Capítulo 04 - A Batalha para Escapar
A-Ka foi levado
para o interior de uma pequena aeronave militar, na qual havia um único clone
como piloto.
“Achem um
lugar e sentem! Apertem os cintos! Vou levá-los até a Nave-Mãe!” Gritou o
piloto.
A-Ka se lembrou
que o velho havia lhe dado algo para entregar ao General Libre, líder do
exército dos clones, então rapidamente se sentou. Pelas janelas, ele podia ver
o céu tomado pelo brilho das chamas; tropas mecânicas se reuniam como um enxame
de vespas, obstruindo totalmente a visão.
A aeronave
tremeu violentamente e Heishi segurou a alça do teto acima de si com firmeza
enquanto o piloto gritava, "Cuidado com a cabeça!”
O caça deu
uma guinada em pleno ar e virou perigosamente para um lado, deslizando por um espaço
entre tentáculos de metal de duas naves gigantes em formato de água-viva. A-Ka
perguntou, “Vocês podem vencer?”
“Não
sabemos ao certo!” Gritou o piloto. “Eu não sei quem foi o filho da puta que
vazou as informações, mas os planos da rebelião tiveram que ser antecipados!”
A-Ka
sentiu uma pontada de medo no coração. O piloto prosseguiu, “Estamos indo para
a região central do País das Máquinas[1]! Tomem cuidado!”
A-Ka
falou, “Não vá! Você vai morrer!”
“A Nave-Mãe
está lá!” Disse o piloto. “General Libre está na linha de frente! Não tem como
voltar atrás!”
Um raio de
luz brilhou à distância e iluminou o mundo todo, irradiando bolas de fogo que
assobiavam ao passar. A luz ofuscante inundou o campo de batalha.
Naquele
instante, todo barulho se distanciou e os arreadores ficaram totalmente tranquilos.
Heishi parecia ter visto algo e lentamente se levantou, dirigindo-se à cabine
de comando.
A-Ka o
segurou, falando para que se sentasse, que era muito perigoso, mas suas
palavras foram afogadas pelo silêncio etéreo. Ele percebeu que o som da
explosão foi tão alto que deixou todos temporariamente surdos. Tão logo agarrou
a mão de Heishi e entrelaçou seus dedos aos dele, ele sentiu que a luz parecia
carregar uma onda de energia que os chamava fracamente.
O que era
aquilo? Por um momento, A-Ka se esqueceu que estava em uma situação de perigo e
olhou fixamente para a coisa dentro da luz branca.
Foi então
que o pequeno caça saiu do círculo de luz. Quando o som voltou, A-Ka viu
claramente o que estava ao seu redor; era uma visão de tirar o fôlego: a Nave-Mãe
dos clones era tão grande quanto uma cidade e flutuava em pleno ar. Dela, saíam
milhares de naves de combate, que avançavam como uma onda gigante em direção ao
Computador Central.
O
Computador Central, “Pai”, permanecia firme, como se segurasse o céu e sustentasse
a terra. Ele emitia uma luz ofuscante e brilhante ao controlar as densas massas
de robôs aéreos, bloqueando as investidas da Nave-Mãe. Nuvens negras turvavam o
céu e se uniam, formando um redemoinho, enquanto o campo magnético parecia dividir
o mundo em pequenos pedaços quebrados e fragmentados.
Esta era
uma luta de deuses e, quando a contemplou, A-Ka não conseguiu evitar
estremecer.
Naquele
momento, a base defensiva de "Pai" mais uma vez disparou balas de
canhão e uma perfurou a lateral da Nave-Mãe. Estilhaços e pedaços de aço
explodiram, voando em todas as direções.
“Cuidado!”
Heishi empurrou A-Ka para o chão.
Um
estilhaço voou em alta velocidade na direção da cabine de comando e, com um estrondo,
perfurou a cabeça do piloto. Sangue jorrou por toda parte. O caça balançou
descontroladamente e rodopiou em direção ao chão. A-Ka deslizou para os fundos da
cabine.
“Não se
preocupe comigo! Assuma a direção!” gritou A-Ka.
Heishi
entendeu e subiu no assento, impulsionando-se para frente. Ele arrastou o
cadáver do piloto para fora do caminho e puxou o manche.
A-Ka,
“Segure firme e puxe na sua direção!”
Heishi
puxou o manche com força e A-Ka caiu novamente, desta vez perto da
cabine de comando. Ele rapidamente assumiu a posição de copiloto e usou os
polegares para ativar a metralhadora antiaérea. Balas de canhão laser
dispararam do caça e pulverizaram os estilhaços que voavam na direção deles
como meteoros.
Heishi, “O
que eu faço agora?!”
A-Ka,
“Você sabe pilotar uma nave?! Voe naquela direção!”
Heishi,
“Eu não sei como!”
A-Ka,
“Anda logo e segura o manche! Rápido! A gente vai morrer!”
Heishi
gritou furioso, “Você é tão barulhento! Não podemos ir naquela direção, vamos
ser pegos por uma explosão!”
A-Ka tinha
apenas pensado na missão confiada pelo velho e se esquecido que tinham que
sobreviver. Ele estava prestes a pensar no que fazer, mas a verdade é que o
tempo estava acabando.
“Se
apresse, rápido!” A-Ka falou decidido.
No
entanto, outro grande estrondo capaz de fazer o céu tremer lançou o pequeno
caça na direção do Computador Central. Do lado de fora da cabine de comando,
veio o brilho da luz do fogo e, com aquela enorme explosão, A-Ka bateu a cabeça
num painel. Sua cabeça doeu tanto que parecia prestes a rachar.
O som das
explosões se agarrou aos seus ouvidos e A-Ka vagamente sentiu Heishi dando
tapinhas em seu rosto.
“Acorde!”
Heishi gritou ansioso.
A testa de
A-Ka sangrava com o recente machucado. Ele ergueu a cabeça fracamente, logo ficando
sem palavras: os dois estavam presos na beirada da cabine de comando e, sob
seus pés, havia apenas o ar vazio e uma queda sem fim.
Não muito
longe deles, a enorme Nave-Mãe estava sendo bombardeada sem parar, o escudo
defensivo estremecia violentamente sob o fogo cruzado. A qualquer momento, eles
e o restante dos combatentes seriam derrubados.
O pequeno
caça estava preso à torre em um ângulo de quase 70° e poderia se desprender a qualquer
momento.
A-Ka
voltou a si e imediatamente acionou o motor de emergência, mas uma mensagem de
erro se acendeu. Não havia energia suficiente.
“Abandonamos
a nave?” Heishi berrou, se sobrepondo ao barulho capaz de perfurar os tímpanos.
“Sem
chance!” Respondeu A-Ka. “Estamos no 600º andar da Torre Central! Antes mesmo
de conseguir descer, nós vamos morrer!”
Frustrado
e sem ter o que fazer, Heishi suspirou.
“E agora?”
Gritou Heishi.
“Não tem
mais energia!” A-Ka gritou de volta. “Precisamos achar um jeito de recarregar a
fonte da nave!”
Como
poderiam fazer isso? A-Ka olhou para o medidor, que apontava 12% de energia
restante. Seu rosto estava tomado pela confusão; sua cabeça zunia. Heishi aos
poucos se acalmou e perguntou para A-Ka, “Tem algum meio de transporte aqui
perto?”
“Não...”
A-Ka ergueu o olhar em direção ao céu, onde a luta entre a Nave-Mãe e o
Computador Central entrava em seu momento mais caótico. Em um intervalo de
tempo tão curto, inúmeros pensamentos atravessaram sua mente.
Um:
abandonar a nave e fugir. Era perigoso demais. Voltar para a superfície faria
com que fossem pegos no fogo cruzado. Se fugissem a pé, não conseguiriam correr
rápido o suficiente e a qualquer momento poderiam ser feitos em pedacinhos por
uma bomba.
Dois:
encontrar um novo meio de transporte. Isso era logicamente impossível, pois, na
Cidade das Máquinas, praticamente todas as aeronaves estavam sob controle do
"Pai”.
“Aqui, há
apenas o ‘Pai’", explicou A-Ka. “Não somos capazes de anular o controle
que ele tem sobre os robôs aéreos...”
Heishi
também ergueu a cabeça e observou o céu. Ao ver que havia incontáveis mechas[2]
em formato humano voando por todos os lados, ele perguntou para A-Ka, “E
aqueles?”
A-Ka
respondeu, “São os trajes mechas usados pelos clones, mas não podemos usá-los.”
Heishi
falou, "Talvez tenha algum quebrado...”
A-Ka, “É
impossível consertar um agora! Temos que contar apenas com a sorte! Vamos achar
um jeito de recarregar a energia da nave.”
Heishi
pôde apenas acenar em concordância. A-Ka estava extremamente ansioso. Depois de
pensar por um momento, ele de repente levantou a cabeça e olhou para o topo da
alta torre do computador e teve uma ideia ousada.
Eles
podiam usar a fonte de energia do "Pai”. Do lado externo, havia até mesmo
plugues usados pelos robôs para se recarregarem... A-Ka de repente bolou um
plano.
“Me segura,”
falou A-Ka.
Heishi
puxou a mão de A-Ka, que saiu da nave. Ele deu uma espiada para baixo e
imediatamente sentiu a terra girar sob seus pés.
“Cuidado!”
Avisou Heishi.
Ao fazer
tais acrobacias em uma aeronave que estava perigosamente inclinada para um
lado, A-Ka pensou consigo mesmo que devia ter ficado louco... Antes, ele nunca
teria imaginado que algo assim pudesse acontecer. Sem dúvida, humanos em
situação de vida ou morte eram capazes de fazer qualquer coisa.
Ele abriu
a tampa do painel de carregamento, puxou o cabo elétrico e o amarrou em volta
de sua cintura. Ele olhou ao redor procurando pela abertura mais próxima ao
"Pai"; ela estava apenas dez metros acima.
No
entanto, a torre do Computador Central tremia e sua parede externa era
completamente plana, sem pontos de apoio. Como ele escalaria aquilo?
Heishi
percebeu o que A-Ka estava tentando fazer e gritou, “Volte! Vou pensar num
jeito!”
A-Ka
respondeu, “Como? Todas as paredes são feitas de metal duro!”
Heishi
puxou A-Ka de volta para a cabine e pegou o cabo, perguntando, “Como eu ligo
isso?”
“É só
prender a trava,” falou A-Ka.
Heishi
olhou à sua volta e encontrou um êmbolo de borracha usado para limpar a
tubulação interna do gerador e disse, “Vou usar isso.”
A-Ka, “...”
Aquilo era
um desentupidor de privada.
A-Ka
falou, “Isso... isso não vai funcionar, é muito perigoso.”
Heishi não
respondeu. De repente ele, correu para frente e saltou em direção à plataforma
alta. Com o desentupidor em mãos e com um "pop", ele se prendeu à
lateral da torre do Computador Central. A-Ka ficou imediatamente boquiaberto.
Sob seus pés, havia uma queda de mais de trezentos metros e o corpo de Heishi
tremia com a força das explosões e dos abalos, enquanto o cabo permanecia
enrolado em sua cintura.
A-Ka
sequer se atrevia a respirar ao observar fixamente Heishi, que pressionava uma
mão contra a parede e usava a fricção da palma para firmar seu corpo, ao passo
que, com a outra mão, puxava o desentupidor e rapidamente o colocava em um
ponto mais alto.
Isso ia
funcionar! A-Ka assistia, chocado, a Heishi usar o desentupidor para escalar
cada vez mais alto no corpo de “Pai”. Aquilo era igualmente aterrorizante e
engraçado.
Heishi se
aproximou da abertura e conectou o cabo ao plugue. No mesmo instante, a energia
na cabine atingiu o máximo e todas as luzes se acenderam.
“Funcionou!”
A-Ka gritou. “Volte, Heishi!”
Mas Heishi
não se moveu nem um centímetro. Ele permaneceu na posição original e, por mais
que A-Ka estivesse ansioso além da conta, sua voz foi abafada por uma série de
explosões.
Merda! A-Ka virou a cabeça novamente e viu que a enorme Nave-Mãe
que cobria o céu não aguentaria por muito mais tempo. Uma luz azul disparou da
torre alta de “Pai” e atravessou a lateral da Nave-Mãe. Com a rajada de vento
da explosão, Heishi se segurou à abertura oposta e continuou a olhar fixamente
para o ponto de conexão do cabo.
Um brilho
azul saía do ponto em que o cabo se conectava e uma voz fraca ecoou na mente de
Heishi. Era a voz de um homem, muito vaga e imprecisa para se compreender.
A energia
da nave já tinha sido recarregada e A-Ka gritava ansiosamente para ele, mas
Heishi ainda estava mergulhado naquele transe. A-Ka estava prestes a entrar em
desespero.
Muito
acima de suas cabeças, veio o som de uma sequência de explosões da Nave-Mãe,
espalhando destroços para todos os lados. A-Ka respirou apressadamente em
pânico e, bem quando uma explosão estava prestes a engolfar Heishi, um robô
surrado disparou para fora das chamas. A-Ka arregalou os olhos e ficou sem
palavras. Ele não podia acreditar no que estava vendo.
Aquele
robô quebrado era K!
Como K foi
parar ali? Aquele era seu robô!
K disparou
para fora da luz do fogo e pousou na parede externa de "Pai”, estendendo a
mão para agarrar Heishi, que imediatamente despertou. Com o rosto tomado pela
surpresa, Heishi foi pego por um dos braços de K e os dois então voaram em
direção ao caça.
No momento
seguinte, antes que A-Ka pudesse processar todos os acontecimentos irreais daquele
curto espaço de tempo, Heishi foi lançado na cabine por K.
“Vão! Rápido,”
falou K.
O robô se
virou e chutou a pequena nave, quase a soltando. O couro cabeludo de A-Ka
formigou. Ele não conseguia acreditar que K estava bem à sua frente, vivo.
“Você...
K, como você...”
“Vão!” A
voz que veio de K estava ansiosa. Com outro chute sólido, K ajudou a nave a
finalmente se soltar. Logo em seguida, ele se virou e voou em direção à Nave-Mãe.
Quando a
nave estava prestes a cair, A-Ka virou o corpo e puxou o manche. Nesse momento,
com outra explosão que abalou o céu, a Nave-Mãe rompeu a camada defensiva do
Computador Central e colidiu com a torre de "Pai”. A luz azul penetrante
imediatamente se espalhou como um tsunami e derrubou todos os robôs que voavam
pelo céu.
Esse
tsunami de energia irradiou como uma reação em cadeia, primeiro enviando a Nave-Mãe
dilapidada pelos ares e depois partindo em dois o chão País de Aço afora. As
rachaduras se alargaram com o som das explosões.
A-Ka nunca
imaginou que presenciaria esse momento histórico; a primeira vez que a maré se
voltava contra o poder dos robôs em três mil anos. Seu único pensamento era:
eles já tinham chegado até ali, então, independentemente do que acontecesse,
tinham que continuar vivos.
Todos os
sistemas de localização falhavam e ele não sabia dizer onde era o céu e onde
era a terra[3]. Ele podia apenas depender de seus próprios instintos
e depositar sua confiança em Heishi.
A enorme
onda de energia primeiro jogou o caça para trás, como se fosse um pequeno grão em uma tempestade de areia, sendo levado para
um lugar distante.
Finalmente,
toda a luz azul desapareceu. À frente deles, estava apenas o chão que girava sem
parar.
A nave carregou
rastros de fumaça atrás de si ao avançar em direção a uma planície desolada.
Sua lateral inicialmente colidiu com uma montanha e, com uma série de choques
violentos, despencou de um penhasco, afundando em um grande rio.
Com um
estrondo, a água imediatamente invadiu o interior da nave. A-Ka se levantou
atordoado, agarrou a mão de Heishi e apertou o botão para abrir a porta e
chegar à cápsula de fuga, mas a porta estava emperrada.
“Heishi!”
A-Ka gritou.
Heishi
estava inconsciente.
“Merda!”
A-Ka chutou a porta algumas vezes, mas a vazão da água apenas aumentava. Ele colocou Heishi nas costas, procurando por
uma saída. Heishi era pesado demais; tão denso quanto uma peça de aço. Os dois
estavam presos no caça e o nível da água subia cada vez mais. Ao ser atingido
pela água, Heishi subitamente abriu os olhos. Ele abraçou A-Ka pela cintura e
ergueu o pé, desferindo um chute. Com um forte estrondo e um baque surdo, uma
placa de metal voou sobre a água.
Os dois se
apressaram em direção à superfície, sendo jogados de um lado para outro, a
ponto de perderam completamente o senso de direção. Finalmente, e com grande
dificuldade, eles rastejarem até a costa.
Coberto de
lama, A-Ka tossiu um tanto de água. Quando seu olhar cruzou com o de Heishi,
eles não conseguiram resistir e começaram a rir alto.
“Hahaha...”
A-Ka não sabia o motivo, mas riu até ficar totalmente sem ar. Heishi também não
conseguiu evitar um sorriso e enxugou a água do rosto, sentando-se em uma
pedra.
Aquela era
uma planície desolada, mas eles ainda estavam dentro das fronteiras do País de
Aço. A-Ka observou a posição do sol e se orientou.
Os dois
estavam em um terreno elevado e observavam a estrada ao longe. Ao leste das
planícies, nuvens de fumaça densa erguiam-se do ponto em que "Pai" e
a Nave-Mãe dos clones haviam travado seu confronto final. O embate foi capaz de
distorcer momentaneamente o tempo e o espaço e os jogou a cerca de quatrocentos
quilômetros da Cidade das Máquinas. Juntamente com eles, o confronto fez com
que algumas armas dos robôs voassem como meteoros, incrustando-se na terra
rochosa.
A-Ka
vasculhou os destroços dos robôs em busca de restos úteis. Após derretê-los com
uma fornalha movida a reator nuclear[4], ele os transformou em uma
nova pequena chave inglesa.
A-Ka ainda
pensava em K. Ele tinha tantas perguntas que seu cérebro parecia prestes a
explodir.
Por que K
estava lá?
Havia
alguém dentro de K!
A-Ka
voltou a si, lembrando-se das poucas palavras trocadas com o robô.
Definitivamente havia uma pessoa o pilotando. Mas por que essa pessoa os
conheceria? Ou será que, por causa da batalha, alguém acidentalmente se deparou
com K naquela caverna, entrou nele e o direcionou à luta, inadvertidamente
salvando ele e Heishi?
Não
importa o quanto A-Ka pensasse sobre o assunto, ele era incapaz de compreender,
então podia apenas deixá-lo de lado por ora. Antes, seu único desejo era
encontrar um motor de fusão para K. Agora, quando havia motores de fusão
espalhados por toda parte, ele não precisava mais de um.
“Vou indo,”
Heishi falou de repente.
“Pra onde
você vai?” perguntou A-Ka. Ele previu que as próximas palavras seriam algo como
"não é da sua conta" de novo, e ele acabaria apenas explodindo de
raiva uma vez mais. Ele nunca deveria tê-lo salvado em primeiro lugar.
“Eu te
resgatei do mar!” Falou A-Ka. “E depois eu te salvei de novo na área de
habitação! Você não pode ser um pouco mais legal comigo?!”
“Eu também
te salvei várias vezes. Agora estamos quites!” Falou Heishi.
A-Ka disse,
“Quando? Se eu não tivesse te tirado da...”
Heishi e
A-Ka se encararam de lados opostos. A-Ka então percebeu que não havia sentido
em discutir. Há pouco, na jornada até ali, se Heishi não estivesse com ele,
A-Ka nunca teria sobrevivido sozinho. Mas, sem A-Ka, Heishi não teria sido capaz
de encontrar a saída.
“Esquece,
não vamos falar nisso,” falou A-Ka desamparado. “Aonde você vai?”
“Eu tenho
uma missão,” Heishi respondeu calmamente.
O coração
de A-Ka saltou e ele perguntou, “Que missão? Você se lembrou de quem é?”
Hesitante,
Heishi olhou para longe e chacoalhou levemente a cabeça. A-Ka perguntou, “Do
que você se lembrou?”
Heishi
disse, “Nada, só sei que tenho uma missão.”
A-Ka
disse, “É isso? Se você não sabe qual a missão, então pra onde vai?”
Heishi
parecia um pouco irritado. A-Ka se aproximou para lhe dar um tapinha no ombro,
mas ele se virou de lado e desviou.
A-Ka
estava cansado demais para continuar falando com aquele lunático. Ele pulou das
rochas e vasculhou os restos de robôs caídos nas planícies. Depois de um tempo,
ele viu que Heishi também havia descido e vagava sem rumo pela planície
desolada.
“Você não conhece
nada deste mundo e não tem um destino em mente, então não saia andando por aí!
Você vai se ferrar se acabar se perdendo!” A-Ka gritou.
Heishi
apanhou uma pedra, suspendeu-a na mão e a arremessou longe, soltando um rugido
furioso e indignado.
A-Ka
vagamente entendia as emoções de Heishi.
Uma
pessoa, sem passado e sem futuro, que não sabia o próprio nome. Esse tipo de
confusão e frustração eram como um demônio habitando as profundezas do coração,
fazendo com que a pessoa se sentisse extremamente amargurada.
“Ei, cara[5],”
A-Ka se aproximou e disse, “não fique assim.”
Os
músculos do corpo de Heishi estavam todos tensos, mas depois de ouvir a voz de
A-Ka, eles relaxaram lentamente. Ele lhe lançou um olhar frio.
“Pra onde
você pretende ir?” Heishi perguntou.
“Não sei,”
A-Ka sorriu. “Pelo menos nós escapamos, não é? O mundo é tão grande; sempre vai
ter algum lugar pra ir. Além disso, você ainda me deve duas vidas, então por
que não viajamos juntos?”
Heishi
falou friamente, “Não devo minha vida a ninguém.”
A-Ka
insistiu. “Eu te salvei duas vezes.”
Inesperadamente,
Heishi estendeu o braço e cobriu a cabeça de A-Ka com a palma da mão.
A-Ka, “?”
Heishi
falou suavemente, “Uma vez.”
A-Ka, “...”
Heishi
afastou a mão e então a estendeu sobre a cabeça de A-Ka novamente.
“Duas
vezes. Agora eu te salvei duas vezes.”
Heishi se
afastou e A-Ka falou frenético, “O que isso quer dizer?!”
De longe,
Heishi virou a cabeça e olhou para trás. “Agora mesmo eu podia ter te matado!”
A-Ka
estava completamente sem palavras.
Três horas
depois, A-Ka havia arduamente desmontado um mecha. Heishi ainda estava
por perto, vagando sem rumo. Ele não se aproximou para ajudar, mas também não
se afastou. A-Ka gritou, “Você pode vir aqui me ajudar?!”
Heishi
falou, “Diga ‘por favor’.”
A-Ka falou
cansado, “Por favor.”
Heishi
casualmente puxou o mecha e arrancou seu braço inteiro, jogando-o no
chão. A-Ka mediu o outro, pensando consigo mesmo, Ele é tão forte. No
entanto, ele não era um clone, e também não era um robô... o sangue dos clones
não era vermelho e os robôs sequer sangravam.
Desta vez,
Heishi não saiu andando por aí. Ele ficou de lado, observando A-Ka desmontar as
peças sobressalentes. Heshi não fez nenhuma pergunta, nem falou nada até o
momento em que A-Ka montou uma arma laser e lhe entregou dizendo: "Fique
com isso para se proteger.”
Heishi olhou
cautelosamente para a arma por um tempo antes de aceitá-la. Ele imitou os
clones e a prendeu contra sua cintura.
“Depois de
sairmos daqui, vamos ter que passar pelo campo de ação da Cidade de Aço, rumo
ao oeste,” A-Ka falou para Heishi. “Vamos sobreviver se formos para o Novo
Continente.”
“Quando
partimos?” Heishi perguntou um pouco ansioso.
A-Ka
explicou pacientemente, “Precisamos nos preparar bem, ou morreremos no caminho.”
Heishi
falou, “Você vai morrer. Eu não.”
A-Ka
respondeu de forma maldosa, “Já que você não vai morrer, então vá sozinho.”
Heishi
fungou de maneira arrogante e perguntou do nada, “Eles morreram?”
“Quem?” A-Ka
logo percebeu a situação atual da Cidade das Máquinas. A condição de
"Pai" não era algo que ele pudesse facilmente identificar, mas pelo
que haviam lhe ensinado desde criança, "Pai" era todo poderoso. A
Torre de Computador que se erguia do chão era apenas uma parte de “Pai”; o
corpo mecânico ainda mais colossal estava enterrado sob a terra.
A-Ka não
podia afirmar com certeza, então ele só pôde explicar vagamente para Heishi.
Ele também se lembrou do chip que aquele velho professor havia lhe dado e o
puxou, estudando-o cuidadosamente por um tempo. Obviamente nenhum dos dois
conseguia ver nada de especial nele. Heishi não tinha absolutamente nenhum
interesse no chip, então A-Ka apenas o guardou com cuidado.
Conforme a
noite caiu sobre eles, os dois se abrigaram sob os destroços de um robô e
ligaram o forno atômico, aproximando-se dele para se aquecerem. Heishi voltou
para a margem do rio e usou a arma laser para matar alguns peixes de formato
estranho. Os peixes tinham crescido nas águas contaminadas pelos rejeitos das
fábricas, então seus corpos estavam cheios de metais pesados. A-Ka só comeu um
pouco e também não deixou Heishi comer muito para evitar que acabassem com uma
intoxicação alimentar. Depois, eles se enfiaram sob um casco de um robô quebrado
para dormir.
Durante a
noite, começou a nevar fortemente nas planícies e o vento norte soprou sobre o
deserto. A-Ka tremia de frio e não tinha ideia para onde Heishi tinha ido. Ele
se encolheu um pouco mais na casca robótica, tentando ao máximo se esconder em
um local protegido do vento. Ele estava com tanto frio que não conseguia mais
aguentar, parecia que seria transformado num cubo de gelo.
Quando
A-Ka estava prestes a alucinar de tanto frio, um corpo quente entrou e encostou
as costas nele.
“Onde você
foi...?” A-Ka perguntou fracamente.
“Não é da
sua conta,” Heishi respondeu com uma voz indiferente. A-Ka estava com tanto
frio que seus dentes tiritavam. Era insuportável. Ele então se aconchegou nos
braços de Heishi. Ele sentiu como se o peito de Heishi fosse um forno nuclear
quente. Depois de um bom tempo, ele lentamente começou a se esquentar e
adormeceu tranquilamente.
No dia
seguinte, A-Ka foi acordado pelo frio e, quando o sol estava bem no meio do
céu, Heishi voltou.
A-Ka
tremeu ao deixar a pilha de destroços para trás e descobriu que Heishi
arrastava o cadáver de um clone pela perna. Ele o levou até o acampamento e o
jogou na frente de A-Ka.
Heishi,
“Coma.”
A-Ka, “Não
brinque com isso! Com poderíamos comer pessoas?”
Heishi,
“Ele não é da mesma espécie que você.”
A-Ka sabia
que, comparados aos humanos, os clones eram, basicamente, apenas uma combinação
de proteínas. Ainda mais um clone morto. No entanto, olhando para o rosto
azulado e congelado do clone, ele realmente era incapaz de comer uma criatura
tão semelhante a humanos em forma e aparência.
“Eu... eu
não vou comer,” disse A-Ka.
“Então eu
como sozinho,” falou Heishi.
A-Ka
gritou, “Se você comer esse clone, nunca mais fale comigo!”
Heishi
falou, “Por que você é tão problemático?”
A-Ka
bufou. “Seja como for, você não pode comer clones.”
A-Ka
sequer podia cogitar a ideia de assistir Heishi serrar uma perna “humana”,
assá-la e comê-la. Heishi hesitou por um momento e finalmente largou o corpo do
clone, saindo à procura de outra coisa para comer.
Eles não foram
os únicos a serem varridos para as planícies, mas infelizmente, todas as coisas
vivas, todos os clones dentro dos mechas, haviam morrido. Heishi arrancou um
braço de um mecha e o girou experimentalmente, mas era extenuante demais
fazê-lo.
A-Ka
falou, “Não traga muita coisa. Você gosta de armas pesadas?”
Heishi
ficou em silêncio.
A-Ka não
sabia se ria ou se chorava enquanto o ajudava a descascar uma longa tira de
metal e soldá-la num cabo. Heishi a testou e o vento o rodeou quando ela a
brandiu. Ele então a jogou em suas costas, como se fosse uma espada de lâmina
larga.
“Vamos,”
A-Ka organizou sua própria mochila montada às pressas. Dentro dela, havia uma
bússola, um kit de primeiros socorros que os clones carregavam, algumas
injeções de estimulantes, um forno portátil de energia atômica, uma chave
inglesa, uma variedade de chaves de fenda e outras ferramentas, além de um
gerador de campo magnético.
"Por
que você trouxe essas coisas?” Perguntou Heishi indiferente. “Você nem mesmo
consegue carregá-las.”
A-Ka trazia
tantas coisas que era realmente um pouco cansativo, mas ele persistiu. “As
ferramentas de um mecânico são como a arma de um soldado. Serão úteis no futuro.”
A espessa
camada de neve que cobria as planícies era tão branca que machucava os olhos.
Heishi colocou um par de óculos de sol que havia pegado do corpo de um clone. Assim,
ele e A-Ka saíram para um novo e desconhecido mundo.
✶✶✶
Notas
de tradução:
[1] País
das Máquinas: aparentemente o autor usa
diversos termos para se referir ao “País de Aço.” Dá a impressão que o país é a
área maior dentro da qual fica a “Cidade de Aço”/“Cidade das Máquinas,” mas às
vezes todas essas expressões são usadas como equivalentes. Em resumo,
referem-se a uma grande localidade que provavelmente ocupa o leste da China
inteiro e é dominada pelas formas de vida de aço/robôs.
[2] Mecha
ou meca: robô gigante controlado
ou não por um piloto ou controlador, comuns em algumas obras de ficção
científica, mangá e anime. Um mecha geralmente é uma máquina de guerra
ou combate com pernas, cujos principais oponentes são monstros gigantes ou
outros mecas.
[3] Não
sabia onde era o céu e a terra: é apenas
uma figura de linguagem para dizer que ele estava desnorteado. Naquele momento
ele ainda sabia dizer onde estavam o céu e a terra.
[4] Fornalha movida a reator nuclear: eu li e reli essa passagem estranhando muito esse objeto no meio de uma planície deserta. Ele aparece novamente neste capítulo. Acredito que estivesse entre as coisas que foram varridas pela explosão da luta entre “Pai” e a Nave-Mãe. Trata-se de um objeto pequeno e portátil, provavelmente parecido com este da foto.
[5]
“Cara”, em chinês laoxiong (老兄): forma de tratamento usado entre amigos do gênero masculino.
Traduz-se em inglês para "buddy.” Em português: irmão; cara; velho amigo;
companheiro; parceiro e até mesmo irmão mais velho.
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