dela, saíam milhares de naves de combate, que avançavam como uma onda gigante em direção ao Computador Central.

O Computador Central, “Pai”, permanecia firme, como se segurasse o céu e sustentasse a terra. Ele emitia uma luz ofuscante e brilhante ao controlar as densas massas de robôs aéreos, bloqueando as investidas da Nave-Mãe. Nuvens negras turvavam o céu e se uniam, formando um redemoinho, enquanto o campo magnético parecia dividir o mundo em pequenos pedaços quebrados e fragmentados.

Esta era uma luta de deuses e, quando a contemplou, A-Ka não conseguiu evitar estremecer.

Naquele momento, a base defensiva de "Pai" mais uma vez disparou balas de canhão e uma perfurou a lateral da Nave-Mãe. Estilhaços e pedaços de aço explodiram, voando em todas as direções.

“Cuidado!” Heishi empurrou A-Ka para o chão.

Um estilhaço voou em alta velocidade na direção da cabine de comando e, com um estrondo, perfurou a cabeça do piloto. Sangue jorrou por toda parte. O caça balançou descontroladamente e rodopiou em direção ao chão. A-Ka deslizou para os fundos da cabine.

“Não se preocupe comigo! Assuma a direção!” gritou A-Ka.

Heishi entendeu e subiu no assento, impulsionando-se para frente. Ele arrastou o cadáver do piloto para fora do caminho e puxou o manche.

A-Ka, “Segure firme e puxe na sua direção!”

Heishi puxou o manche com força e A-Ka caiu novamente, desta vez perto da cabine de comando. Ele rapidamente assumiu a posição de copiloto e usou os polegares para ativar a metralhadora antiaérea. Balas de canhão laser dispararam do caça e pulverizaram os estilhaços que voavam na direção deles como meteoros.

Heishi, “O que eu faço agora?!”

A-Ka, “Você sabe pilotar uma nave?! Voe naquela direção!”

Heishi, “Eu não sei como!”

A-Ka, “Anda logo e segura o manche! Rápido! A gente vai morrer!”

Heishi gritou furioso, “Você é tão barulhento! Não podemos ir naquela direção, vamos ser pegos por uma explosão!”

A-Ka tinha apenas pensado na missão confiada pelo velho e se esquecido que tinham que sobreviver. Ele estava prestes a pensar no que fazer, mas a verdade é que o tempo estava acabando.

“Se apresse, rápido!” A-Ka falou decidido.

No entanto, outro grande estrondo capaz de fazer o céu tremer lançou o pequeno caça na direção do Computador Central. Do lado de fora da cabine de comando, veio o brilho da luz do fogo e, com aquela enorme explosão, A-Ka bateu a cabeça num painel. Sua cabeça doeu tanto que parecia prestes a rachar.

O som das explosões se agarrou aos seus ouvidos e A-Ka vagamente sentiu Heishi dando tapinhas em seu rosto.

“Acorde!” Heishi gritou ansioso.

A testa de A-Ka sangrava com o recente machucado. Ele ergueu a cabeça fracamente, logo ficando sem palavras: os dois estavam presos na beirada da cabine de comando e, sob seus pés, havia apenas o ar vazio e uma queda sem fim.

 

Não muito longe deles, a enorme Nave-Mãe estava sendo bombardeada sem parar, o escudo defensivo estremecia violentamente sob o fogo cruzado. A qualquer momento, eles e o restante dos combatentes seriam derrubados.

O pequeno caça estava preso à torre em um ângulo de quase 70° e poderia se desprender a qualquer momento.

A-Ka voltou a si e imediatamente acionou o motor de emergência, mas uma mensagem de erro se acendeu. Não havia energia suficiente.

“Abandonamos a nave?” Heishi berrou, se sobrepondo ao barulho capaz de perfurar os tímpanos.

“Sem chance!” Respondeu A-Ka. “Estamos no 600º andar da Torre Central! Antes mesmo de conseguir descer, nós vamos morrer!”

Frustrado e sem ter o que fazer, Heishi suspirou.

“E agora?” Gritou Heishi.

“Não tem mais energia!” A-Ka gritou de volta. “Precisamos achar um jeito de recarregar a fonte da nave!”

Como poderiam fazer isso? A-Ka olhou para o medidor, que apontava 12% de energia restante. Seu rosto estava tomado pela confusão; sua cabeça zunia. Heishi aos poucos se acalmou e perguntou para A-Ka, “Tem algum meio de transporte aqui perto?”

“Não...” A-Ka ergueu o olhar em direção ao céu, onde a luta entre a Nave-Mãe e o Computador Central entrava em seu momento mais caótico. Em um intervalo de tempo tão curto, inúmeros pensamentos atravessaram sua mente.

Um: abandonar a nave e fugir. Era perigoso demais. Voltar para a superfície faria com que fossem pegos no fogo cruzado. Se fugissem a pé, não conseguiriam correr rápido o suficiente e a qualquer momento poderiam ser feitos em pedacinhos por uma bomba.

Dois: encontrar um novo meio de transporte. Isso era logicamente impossível, pois, na Cidade das Máquinas, praticamente todas as aeronaves estavam sob controle do "Pai”.

“Aqui, há apenas o ‘Pai’", explicou A-Ka. “Não somos capazes de anular o controle que ele tem sobre os robôs aéreos...”

Heishi também ergueu a cabeça e observou o céu. Ao ver que havia incontáveis mechas[2] em formato humano voando por todos os lados, ele perguntou para A-Ka, “E aqueles?”

A-Ka respondeu, “São os trajes mechas usados pelos clones, mas não podemos usá-los.”

Heishi falou, "Talvez tenha algum quebrado...”

A-Ka, “É impossível consertar um agora! Temos que contar apenas com a sorte! Vamos achar um jeito de recarregar a energia da nave.”

Heishi pôde apenas acenar em concordância. A-Ka estava extremamente ansioso. Depois de pensar por um momento, ele de repente levantou a cabeça e olhou para o topo da alta torre do computador e teve uma ideia ousada.

Eles podiam usar a fonte de energia do "Pai”. Do lado externo, havia até mesmo plugues usados pelos robôs para se recarregarem... A-Ka de repente bolou um plano.

“Me segura,” falou A-Ka.

Heishi puxou a mão de A-Ka, que saiu da nave. Ele deu uma espiada para baixo e imediatamente sentiu a terra girar sob seus pés.

“Cuidado!” Avisou Heishi.

Ao fazer tais acrobacias em uma aeronave que estava perigosamente inclinada para um lado, A-Ka pensou consigo mesmo que devia ter ficado louco... Antes, ele nunca teria imaginado que algo assim pudesse acontecer. Sem dúvida, humanos em situação de vida ou morte eram capazes de fazer qualquer coisa.

Ele abriu a tampa do painel de carregamento, puxou o cabo elétrico e o amarrou em volta de sua cintura. Ele olhou ao redor procurando pela abertura mais próxima ao "Pai"; ela estava apenas dez metros acima.

No entanto, a torre do Computador Central tremia e sua parede externa era completamente plana, sem pontos de apoio. Como ele escalaria aquilo?

Heishi percebeu o que A-Ka estava tentando fazer e gritou, “Volte! Vou pensar num jeito!”

A-Ka respondeu, “Como? Todas as paredes são feitas de metal duro!”

Heishi puxou A-Ka de volta para a cabine e pegou o cabo, perguntando, “Como eu ligo isso?”

“É só prender a trava,” falou A-Ka.

Heishi olhou à sua volta e encontrou um êmbolo de borracha usado para limpar a tubulação interna do gerador e disse, “Vou usar isso.”

A-Ka, “...”

Aquilo era um desentupidor de privada.

A-Ka falou, “Isso... isso não vai funcionar, é muito perigoso.”

Heishi não respondeu. De repente ele, correu para frente e saltou em direção à plataforma alta. Com o desentupidor em mãos e com um "pop", ele se prendeu à lateral da torre do Computador Central. A-Ka ficou imediatamente boquiaberto. Sob seus pés, havia uma queda de mais de trezentos metros e o corpo de Heishi tremia com a força das explosões e dos abalos, enquanto o cabo permanecia enrolado em sua cintura.

A-Ka sequer se atrevia a respirar ao observar fixamente Heishi, que pressionava uma mão contra a parede e usava a fricção da palma para firmar seu corpo, ao passo que, com a outra mão, puxava o desentupidor e rapidamente o colocava em um ponto mais alto.

Isso ia funcionar! A-Ka assistia, chocado, a Heishi usar o desentupidor para escalar cada vez mais alto no corpo de “Pai”. Aquilo era igualmente aterrorizante e engraçado.

Heishi se aproximou da abertura e conectou o cabo ao plugue. No mesmo instante, a energia na cabine atingiu o máximo e todas as luzes se acenderam.

“Funcionou!” A-Ka gritou. “Volte, Heishi!”

Mas Heishi não se moveu nem um centímetro. Ele permaneceu na posição original e, por mais que A-Ka estivesse ansioso além da conta, sua voz foi abafada por uma série de explosões.

Merda! A-Ka virou a cabeça novamente e viu que a enorme Nave-Mãe que cobria o céu não aguentaria por muito mais tempo. Uma luz azul disparou da torre alta de “Pai” e atravessou a lateral da Nave-Mãe. Com a rajada de vento da explosão, Heishi se segurou à abertura oposta e continuou a olhar fixamente para o ponto de conexão do cabo.

Um brilho azul saía do ponto em que o cabo se conectava e uma voz fraca ecoou na mente de Heishi. Era a voz de um homem, muito vaga e imprecisa para se compreender.

A energia da nave já tinha sido recarregada e A-Ka gritava ansiosamente para ele, mas Heishi ainda estava mergulhado naquele transe. A-Ka estava prestes a entrar em desespero.

Muito acima de suas cabeças, veio o som de uma sequência de explosões da Nave-Mãe, espalhando destroços para todos os lados. A-Ka respirou apressadamente em pânico e, bem quando uma explosão estava prestes a engolfar Heishi, um robô surrado disparou para fora das chamas. A-Ka arregalou os olhos e ficou sem palavras. Ele não podia acreditar no que estava vendo.

Aquele robô quebrado era K!

Como K foi parar ali? Aquele era seu robô!

K disparou para fora da luz do fogo e pousou na parede externa de "Pai”, estendendo a mão para agarrar Heishi, que imediatamente despertou. Com o rosto tomado pela surpresa, Heishi foi pego por um dos braços de K e os dois então voaram em direção ao caça.

No momento seguinte, antes que A-Ka pudesse processar todos os acontecimentos irreais daquele curto espaço de tempo, Heishi foi lançado na cabine por K.

“Vão! Rápido,” falou K.

O robô se virou e chutou a pequena nave, quase a soltando. O couro cabeludo de A-Ka formigou. Ele não conseguia acreditar que K estava bem à sua frente, vivo.

“Você... K, como você...”

“Vão!” A voz que veio de K estava ansiosa. Com outro chute sólido, K ajudou a nave a finalmente se soltar. Logo em seguida, ele se virou e voou em direção à Nave-Mãe.

Quando a nave estava prestes a cair, A-Ka virou o corpo e puxou o manche. Nesse momento, com outra explosão que abalou o céu, a Nave-Mãe rompeu a camada defensiva do Computador Central e colidiu com a torre de "Pai”. A luz azul penetrante imediatamente se espalhou como um tsunami e derrubou todos os robôs que voavam pelo céu.

Esse tsunami de energia irradiou como uma reação em cadeia, primeiro enviando a Nave-Mãe dilapidada pelos ares e depois partindo em dois o chão País de Aço afora. As rachaduras se alargaram com o som das explosões.

A-Ka nunca imaginou que presenciaria esse momento histórico; a primeira vez que a maré se voltava contra o poder dos robôs em três mil anos. Seu único pensamento era: eles já tinham chegado até ali, então, independentemente do que acontecesse, tinham que continuar vivos.

Todos os sistemas de localização falhavam e ele não sabia dizer onde era o céu e onde era a terra[3]. Ele podia apenas depender de seus próprios instintos e depositar sua confiança em Heishi.

A enorme onda de energia primeiro jogou o caça para trás, como se fosse um pequeno grão  em uma tempestade de areia, sendo levado para um lugar distante.

Finalmente, toda a luz azul desapareceu. À frente deles, estava apenas o chão que girava sem parar.

A nave carregou rastros de fumaça atrás de si ao avançar em direção a uma planície desolada. Sua lateral inicialmente colidiu com uma montanha e, com uma série de choques violentos, despencou de um penhasco, afundando em um grande rio.

Com um estrondo, a água imediatamente invadiu o interior da nave. A-Ka se levantou atordoado, agarrou a mão de Heishi e apertou o botão para abrir a porta e chegar à cápsula de fuga, mas a porta estava emperrada.

“Heishi!” A-Ka gritou.

Heishi estava inconsciente.

“Merda!” A-Ka chutou a porta algumas vezes, mas a vazão da água apenas aumentava.  Ele colocou Heishi nas costas, procurando por uma saída. Heishi era pesado demais; tão denso quanto uma peça de aço. Os dois estavam presos no caça e o nível da água subia cada vez mais. Ao ser atingido pela água, Heishi subitamente abriu os olhos. Ele abraçou A-Ka pela cintura e ergueu o pé, desferindo um chute. Com um forte estrondo e um baque surdo, uma placa de metal voou sobre a água.

Os dois se apressaram em direção à superfície, sendo jogados de um lado para outro, a ponto de perderam completamente o senso de direção. Finalmente, e com grande dificuldade, eles rastejarem até a costa.

Coberto de lama, A-Ka tossiu um tanto de água. Quando seu olhar cruzou com o de Heishi, eles não conseguiram resistir e começaram a rir alto.

“Hahaha...” A-Ka não sabia o motivo, mas riu até ficar totalmente sem ar. Heishi também não conseguiu evitar um sorriso e enxugou a água do rosto, sentando-se em uma pedra.

Aquela era uma planície desolada, mas eles ainda estavam dentro das fronteiras do País de Aço. A-Ka observou a posição do sol e se orientou.

Os dois estavam em um terreno elevado e observavam a estrada ao longe. Ao leste das planícies, nuvens de fumaça densa erguiam-se do ponto em que "Pai" e a Nave-Mãe dos clones haviam travado seu confronto final. O embate foi capaz de distorcer momentaneamente o tempo e o espaço e os jogou a cerca de quatrocentos quilômetros da Cidade das Máquinas. Juntamente com eles, o confronto fez com que algumas armas dos robôs voassem como meteoros, incrustando-se na terra rochosa.

A-Ka vasculhou os destroços dos robôs em busca de restos úteis. Após derretê-los com uma fornalha movida a reator nuclear[4], ele os transformou em uma nova pequena chave inglesa.

A-Ka ainda pensava em K. Ele tinha tantas perguntas que seu cérebro parecia prestes a explodir.

Por que K estava lá?

Havia alguém dentro de K!

A-Ka voltou a si, lembrando-se das poucas palavras trocadas com o robô. Definitivamente havia uma pessoa o pilotando. Mas por que essa pessoa os conheceria? Ou será que, por causa da batalha, alguém acidentalmente se deparou com K naquela caverna, entrou nele e o direcionou à luta, inadvertidamente salvando ele e Heishi?

Não importa o quanto A-Ka pensasse sobre o assunto, ele era incapaz de compreender, então podia apenas deixá-lo de lado por ora. Antes, seu único desejo era encontrar um motor de fusão para K. Agora, quando havia motores de fusão espalhados por toda parte, ele não precisava mais de um.

“Vou indo,” Heishi falou de repente.

“Pra onde você vai?” perguntou A-Ka. Ele previu que as próximas palavras seriam algo como "não é da sua conta" de novo, e ele acabaria apenas explodindo de raiva uma vez mais. Ele nunca deveria tê-lo salvado em primeiro lugar.

“Eu te resgatei do mar!” Falou A-Ka. “E depois eu te salvei de novo na área de habitação! Você não pode ser um pouco mais legal comigo?!”

“Eu também te salvei várias vezes. Agora estamos quites!” Falou Heishi.

A-Ka disse, “Quando? Se eu não tivesse te tirado da...”

Heishi e A-Ka se encararam de lados opostos. A-Ka então percebeu que não havia sentido em discutir. Há pouco, na jornada até ali, se Heishi não estivesse com ele, A-Ka nunca teria sobrevivido sozinho. Mas, sem A-Ka, Heishi não teria sido capaz de encontrar a saída.

“Esquece, não vamos falar nisso,” falou A-Ka desamparado. “Aonde você vai?”

“Eu tenho uma missão,” Heishi respondeu calmamente.

O coração de A-Ka saltou e ele perguntou, “Que missão? Você se lembrou de quem é?”

Hesitante, Heishi olhou para longe e chacoalhou levemente a cabeça. A-Ka perguntou, “Do que você se lembrou?”

Heishi disse, “Nada, só sei que tenho uma missão.”

A-Ka disse, “É isso? Se você não sabe qual a missão, então pra onde vai?”

Heishi parecia um pouco irritado. A-Ka se aproximou para lhe dar um tapinha no ombro, mas ele se virou de lado e desviou.

A-Ka estava cansado demais para continuar falando com aquele lunático. Ele pulou das rochas e vasculhou os restos de robôs caídos nas planícies. Depois de um tempo, ele viu que Heishi também havia descido e vagava sem rumo pela planície desolada.

“Você não conhece nada deste mundo e não tem um destino em mente, então não saia andando por aí! Você vai se ferrar se acabar se perdendo!” A-Ka gritou.

Heishi apanhou uma pedra, suspendeu-a na mão e a arremessou longe, soltando um rugido furioso e indignado.

A-Ka vagamente entendia as emoções de Heishi.

Uma pessoa, sem passado e sem futuro, que não sabia o próprio nome. Esse tipo de confusão e frustração eram como um demônio habitando as profundezas do coração, fazendo com que a pessoa se sentisse extremamente amargurada.

“Ei, cara[5],” A-Ka se aproximou e disse, “não fique assim.”

Os músculos do corpo de Heishi estavam todos tensos, mas depois de ouvir a voz de A-Ka, eles relaxaram lentamente. Ele lhe lançou um olhar frio.

“Pra onde você pretende ir?” Heishi perguntou.

“Não sei,” A-Ka sorriu. “Pelo menos nós escapamos, não é? O mundo é tão grande; sempre vai ter algum lugar pra ir. Além disso, você ainda me deve duas vidas, então por que não viajamos juntos?”

Heishi falou friamente, “Não devo minha vida a ninguém.”

A-Ka insistiu. “Eu te salvei duas vezes.”

Inesperadamente, Heishi estendeu o braço e cobriu a cabeça de A-Ka com a palma da mão.

A-Ka, “?”

Heishi falou suavemente, “Uma vez.”

A-Ka, “...”

Heishi afastou a mão e então a estendeu sobre a cabeça de A-Ka novamente.

“Duas vezes. Agora eu te salvei duas vezes.”

Heishi se afastou e A-Ka falou frenético, “O que isso quer dizer?!”

De longe, Heishi virou a cabeça e olhou para trás. “Agora mesmo eu podia ter te matado!”

A-Ka estava completamente sem palavras.

Três horas depois, A-Ka havia arduamente desmontado um mecha. Heishi ainda estava por perto, vagando sem rumo. Ele não se aproximou para ajudar, mas também não se afastou. A-Ka gritou, “Você pode vir aqui me ajudar?!”

Heishi falou, “Diga ‘por favor’.”

A-Ka falou cansado, “Por favor.”

Heishi casualmente puxou o mecha e arrancou seu braço inteiro, jogando-o no chão. A-Ka mediu o outro, pensando consigo mesmo, Ele é tão forte. No entanto, ele não era um clone, e também não era um robô... o sangue dos clones não era vermelho e os robôs sequer sangravam.

Desta vez, Heishi não saiu andando por aí. Ele ficou de lado, observando A-Ka desmontar as peças sobressalentes. Heshi não fez nenhuma pergunta, nem falou nada até o momento em que A-Ka montou uma arma laser e lhe entregou dizendo: "Fique com isso para se proteger.”

Heishi olhou cautelosamente para a arma por um tempo antes de aceitá-la. Ele imitou os clones e a prendeu contra sua cintura.

“Depois de sairmos daqui, vamos ter que passar pelo campo de ação da Cidade de Aço, rumo ao oeste,” A-Ka falou para Heishi. “Vamos sobreviver se formos para o Novo Continente.”

“Quando partimos?” Heishi perguntou um pouco ansioso.

A-Ka explicou pacientemente, “Precisamos nos preparar bem, ou morreremos no caminho.”

Heishi falou, “Você vai morrer. Eu não.”

A-Ka respondeu de forma maldosa, “Já que você não vai morrer, então vá sozinho.”

Heishi fungou de maneira arrogante e perguntou do nada, “Eles morreram?”

“Quem?” A-Ka logo percebeu a situação atual da Cidade das Máquinas. A condição de "Pai" não era algo que ele pudesse facilmente identificar, mas pelo que haviam lhe ensinado desde criança, "Pai" era todo poderoso. A Torre de Computador que se erguia do chão era apenas uma parte de “Pai”; o corpo mecânico ainda mais colossal estava enterrado sob a terra.

A-Ka não podia afirmar com certeza, então ele só pôde explicar vagamente para Heishi. Ele também se lembrou do chip que aquele velho professor havia lhe dado e o puxou, estudando-o cuidadosamente por um tempo. Obviamente nenhum dos dois conseguia ver nada de especial nele. Heishi não tinha absolutamente nenhum interesse no chip, então A-Ka apenas o guardou com cuidado.

Conforme a noite caiu sobre eles, os dois se abrigaram sob os destroços de um robô e ligaram o forno atômico, aproximando-se dele para se aquecerem. Heishi voltou para a margem do rio e usou a arma laser para matar alguns peixes de formato estranho. Os peixes tinham crescido nas águas contaminadas pelos rejeitos das fábricas, então seus corpos estavam cheios de metais pesados. A-Ka só comeu um pouco e também não deixou Heishi comer muito para evitar que acabassem com uma intoxicação alimentar. Depois, eles se enfiaram sob um casco de um robô quebrado para dormir.

Durante a noite, começou a nevar fortemente nas planícies e o vento norte soprou sobre o deserto. A-Ka tremia de frio e não tinha ideia para onde Heishi tinha ido. Ele se encolheu um pouco mais na casca robótica, tentando ao máximo se esconder em um local protegido do vento. Ele estava com tanto frio que não conseguia mais aguentar, parecia que seria transformado num cubo de gelo.

Quando A-Ka estava prestes a alucinar de tanto frio, um corpo quente entrou e encostou as costas nele.

“Onde você foi...?” A-Ka perguntou fracamente.

“Não é da sua conta,” Heishi respondeu com uma voz indiferente. A-Ka estava com tanto frio que seus dentes tiritavam. Era insuportável. Ele então se aconchegou nos braços de Heishi. Ele sentiu como se o peito de Heishi fosse um forno nuclear quente. Depois de um bom tempo, ele lentamente começou a se esquentar e adormeceu tranquilamente.

No dia seguinte, A-Ka foi acordado pelo frio e, quando o sol estava bem no meio do céu, Heishi voltou.

A-Ka tremeu ao deixar a pilha de destroços para trás e descobriu que Heishi arrastava o cadáver de um clone pela perna. Ele o levou até o acampamento e o jogou na frente de A-Ka.

Heishi, “Coma.”

A-Ka, “Não brinque com isso! Com poderíamos comer pessoas?”

Heishi, “Ele não é da mesma espécie que você.”

A-Ka sabia que, comparados aos humanos, os clones eram, basicamente, apenas uma combinação de proteínas. Ainda mais um clone morto. No entanto, olhando para o rosto azulado e congelado do clone, ele realmente era incapaz de comer uma criatura tão semelhante a humanos em forma e aparência.

“Eu... eu não vou comer,” disse A-Ka.

“Então eu como sozinho,” falou Heishi.

A-Ka gritou, “Se você comer esse clone, nunca mais fale comigo!”

Heishi falou, “Por que você é tão problemático?”

A-Ka bufou. “Seja como for, você não pode comer clones.”

A-Ka sequer podia cogitar a ideia de assistir Heishi serrar uma perna “humana”, assá-la e comê-la. Heishi hesitou por um momento e finalmente largou o corpo do clone, saindo à procura de outra coisa para comer.

Eles não foram os únicos a serem varridos para as planícies, mas infelizmente, todas as coisas vivas, todos os clones dentro dos mechas, haviam morrido. Heishi arrancou um braço de um mecha e o girou experimentalmente, mas era extenuante demais fazê-lo.

A-Ka falou, “Não traga muita coisa. Você gosta de armas pesadas?”

Heishi ficou em silêncio.

A-Ka não sabia se ria ou se chorava enquanto o ajudava a descascar uma longa tira de metal e soldá-la num cabo. Heishi a testou e o vento o rodeou quando ela a brandiu. Ele então a jogou em suas costas, como se fosse uma espada de lâmina larga.

“Vamos,” A-Ka organizou sua própria mochila montada às pressas. Dentro dela, havia uma bússola, um kit de primeiros socorros que os clones carregavam, algumas injeções de estimulantes, um forno portátil de energia atômica, uma chave inglesa, uma variedade de chaves de fenda e outras ferramentas, além de um gerador de campo magnético.

"Por que você trouxe essas coisas?” Perguntou Heishi indiferente. “Você nem mesmo consegue carregá-las.”

A-Ka trazia tantas coisas que era realmente um pouco cansativo, mas ele persistiu. “As ferramentas de um mecânico são como a arma de um soldado. Serão úteis no futuro.”

A espessa camada de neve que cobria as planícies era tão branca que machucava os olhos. Heishi colocou um par de óculos de sol que havia pegado do corpo de um clone. Assim, ele e A-Ka saíram para um novo e desconhecido mundo.

✶✶✶

Notas de tradução:

[1] País das Máquinas: aparentemente o autor usa diversos termos para se referir ao “País de Aço.” Dá a impressão que o país é a área maior dentro da qual fica a “Cidade de Aço”/“Cidade das Máquinas,” mas às vezes todas essas expressões são usadas como equivalentes. Em resumo, referem-se a uma grande localidade que provavelmente ocupa o leste da China inteiro e é dominada pelas formas de vida de aço/robôs.

[2] Mecha ou meca: robô gigante controlado ou não por um piloto ou controlador, comuns em algumas obras de ficção científica, mangá e anime. Um mecha geralmente é uma máquina de guerra ou combate com pernas, cujos principais oponentes são monstros gigantes ou outros mecas.

[3] Não sabia onde era o céu e a terra: é apenas uma figura de linguagem para dizer que ele estava desnorteado. Naquele momento ele ainda sabia dizer onde estavam o céu e a terra.

[4] Fornalha movida a reator nuclear: eu li e reli essa passagem estranhando muito esse objeto no meio de uma planície deserta. Ele aparece novamente neste capítulo. Acredito que estivesse entre as coisas que foram varridas pela explosão da luta entre “Pai” e a Nave-Mãe. Trata-se de um objeto pequeno e portátil, provavelmente parecido com este da foto.


[5] “Cara”, em chinês laoxiong (老兄): forma de tratamento usado entre amigos do gênero masculino. Traduz-se em inglês para "buddy.” Em português: irmão; cara; velho amigo; companheiro; parceiro e até mesmo irmão mais velho.

✶✶✶✶✶

 


[Anterior | Lista de capítulos | Próximo (em breve)]
LEIA MAIS