terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

[Novel] Xingpan Chongqi - Capítulo 04



Tradução: Foxita.
Revisão colaborativa: Sr. Raposo.

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Capítulo 04 - A Batalha para Escapar

Depois de ingressar .

A-Ka foi levado para o interior de uma pequena aeronave militar, na qual havia um único clone como piloto.

“Achem um lugar e sentem! Apertem os cintos! Vou levá-los até a Nave-Mãe!” Gritou o piloto.

A-Ka se lembrou que o velho havia lhe dado algo para entregar ao General Libre, líder do exército dos clones, então rapidamente se sentou. Pelas janelas, ele podia ver o céu tomado pelo brilho das chamas; tropas mecânicas se reuniam como um enxame de vespas, obstruindo totalmente a visão.

A aeronave tremeu violentamente e Heishi segurou a alça do teto acima de si com firmeza enquanto o piloto gritava, "Cuidado com a cabeça!”

O caça deu uma guinada em pleno ar e virou perigosamente para um lado, deslizando por um espaço entre tentáculos de metal de duas naves gigantes em formato de água-viva. A-Ka perguntou, “Vocês podem vencer?”

“Não sabemos ao certo!” Gritou o piloto. “Eu não sei quem foi o filho da puta que vazou as informações, mas os planos da rebelião tiveram que ser antecipados!”

A-Ka sentiu uma pontada de medo no coração. O piloto prosseguiu, “Estamos indo para a região central do País das Máquinas[1]! Tomem cuidado!”

A-Ka falou, “Não vá! Você vai morrer!”

“A Nave-Mãe está lá!” Disse o piloto. “General Libre está na linha de frente! Não tem como voltar atrás!”

Um raio de luz brilhou à distância e iluminou o mundo todo, irradiando bolas de fogo que assobiavam ao passar. A luz ofuscante inundou o campo de batalha.

Naquele instante, todo barulho se distanciou e os arreadores ficaram totalmente tranquilos. Heishi parecia ter visto algo e lentamente se levantou, dirigindo-se à cabine de comando.

A-Ka o segurou, falando para que se sentasse, que era muito perigoso, mas suas palavras foram afogadas pelo silêncio etéreo. Ele percebeu que o som da explosão foi tão alto que deixou todos temporariamente surdos. Tão logo agarrou a mão de Heishi e entrelaçou seus dedos aos dele, ele sentiu que a luz parecia carregar uma onda de energia que os chamava fracamente.

O que era aquilo? Por um momento, A-Ka se esqueceu que estava em uma situação de perigo e olhou fixamente para a coisa dentro da luz branca.

Foi então que o pequeno caça saiu do círculo de luz. Quando o som voltou, A-Ka viu claramente o que estava ao seu redor; era uma visão de tirar o fôlego: a Nave-Mãe dos clones era tão grande quanto uma cidade e flutuava em pleno ar. Dela, saíam milhares de naves de combate, que avançavam como uma onda gigante em direção ao Computador Central.

O Computador Central, “Pai”, permanecia firme, como se segurasse o céu e sustentasse a terra. Ele emitia uma luz ofuscante e brilhante ao controlar as densas massas de robôs aéreos, bloqueando as investidas da Nave-Mãe. Nuvens negras turvavam o céu e se uniam, formando um redemoinho, enquanto o campo magnético parecia dividir o mundo em pequenos pedaços quebrados e fragmentados.

Esta era uma luta de deuses e, quando a contemplou, A-Ka não conseguiu evitar estremecer.

Naquele momento, a base defensiva de "Pai" mais uma vez disparou balas de canhão e uma perfurou a lateral da Nave-Mãe. Estilhaços e pedaços de aço explodiram, voando em todas as direções.

“Cuidado!” Heishi empurrou A-Ka para o chão.

Um estilhaço voou em alta velocidade na direção da cabine de comando e, com um estrondo, perfurou a cabeça do piloto. Sangue jorrou por toda parte. O caça balançou descontroladamente e rodopiou em direção ao chão. A-Ka deslizou para os fundos da cabine.

“Não se preocupe comigo! Assuma a direção!” gritou A-Ka.

Heishi entendeu e subiu no assento, impulsionando-se para frente. Ele arrastou o cadáver do piloto para fora do caminho e puxou o manche.

A-Ka, “Segure firme e puxe na sua direção!”

Heishi puxou o manche com força e A-Ka caiu novamente, desta vez perto da cabine de comando. Ele rapidamente assumiu a posição de copiloto e usou os polegares para ativar a metralhadora antiaérea. Balas de canhão laser dispararam do caça e pulverizaram os estilhaços que voavam na direção deles como meteoros.

Heishi, “O que eu faço agora?!”

A-Ka, “Você sabe pilotar uma nave?! Voe naquela direção!”

Heishi, “Eu não sei como!”

A-Ka, “Anda logo e segura o manche! Rápido! A gente vai morrer!”

Heishi gritou furioso, “Você é tão barulhento! Não podemos ir naquela direção, vamos ser pegos por uma explosão!”

A-Ka tinha apenas pensado na missão confiada pelo velho e se esquecido que tinham que sobreviver. Ele estava prestes a pensar no que fazer, mas a verdade é que o tempo estava acabando.

“Se apresse, rápido!” A-Ka falou decidido.

No entanto, outro grande estrondo capaz de fazer o céu tremer lançou o pequeno caça na direção do Computador Central. Do lado de fora da cabine de comando, veio o brilho da luz do fogo e, com aquela enorme explosão, A-Ka bateu a cabeça num painel. Sua cabeça doeu tanto que parecia prestes a rachar.

O som das explosões se agarrou aos seus ouvidos e A-Ka vagamente sentiu Heishi dando tapinhas em seu rosto.

“Acorde!” Heishi gritou ansioso.

A testa de A-Ka sangrava com o recente machucado. Ele ergueu a cabeça fracamente, logo ficando sem palavras: os dois estavam presos na beirada da cabine de comando e, sob seus pés, havia apenas o ar vazio e uma queda sem fim.

 

Não muito longe deles, a enorme Nave-Mãe estava sendo bombardeada sem parar, o escudo defensivo estremecia violentamente sob o fogo cruzado. A qualquer momento, eles e o restante dos combatentes seriam derrubados.

O pequeno caça estava preso à torre em um ângulo de quase 70° e poderia se desprender a qualquer momento.

A-Ka voltou a si e imediatamente acionou o motor de emergência, mas uma mensagem de erro se acendeu. Não havia energia suficiente.

“Abandonamos a nave?” Heishi berrou, se sobrepondo ao barulho capaz de perfurar os tímpanos.

“Sem chance!” Respondeu A-Ka. “Estamos no 600º andar da Torre Central! Antes mesmo de conseguir descer, nós vamos morrer!”

Frustrado e sem ter o que fazer, Heishi suspirou.

“E agora?” Gritou Heishi.

“Não tem mais energia!” A-Ka gritou de volta. “Precisamos achar um jeito de recarregar a fonte da nave!”

Como poderiam fazer isso? A-Ka olhou para o medidor, que apontava 12% de energia restante. Seu rosto estava tomado pela confusão; sua cabeça zunia. Heishi aos poucos se acalmou e perguntou para A-Ka, “Tem algum meio de transporte aqui perto?”

“Não...” A-Ka ergueu o olhar em direção ao céu, onde a luta entre a Nave-Mãe e o Computador Central entrava em seu momento mais caótico. Em um intervalo de tempo tão curto, inúmeros pensamentos atravessaram sua mente.

Um: abandonar a nave e fugir. Era perigoso demais. Voltar para a superfície faria com que fossem pegos no fogo cruzado. Se fugissem a pé, não conseguiriam correr rápido o suficiente e a qualquer momento poderiam ser feitos em pedacinhos por uma bomba.

Dois: encontrar um novo meio de transporte. Isso era logicamente impossível, pois, na Cidade das Máquinas, praticamente todas as aeronaves estavam sob controle do "Pai”.

“Aqui, há apenas o ‘Pai’", explicou A-Ka. “Não somos capazes de anular o controle que ele tem sobre os robôs aéreos...”

Heishi também ergueu a cabeça e observou o céu. Ao ver que havia incontáveis mechas[2] em formato humano voando por todos os lados, ele perguntou para A-Ka, “E aqueles?”

A-Ka respondeu, “São os trajes mechas usados pelos clones, mas não podemos usá-los.”

Heishi falou, "Talvez tenha algum quebrado...”

A-Ka, “É impossível consertar um agora! Temos que contar apenas com a sorte! Vamos achar um jeito de recarregar a energia da nave.”

Heishi pôde apenas acenar em concordância. A-Ka estava extremamente ansioso. Depois de pensar por um momento, ele de repente levantou a cabeça e olhou para o topo da alta torre do computador e teve uma ideia ousada.

Eles podiam usar a fonte de energia do "Pai”. Do lado externo, havia até mesmo plugues usados pelos robôs para se recarregarem... A-Ka de repente bolou um plano.

“Me segura,” falou A-Ka.

Heishi puxou a mão de A-Ka, que saiu da nave. Ele deu uma espiada para baixo e imediatamente sentiu a terra girar sob seus pés.

“Cuidado!” Avisou Heishi.

Ao fazer tais acrobacias em uma aeronave que estava perigosamente inclinada para um lado, A-Ka pensou consigo mesmo que devia ter ficado louco... Antes, ele nunca teria imaginado que algo assim pudesse acontecer. Sem dúvida, humanos em situação de vida ou morte eram capazes de fazer qualquer coisa.

Ele abriu a tampa do painel de carregamento, puxou o cabo elétrico e o amarrou em volta de sua cintura. Ele olhou ao redor procurando pela abertura mais próxima ao "Pai"; ela estava apenas dez metros acima.

No entanto, a torre do Computador Central tremia e sua parede externa era completamente plana, sem pontos de apoio. Como ele escalaria aquilo?

Heishi percebeu o que A-Ka estava tentando fazer e gritou, “Volte! Vou pensar num jeito!”

A-Ka respondeu, “Como? Todas as paredes são feitas de metal duro!”

Heishi puxou A-Ka de volta para a cabine e pegou o cabo, perguntando, “Como eu ligo isso?”

“É só prender a trava,” falou A-Ka.

Heishi olhou à sua volta e encontrou um êmbolo de borracha usado para limpar a tubulação interna do gerador e disse, “Vou usar isso.”

A-Ka, “...”

Aquilo era um desentupidor de privada.

A-Ka falou, “Isso... isso não vai funcionar, é muito perigoso.”

Heishi não respondeu. De repente ele, correu para frente e saltou em direção à plataforma alta. Com o desentupidor em mãos e com um "pop", ele se prendeu à lateral da torre do Computador Central. A-Ka ficou imediatamente boquiaberto. Sob seus pés, havia uma queda de mais de trezentos metros e o corpo de Heishi tremia com a força das explosões e dos abalos, enquanto o cabo permanecia enrolado em sua cintura.

A-Ka sequer se atrevia a respirar ao observar fixamente Heishi, que pressionava uma mão contra a parede e usava a fricção da palma para firmar seu corpo, ao passo que, com a outra mão, puxava o desentupidor e rapidamente o colocava em um ponto mais alto.

Isso ia funcionar! A-Ka assistia, chocado, a Heishi usar o desentupidor para escalar cada vez mais alto no corpo de “Pai”. Aquilo era igualmente aterrorizante e engraçado.

Heishi se aproximou da abertura e conectou o cabo ao plugue. No mesmo instante, a energia na cabine atingiu o máximo e todas as luzes se acenderam.

“Funcionou!” A-Ka gritou. “Volte, Heishi!”

Mas Heishi não se moveu nem um centímetro. Ele permaneceu na posição original e, por mais que A-Ka estivesse ansioso além da conta, sua voz foi abafada por uma série de explosões.

Merda! A-Ka virou a cabeça novamente e viu que a enorme Nave-Mãe que cobria o céu não aguentaria por muito mais tempo. Uma luz azul disparou da torre alta de “Pai” e atravessou a lateral da Nave-Mãe. Com a rajada de vento da explosão, Heishi se segurou à abertura oposta e continuou a olhar fixamente para o ponto de conexão do cabo.

Um brilho azul saía do ponto em que o cabo se conectava e uma voz fraca ecoou na mente de Heishi. Era a voz de um homem, muito vaga e imprecisa para se compreender.

A energia da nave já tinha sido recarregada e A-Ka gritava ansiosamente para ele, mas Heishi ainda estava mergulhado naquele transe. A-Ka estava prestes a entrar em desespero.

Muito acima de suas cabeças, veio o som de uma sequência de explosões da Nave-Mãe, espalhando destroços para todos os lados. A-Ka respirou apressadamente em pânico e, bem quando uma explosão estava prestes a engolfar Heishi, um robô surrado disparou para fora das chamas. A-Ka arregalou os olhos e ficou sem palavras. Ele não podia acreditar no que estava vendo.

Aquele robô quebrado era K!

Como K foi parar ali? Aquele era seu robô!

K disparou para fora da luz do fogo e pousou na parede externa de "Pai”, estendendo a mão para agarrar Heishi, que imediatamente despertou. Com o rosto tomado pela surpresa, Heishi foi pego por um dos braços de K e os dois então voaram em direção ao caça.

No momento seguinte, antes que A-Ka pudesse processar todos os acontecimentos irreais daquele curto espaço de tempo, Heishi foi lançado na cabine por K.

“Vão! Rápido,” falou K.

O robô se virou e chutou a pequena nave, quase a soltando. O couro cabeludo de A-Ka formigou. Ele não conseguia acreditar que K estava bem à sua frente, vivo.

“Você... K, como você...”

“Vão!” A voz que veio de K estava ansiosa. Com outro chute sólido, K ajudou a nave a finalmente se soltar. Logo em seguida, ele se virou e voou em direção à Nave-Mãe.

Quando a nave estava prestes a cair, A-Ka virou o corpo e puxou o manche. Nesse momento, com outra explosão que abalou o céu, a Nave-Mãe rompeu a camada defensiva do Computador Central e colidiu com a torre de "Pai”. A luz azul penetrante imediatamente se espalhou como um tsunami e derrubou todos os robôs que voavam pelo céu.

Esse tsunami de energia irradiou como uma reação em cadeia, primeiro enviando a Nave-Mãe dilapidada pelos ares e depois partindo em dois o chão País de Aço afora. As rachaduras se alargaram com o som das explosões.

A-Ka nunca imaginou que presenciaria esse momento histórico; a primeira vez que a maré se voltava contra o poder dos robôs em três mil anos. Seu único pensamento era: eles já tinham chegado até ali, então, independentemente do que acontecesse, tinham que continuar vivos.

Todos os sistemas de localização falhavam e ele não sabia dizer onde era o céu e onde era a terra[3]. Ele podia apenas depender de seus próprios instintos e depositar sua confiança em Heishi.

A enorme onda de energia primeiro jogou o caça para trás, como se fosse um pequeno grão  em uma tempestade de areia, sendo levado para um lugar distante.

Finalmente, toda a luz azul desapareceu. À frente deles, estava apenas o chão que girava sem parar.

A nave carregou rastros de fumaça atrás de si ao avançar em direção a uma planície desolada. Sua lateral inicialmente colidiu com uma montanha e, com uma série de choques violentos, despencou de um penhasco, afundando em um grande rio.

Com um estrondo, a água imediatamente invadiu o interior da nave. A-Ka se levantou atordoado, agarrou a mão de Heishi e apertou o botão para abrir a porta e chegar à cápsula de fuga, mas a porta estava emperrada.

“Heishi!” A-Ka gritou.

Heishi estava inconsciente.

“Merda!” A-Ka chutou a porta algumas vezes, mas a vazão da água apenas aumentava.  Ele colocou Heishi nas costas, procurando por uma saída. Heishi era pesado demais; tão denso quanto uma peça de aço. Os dois estavam presos no caça e o nível da água subia cada vez mais. Ao ser atingido pela água, Heishi subitamente abriu os olhos. Ele abraçou A-Ka pela cintura e ergueu o pé, desferindo um chute. Com um forte estrondo e um baque surdo, uma placa de metal voou sobre a água.

Os dois se apressaram em direção à superfície, sendo jogados de um lado para outro, a ponto de perderam completamente o senso de direção. Finalmente, e com grande dificuldade, eles rastejarem até a costa.

Coberto de lama, A-Ka tossiu um tanto de água. Quando seu olhar cruzou com o de Heishi, eles não conseguiram resistir e começaram a rir alto.

“Hahaha...” A-Ka não sabia o motivo, mas riu até ficar totalmente sem ar. Heishi também não conseguiu evitar um sorriso e enxugou a água do rosto, sentando-se em uma pedra.

Aquela era uma planície desolada, mas eles ainda estavam dentro das fronteiras do País de Aço. A-Ka observou a posição do sol e se orientou.

Os dois estavam em um terreno elevado e observavam a estrada ao longe. Ao leste das planícies, nuvens de fumaça densa erguiam-se do ponto em que "Pai" e a Nave-Mãe dos clones haviam travado seu confronto final. O embate foi capaz de distorcer momentaneamente o tempo e o espaço e os jogou a cerca de quatrocentos quilômetros da Cidade das Máquinas. Juntamente com eles, o confronto fez com que algumas armas dos robôs voassem como meteoros, incrustando-se na terra rochosa.

A-Ka vasculhou os destroços dos robôs em busca de restos úteis. Após derretê-los com uma fornalha movida a reator nuclear[4], ele os transformou em uma nova pequena chave inglesa.

A-Ka ainda pensava em K. Ele tinha tantas perguntas que seu cérebro parecia prestes a explodir.

Por que K estava lá?

Havia alguém dentro de K!

A-Ka voltou a si, lembrando-se das poucas palavras trocadas com o robô. Definitivamente havia uma pessoa o pilotando. Mas por que essa pessoa os conheceria? Ou será que, por causa da batalha, alguém acidentalmente se deparou com K naquela caverna, entrou nele e o direcionou à luta, inadvertidamente salvando ele e Heishi?

Não importa o quanto A-Ka pensasse sobre o assunto, ele era incapaz de compreender, então podia apenas deixá-lo de lado por ora. Antes, seu único desejo era encontrar um motor de fusão para K. Agora, quando havia motores de fusão espalhados por toda parte, ele não precisava mais de um.

“Vou indo,” Heishi falou de repente.

“Pra onde você vai?” perguntou A-Ka. Ele previu que as próximas palavras seriam algo como "não é da sua conta" de novo, e ele acabaria apenas explodindo de raiva uma vez mais. Ele nunca deveria tê-lo salvado em primeiro lugar.

“Eu te resgatei do mar!” Falou A-Ka. “E depois eu te salvei de novo na área de habitação! Você não pode ser um pouco mais legal comigo?!”

“Eu também te salvei várias vezes. Agora estamos quites!” Falou Heishi.

A-Ka disse, “Quando? Se eu não tivesse te tirado da...”

Heishi e A-Ka se encararam de lados opostos. A-Ka então percebeu que não havia sentido em discutir. Há pouco, na jornada até ali, se Heishi não estivesse com ele, A-Ka nunca teria sobrevivido sozinho. Mas, sem A-Ka, Heishi não teria sido capaz de encontrar a saída.

“Esquece, não vamos falar nisso,” falou A-Ka desamparado. “Aonde você vai?”

“Eu tenho uma missão,” Heishi respondeu calmamente.

O coração de A-Ka saltou e ele perguntou, “Que missão? Você se lembrou de quem é?”

Hesitante, Heishi olhou para longe e chacoalhou levemente a cabeça. A-Ka perguntou, “Do que você se lembrou?”

Heishi disse, “Nada, só sei que tenho uma missão.”

A-Ka disse, “É isso? Se você não sabe qual a missão, então pra onde vai?”

Heishi parecia um pouco irritado. A-Ka se aproximou para lhe dar um tapinha no ombro, mas ele se virou de lado e desviou.

A-Ka estava cansado demais para continuar falando com aquele lunático. Ele pulou das rochas e vasculhou os restos de robôs caídos nas planícies. Depois de um tempo, ele viu que Heishi também havia descido e vagava sem rumo pela planície desolada.

“Você não conhece nada deste mundo e não tem um destino em mente, então não saia andando por aí! Você vai se ferrar se acabar se perdendo!” A-Ka gritou.

Heishi apanhou uma pedra, suspendeu-a na mão e a arremessou longe, soltando um rugido furioso e indignado.

A-Ka vagamente entendia as emoções de Heishi.

Uma pessoa, sem passado e sem futuro, que não sabia o próprio nome. Esse tipo de confusão e frustração eram como um demônio habitando as profundezas do coração, fazendo com que a pessoa se sentisse extremamente amargurada.

“Ei, cara[5],” A-Ka se aproximou e disse, “não fique assim.”

Os músculos do corpo de Heishi estavam todos tensos, mas depois de ouvir a voz de A-Ka, eles relaxaram lentamente. Ele lhe lançou um olhar frio.

“Pra onde você pretende ir?” Heishi perguntou.

“Não sei,” A-Ka sorriu. “Pelo menos nós escapamos, não é? O mundo é tão grande; sempre vai ter algum lugar pra ir. Além disso, você ainda me deve duas vidas, então por que não viajamos juntos?”

Heishi falou friamente, “Não devo minha vida a ninguém.”

A-Ka insistiu. “Eu te salvei duas vezes.”

Inesperadamente, Heishi estendeu o braço e cobriu a cabeça de A-Ka com a palma da mão.

A-Ka, “?”

Heishi falou suavemente, “Uma vez.”

A-Ka, “...”

Heishi afastou a mão e então a estendeu sobre a cabeça de A-Ka novamente.

“Duas vezes. Agora eu te salvei duas vezes.”

Heishi se afastou e A-Ka falou frenético, “O que isso quer dizer?!”

De longe, Heishi virou a cabeça e olhou para trás. “Agora mesmo eu podia ter te matado!”

A-Ka estava completamente sem palavras.

Três horas depois, A-Ka havia arduamente desmontado um mecha. Heishi ainda estava por perto, vagando sem rumo. Ele não se aproximou para ajudar, mas também não se afastou. A-Ka gritou, “Você pode vir aqui me ajudar?!”

Heishi falou, “Diga ‘por favor’.”

A-Ka falou cansado, “Por favor.”

Heishi casualmente puxou o mecha e arrancou seu braço inteiro, jogando-o no chão. A-Ka mediu o outro, pensando consigo mesmo, Ele é tão forte. No entanto, ele não era um clone, e também não era um robô... o sangue dos clones não era vermelho e os robôs sequer sangravam.

Desta vez, Heishi não saiu andando por aí. Ele ficou de lado, observando A-Ka desmontar as peças sobressalentes. Heshi não fez nenhuma pergunta, nem falou nada até o momento em que A-Ka montou uma arma laser e lhe entregou dizendo: "Fique com isso para se proteger.”

Heishi olhou cautelosamente para a arma por um tempo antes de aceitá-la. Ele imitou os clones e a prendeu contra sua cintura.

“Depois de sairmos daqui, vamos ter que passar pelo campo de ação da Cidade de Aço, rumo ao oeste,” A-Ka falou para Heishi. “Vamos sobreviver se formos para o Novo Continente.”

“Quando partimos?” Heishi perguntou um pouco ansioso.

A-Ka explicou pacientemente, “Precisamos nos preparar bem, ou morreremos no caminho.”

Heishi falou, “Você vai morrer. Eu não.”

A-Ka respondeu de forma maldosa, “Já que você não vai morrer, então vá sozinho.”

Heishi fungou de maneira arrogante e perguntou do nada, “Eles morreram?”

“Quem?” A-Ka logo percebeu a situação atual da Cidade das Máquinas. A condição de "Pai" não era algo que ele pudesse facilmente identificar, mas pelo que haviam lhe ensinado desde criança, "Pai" era todo poderoso. A Torre de Computador que se erguia do chão era apenas uma parte de “Pai”; o corpo mecânico ainda mais colossal estava enterrado sob a terra.

A-Ka não podia afirmar com certeza, então ele só pôde explicar vagamente para Heishi. Ele também se lembrou do chip que aquele velho professor havia lhe dado e o puxou, estudando-o cuidadosamente por um tempo. Obviamente nenhum dos dois conseguia ver nada de especial nele. Heishi não tinha absolutamente nenhum interesse no chip, então A-Ka apenas o guardou com cuidado.

Conforme a noite caiu sobre eles, os dois se abrigaram sob os destroços de um robô e ligaram o forno atômico, aproximando-se dele para se aquecerem. Heishi voltou para a margem do rio e usou a arma laser para matar alguns peixes de formato estranho. Os peixes tinham crescido nas águas contaminadas pelos rejeitos das fábricas, então seus corpos estavam cheios de metais pesados. A-Ka só comeu um pouco e também não deixou Heishi comer muito para evitar que acabassem com uma intoxicação alimentar. Depois, eles se enfiaram sob um casco de um robô quebrado para dormir.

Durante a noite, começou a nevar fortemente nas planícies e o vento norte soprou sobre o deserto. A-Ka tremia de frio e não tinha ideia para onde Heishi tinha ido. Ele se encolheu um pouco mais na casca robótica, tentando ao máximo se esconder em um local protegido do vento. Ele estava com tanto frio que não conseguia mais aguentar, parecia que seria transformado num cubo de gelo.

Quando A-Ka estava prestes a alucinar de tanto frio, um corpo quente entrou e encostou as costas nele.

“Onde você foi...?” A-Ka perguntou fracamente.

“Não é da sua conta,” Heishi respondeu com uma voz indiferente. A-Ka estava com tanto frio que seus dentes tiritavam. Era insuportável. Ele então se aconchegou nos braços de Heishi. Ele sentiu como se o peito de Heishi fosse um forno nuclear quente. Depois de um bom tempo, ele lentamente começou a se esquentar e adormeceu tranquilamente.

No dia seguinte, A-Ka foi acordado pelo frio e, quando o sol estava bem no meio do céu, Heishi voltou.

A-Ka tremeu ao deixar a pilha de destroços para trás e descobriu que Heishi arrastava o cadáver de um clone pela perna. Ele o levou até o acampamento e o jogou na frente de A-Ka.

Heishi, “Coma.”

A-Ka, “Não brinque com isso! Com poderíamos comer pessoas?”

Heishi, “Ele não é da mesma espécie que você.”

A-Ka sabia que, comparados aos humanos, os clones eram, basicamente, apenas uma combinação de proteínas. Ainda mais um clone morto. No entanto, olhando para o rosto azulado e congelado do clone, ele realmente era incapaz de comer uma criatura tão semelhante a humanos em forma e aparência.

“Eu... eu não vou comer,” disse A-Ka.

“Então eu como sozinho,” falou Heishi.

A-Ka gritou, “Se você comer esse clone, nunca mais fale comigo!”

Heishi falou, “Por que você é tão problemático?”

A-Ka bufou. “Seja como for, você não pode comer clones.”

A-Ka sequer podia cogitar a ideia de assistir Heishi serrar uma perna “humana”, assá-la e comê-la. Heishi hesitou por um momento e finalmente largou o corpo do clone, saindo à procura de outra coisa para comer.

Eles não foram os únicos a serem varridos para as planícies, mas infelizmente, todas as coisas vivas, todos os clones dentro dos mechas, haviam morrido. Heishi arrancou um braço de um mecha e o girou experimentalmente, mas era extenuante demais fazê-lo.

A-Ka falou, “Não traga muita coisa. Você gosta de armas pesadas?”

Heishi ficou em silêncio.

A-Ka não sabia se ria ou se chorava enquanto o ajudava a descascar uma longa tira de metal e soldá-la num cabo. Heishi a testou e o vento o rodeou quando ela a brandiu. Ele então a jogou em suas costas, como se fosse uma espada de lâmina larga.

“Vamos,” A-Ka organizou sua própria mochila montada às pressas. Dentro dela, havia uma bússola, um kit de primeiros socorros que os clones carregavam, algumas injeções de estimulantes, um forno portátil de energia atômica, uma chave inglesa, uma variedade de chaves de fenda e outras ferramentas, além de um gerador de campo magnético.

"Por que você trouxe essas coisas?” Perguntou Heishi indiferente. “Você nem mesmo consegue carregá-las.”

A-Ka trazia tantas coisas que era realmente um pouco cansativo, mas ele persistiu. “As ferramentas de um mecânico são como a arma de um soldado. Serão úteis no futuro.”

A espessa camada de neve que cobria as planícies era tão branca que machucava os olhos. Heishi colocou um par de óculos de sol que havia pegado do corpo de um clone. Assim, ele e A-Ka saíram para um novo e desconhecido mundo.

✶✶✶

Notas de tradução:

[1] País das Máquinas: aparentemente o autor usa diversos termos para se referir ao “País de Aço.” Dá a impressão que o país é a área maior dentro da qual fica a “Cidade de Aço”/“Cidade das Máquinas,” mas às vezes todas essas expressões são usadas como equivalentes. Em resumo, referem-se a uma grande localidade que provavelmente ocupa o leste da China inteiro e é dominada pelas formas de vida de aço/robôs.

[2] Mecha ou meca: robô gigante controlado ou não por um piloto ou controlador, comuns em algumas obras de ficção científica, mangá e anime. Um mecha geralmente é uma máquina de guerra ou combate com pernas, cujos principais oponentes são monstros gigantes ou outros mecas.

[3] Não sabia onde era o céu e a terra: é apenas uma figura de linguagem para dizer que ele estava desnorteado. Naquele momento ele ainda sabia dizer onde estavam o céu e a terra.

[4] Fornalha movida a reator nuclear: eu li e reli essa passagem estranhando muito esse objeto no meio de uma planície deserta. Ele aparece novamente neste capítulo. Acredito que estivesse entre as coisas que foram varridas pela explosão da luta entre “Pai” e a Nave-Mãe. Trata-se de um objeto pequeno e portátil, provavelmente parecido com este da foto.


[5] “Cara”, em chinês laoxiong (老兄): forma de tratamento usado entre amigos do gênero masculino. Traduz-se em inglês para "buddy.” Em português: irmão; cara; velho amigo; companheiro; parceiro e até mesmo irmão mais velho.

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