Tradução: Foxita
Revisão: Miss Sw
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Capítulo 18 – Palácio Beijiao
O Departamento
de Exorcismo agora tinha adquirido o hábito de cochilar por toda a tarde,
saindo para cumprir as missões à noite, ou, em outros termos, trocaram o dia
pela noite. Durante o dia, não conseguiam parar de bocejar, nem mesmo Hongjun,
mas quando dava umas nove e meia da noite, todos ficavam bem-dispostos.
Qiu Yongsi e
Hongjun estavam sentados no telhado, pois dali podiam ver todo o Exército
Longwu. A-Tai sentava-se do lado de fora do quarto de Hu Sheng, vigiando-o,
enquanto Mo Rigen permanecia agachado junto à parede do quintal ao lado do
quarto.
À noite, as
luzes das lanternas do quarto de Hu Sheng ainda estavam acesas. Os quartéis do
Exército Longwu abrigavam muitos soldados e, embora Hu Sheng tivesse um imóvel
na cidade, ainda mantinha o hábito de viver e comer com seus subordinados. Esta
noite, as coisas não estavam como de costume e ele parecia apreensivo em
relação a algo. Ele andava de um lado para o outro em seu quarto, olhando vez
ou outra para a jaula coberta de talismãs.
“De onde você
veio?”, apesar de Hu Sheng não acreditar que a raposinha fosse Jin Yun, notou
que os ferimentos dela eram profundos, o que era realmente um pouco lamentável.
A raposinha
respondeu, “Comandante Hu, me solte.”
Hu Sheng
soltou um “ahh” cheio de pânico.
Do lado de
fora, Mo Rigen e A-Tai ouviram o grito, mas quando estavam prestes a entrar no
quarto, Li Jinglong apareceu no pátio e gesticulou para que não o fizessem,
pois estava tudo bem.
“Esperem
aqui,”, falou Li Jinglong em voz baixa. “A não ser que ela fuja, não ajam de
maneira precipitada.”
Após dizer
isso, Li Jinglong deu um salto voador na parede e correu para uma área mais
elevada.
“Você-você-você...
você pode falar?”, Hu Sheng parecia estar em uma espécie de transe. Do lado de
fora, um guarda do Longwu bateu à porta, perguntando, “Comandante Hu?”
Hu Sheng se
apressou em garantir que não havia nada de errado, dispensando o guarda e
voltando a olhar atentamente para a pequena raposa. Os olhos dela estavam
cheios de lágrimas quando falou com a voz baixa, “Comandante Hu, eu sei que
você me tratou bem e eu também cheguei a pensar que... se eu não fosse um yao...”
“Você-você-você...”
Hu Sheng continuava a recuar, os olhos cheios de pavor.
“Minhas duas
irmãs e eu estávamos originalmente cultivando em Xingyang", a raposinha chegou
um pouco mais perto da lateral da jaula e prosseguiu em voz baixa. “Eu só
queria ver um pouco mais da sociedade humana, então a irmã mais velha e a
segunda irmã me trouxeram para Chang’an. Nós nunca machucamos qualquer pessoa, não
podíamos contar com ajuda de ninguém e só nos restou morar em Pingkang Li. Nunca
iríamos imaginar que Li Jinglong não nos deixaria em paz...”
“Aquele tratante[1]
não mentiu para mim", falou Hu Sheng apavorado. “Você realmente é um yao!”
“Comandante
Hu!”, falou a yao raposa. “O Budismo nos ensina que humanos virtuosos
receberão bom carma. Se me soltar, mesmo que leve uma vida inteira, retribuirei
essa dívida gigantesca. Você ainda se lembra da história que contei quando nos
conhecemos?”
Hu Sheng
respirou fundo, finalmente se acalmando. Quando a raposa falou aquilo, ele se
lembrou do Festival dos Fantasmas há três anos, quando conheceu Jin Yun
enquanto soltava lanternas na Ponte Qushui[2]. Naquela
noite, Jin Yun lhe contou uma história sobre uma yao raposa e um erudito
que, apesar de suas semelhanças, em razão de seus diferentes caminhos da vida,
acabaram tragicamente arruinados.
Os olhos de Hu
Sheng se encheram de compaixão. Desde pequeno ele ouvia histórias comoventes
como aquela, mas os eventos que aconteciam bem diante de seus olhos ainda lhe
pareciam um tanto suspeitos.
Li Jinglong
saltou sobre o telhado, onde Hongjun e Qiu Yongsi conversavam aos cochichos. Assim
que o viram, pararam imediatamente.
Li Jinglong
olhou desconfiado para os dois, pois ambos agiam de maneira suspeita. Na
verdade, neste exato momento Hongjun consultava Qiu Yongsi sobre as coisas que
geralmente aconteciam em Pingkang Li — como um jovem de dezesseis anos, ele
estava em sua fase fogosa e tinha muita curiosidade sobre tudo. Quanto mais Li
Jinglong dizia para Hongjun parar de fazer perguntas, mais ele queria saber os
detalhes, então Qiu Yongsi baixou bastante a voz e contou-lhe tudo, todos os
sórdidos detalhes. Conforme Hongjun ouvia, seu rosto ficava cada vez mais
vermelho.
“Alguma coisa
estranha?”, perguntou Li Jinglong.
“Não,
nada", Qiu Yongsi se apressou em responder.
Hongjun, com o
rosto corado, também respondeu, “Nada.”
Parecia que os
dois estavam esperando Li Jinglong ir embora, mas, ao invés disso, ele se
sentou ao lado deles. Hongjun tinha a estranha sensação de que foi pego no
flagra e não conseguia parar de se mexer inquieto.
Li Jinglong falou
“Agradeço a vocês pelo trabalho duro. Quando este caso for encerrado, deveríamos
tirar uma bela folga. Vamos achar um lugar para vocês se divertirem.”
Li Jinglong
olhou para Hongjun e Qiu Yongsi, e Hongjun de repente teve um lampejo de
inspiração e disse, “Agora pouco, nós estávamos...”
Qiu Yongsi
imediatamente o interrompeu antes que ele pudesse terminar a frase, “...
estávamos servindo a nação, como é nosso dever. Como podemos chamar isso de
trabalho duro?”
Naquele
momento, na escuridão, o chão inchou e uma quilha semelhante a uma espinha
dorsal se aproximou do campo de treinamento do Exército Longwu. Quando alcançou
a frente do salão principal, ela bateu contra as fundações com um baque surdo e
então recuou um pouco, procurando por outro caminho. Deu uma volta e se
esgueirou por debaixo da parede que cercava o quintal.
Li Jinglong
imediatamente percebeu que havia algo errado e perguntou, “Que barulho foi esse?”
Hongjun e Qiu
Yongsi carregavam expressões de desconhecimento, mas Qiu Yongsi havia sentido
aquele leve tremor, então falou, “Agora pouco, parece que alguma coisa tremeu
um pouco... lá embaixo”.
Todos sabiam
que ali ainda estava a pequena yao raposa, então se concentraram nas
paredes, telhados, e lugares desse tipo, mas não esperavam aqueles movimentos
na terra abaixo deles.
“Existem yaoguais
que podem se deslocar por baixo da terra?”, perguntou Li Jinglong.
Hongjun
prontamente pensou em um — o peixe ao[3] que
ele havia perseguido por quase vinte li[4] aquele dia!
Depois de ser
informado disso, Li Jinglong imediatamente saltou para baixo, dizendo,
“Reúnam-se todos no quintal!”
O chão se
inchou novamente e uma nuvem de névoa negra emergiu, transformando-se no corpo
de um homem alto e magro. Ele vestia um conjunto de roupas pretas e tinha uma
ferida em cicatrização na testa. Ele empurrou a porta e entrou.
Com um
rangido, a porta do quarto de Hu Sheng se abriu. A porta da jaula estava completamente
aberta e ali havia uma mulher com machucados pelo corpo, seu rosto totalmente
pálido. Era Jin Yun e, com lágrimas nos olhos, ela colocou Hu Sheng na cama,
cobrindo-o com um cobertor enquanto falava em voz baixa, “Comandante Hu, eu
realmente sinto muito... eu também não queria...”.
“Você ainda
foi capaz de desenvolver sentimentos por ele após lhe fazer companhia”, disse
friamente o homem vestido de preto.
Jin Yun virou
bruscamente a cabeça, quase morta de susto, e então franziu o cenho. “Fei Ao?”[5].
Fei Ao
respondeu, “Os superiores decidiram, tenho que te levar para longe da cidade de
Chang’an imediatamente.”
Jin Yun
suspirou e lamentou, “A irmã mais velha e a segunda irmã foram mortas por eles.
Seu ferimento está melhor?”
Fei Ao se aproximou
e levantou o rosto de Jin Yun pelo queixo ao dizer, “Ninguém esperava que,
desta vez, o Departamento de Exorcismo fosse ser um osso tão duro de roer. Só
espere, vou vingá-las. Vamos!”.
Jin Yun deu um
passo à frente, mas não conseguiu evitar cambalear. Quando Fei Ao viu que ela
estava machucada, levantou as mangas e a abraçou. Energia yao emanou da
mão esquerda dele em uma corrente constante, que fluiu para a cabeça dela,
curando suas feridas. O rosto de Jin Yun lentamente recuperou um pouco de cor.
Os cinco
membros do Departamento de Exorcismo estavam espalhados pelo pátio do lado de
fora; Mo Rigen, empoleirado no alto do muro, puxava lentamente a corda do seu
arco longo e mirava diretamente nas duas silhuetas humanas no quarto.
Qiu Yongsi e
Li Jinglong se agacharam do lado de fora da porta, ouvindo a conversa que vinha
de dentro.
A-Tai e
Hongjun se esconderam nas sombras, um segurando um leque nas mãos e o outro
preparando suas três facas.
“O principal
inimigo ainda nos espera, você não deveria desperdiçar seu cultivo comigo,” Jin
Yun protestou em voz baixa.
Fei Ao
respondeu casualmente “Depois desta noite, iremos para longe e não ficaremos mais
em Chang’an. Quando você e eu tivermos cultivado o suficiente, poderemos voltar
para nos vingar por suas irmãs.”
Jin Yun de
repente sentiu uma insinuação inesperada nas palavras dele e exclamou, “Eles
permitiram que viesse para me matar?”
“Enquanto eu
estiver aqui, ninguém vai encostar em você", respondeu Fei Ao.
“E as outras jie[6]?”,
perguntou Jin Yun. “Receio que Li Jinglong continuará investigando.”
Fei Ao
respondeu “Além do cadáver pelo qual sua segunda irmã se sacrificou, todos os
outros foram escondidos sem deixar vestígios. Como ele vai continuar
investigando? Vai prendê-las uma a uma e interrogá-las? Depois dos exames do
ano que vem, vamos ter a chance de ensinar uma boa lição a Li Jinglong e nos
certificar de que ele não tenha um túmulo para se deitar quando morrer! Deixá-lo
simplesmente morrer seria muito pouco”.
Ao ouvir
aquelas palavras, Qiu Yongsi e Li Jinglong ficaram atordoados. Os olhos de Li
Jinglong ainda estavam cheios de horror quando ele levantou a mão para
sinalizar para os outros, mas não chegou a baixá-la a tempo.
Naquele exato
momento, Fei Ao, ainda abraçado a Jin Yun, já havia aberto a porta e dado um
único passo para fora...
Li Jinglong
sequer chegou a gritar para que agissem e Mo Rigen, muito rapidamente, disparou
uma flecha. Naquele instante, no entanto, Jin Yun já havia sentido o perigo e
empurrado Fei Ao para o lado, sendo atingida e caindo no chão com um grito de
dor.
“Não o deixem
escapar!”, gritou Li Jinglong.
A reação de
Fei Ao foi quase imediata; no momento em que Jin Yun foi atingida pela flecha,
ele percebeu que aquilo era uma armadilha e correu para fora da porta
arrastando Jin Yun com uma mão! Li Jinglong sacou sua espada e Fei Ao
subitamente se virou e saltou na direção dele, gritando furiosamente, “Morra!”
Todos se
assustaram, com medo de que Li Jinglong não fosse capaz de se defender daqueles
ataques. No mesmo instante, flechas e facas de arremesso foram lançadas na
direção de Fei Ao, que rugiu com raiva e soltou uma explosão de gotas d'água ao
seu redor, que se dispersaram em todas as direções.
Li Jinglong
era quem estava mais perto do inimigo e foi jogado para trás pela força da
explosão.
Hongjun lançou a Luz Sagrada Pentacromática para bloquear o golpe,
protegendo a si próprio e A-Tai, mas quando estava prestes a sair para resgatar
Li Jinglong, este chutou um pilar tomando impulso. Levantando sua espada sobre
a cabeça com as duas mãos, Li Jinglong urrou com raiva, “É você quem deve
morrer! Yao maligno!”
O corpo e a
espada de Li Jinglong voaram juntos na direção de Fei Ao. Enquanto o outro
balançava a espada para baixo, Fei Ao levantou a mão e, com um “dang”,
apanhou a lâmina. Ele puxou a espada, fazendo-a girar e mais uma vez
arremessando Li Jinglong para longe como se fosse um boneco de pano.
“Fei Ao, vá
embora, rápido... não se preocupe comigo...”, disse Jin Yun, ofegando seus
últimos suspiros.
“Eu vou
matá-los!”, Fei Ao estava em uma fúria incontrolável e não conseguia parar de arfar.
“Com essas
habilidades?”, A-Tai riu friamente.
Naquele
instante, Hongjun recolheu a Luz Sagrada. A-Tai abriu o leque dobrável azul e,
no exato momento em que Hongjun recolheu a luz, o abanou.
Do chão plano
surgiu um tornado que sugou todo o vapor de água liberado por Fei Ao,
transformando-se em um furacão que bateu fortemente contra o corpo dele com um
grande estrondo. As portas e janelas do quarto de Hu Sheng foram destruídas pela
força daquele golpe, mas Mo Rigen permaneceu calmo e disparou três flechas que
atingiram firmemente o corpo de Fei Ao. Em resposta, Fei Ao se transformou em
um grande peixe em pleno ar e Li Jinglong gritou, “Hongjun! Facas de arremesso!”
Hongjun lançou
outra faca e com consecutivos “shua shua shua”, flechas e facas se
enterraram no corpo de Fei Ao.
O gigante
peixe ao quebrou a parede traseira do quarto e se afundou na terra,
levando consigo a segunda faca de arremesso de Hongjun, enquanto corria para
fora do acampamento do Exército Longwu.
Em pouco
tempo, todo o Exército Longwu tinha ouvido a confusão e cada um dos soldados acendeu
sua própria tocha. Li Jinglong gritou, “Vão atrás dele! Nós não podemos
deixá-lo fugir de novo!”
Todos saíram
em perseguição através do buraco que o yao havia aberto na parede do pátio
e, atrás deles, o quartel estava em alvoroço. Hongjun gritou, “Sigam minha faca!”
Logo em
seguida, como naquela noite, o chão inchou e o peixe ao levou a faca de arremesso
consigo, enquanto fugia em direção à parte norte da cidade.
“Por favor,
não vá para o palácio...”, falou Li Jinglong. “Continuem atrás dele!”
Os membros do
Departamento de Exorcismo aceleraram os passos, perseguindo o peixe ao.
Hongjun ainda precisava recuperar sua primeira faca de arremesso e, desta vez,
jurou que não o deixaria fugir novamente. Ele lançou o gancho, saltando
facilmente para os telhados, e Mo Rigen também saltou seguindo atrás dele.
A-Tai abanou novamente o leque, fazendo soprar uma forte rajada de
vento, que igualmente o levou até o telhado. Li Jinglong seguia atrás deles e
também conseguiu subir com alguns poucos passos.
“Pessoal...
esperem por mim!”, gritou Qiu Yongsi.
Li Jinglong: “...”
Qiu Yongsi
ainda estava escalando o muro, mas ele não conseguiu terminar de subir mesmo depois
de algumas tentativas, então Li Jinglong teve que voltar e puxá-lo para cima.
Naquele momento, os três à frente já tinham sumido sabe-se lá em qual direção e
Li Jinglong disparou sem paciência, “Anda logo!”, e continuou a correr em
frente.
O peixe ao
felizmente evitou o palácio, dirigindo-se mais para o norte da cidade com a faca
de arremesso cravada em sua carne.
Hongjun gritou alto, “Ele quer deixar a cidade! Está saindo do chão!”
“Hongjun! Me
joga pra cima!”, gritou A-Tai.
Hongjun: “?”
O peixe ao
estava se movendo muito rápido; ele já havia alcançado o portão noroeste da
cidade e Hongjun não tinha tempo para pensar. Ele lançou o gancho e, enquanto se
balançava para baixo com ele... A-Tai saltou para fora do telhado, virando-se
em pleno ar e estendendo uma mão que Hongjun agarrou firmemente. Usando toda
sua força, Hongjun agarrou aquele pulso e, com um arremesso feroz, mandou A-Tai
voando pelos ares.
Seguindo de
perto, Mo Rigen também saltou, agarrando o pulso de Hongjun e gritando, “Desculpe
o incômodo!”
E, com outra
sacudida, Hongjun também jogou Mo Rigen voando em direção à muralha da cidade.
Era tarde da
noite, no entanto os guardas da cidade ainda saboreavam os eventos engraçados
que aconteceram hoje em Chang’an.
“Fiquei
sabendo que Li Jinglong pegou uma raposa e a mandou para o Exército Longwu
dizendo que tinha capturado um yao, ha ha ha!”
“Ele ficou
louco pensando em como ganhar reconhecimento! Amanhã também vou levar um
cachorro...”
“Que barulho é
esse?”
Alguns guardas
da cidade ouviram o estrondo perto do chão e os gritos de A-Tai e Hongjun em
frente ao portão, então correram para o lado da torre para olhar para baixo.
Li Jinglong e
Qiu Yongsi se apressaram.
O peixe ao
rompeu o solo, voando para cima.
O corpo de
A-Tai voava em pleno ar quando o peixe ao soltou um grito rouco, voando
na direção dele enquanto abria sua boca sanguinolenta. Quando estava prestes a
ser mastigado e transformado em pasta de carne, A-Tai puxou o alaúde amarrado
às suas costas e falou, “Vai lá pra baixo!”
Dizendo isso,
A-Tai ergueu o alaúde barbat e bateu com força no peixe ao.
Todo mundo: “...”
Aquele golpe
foi devastador, gerando um enorme estrondo. No momento em o alaúde o golpeou,
foi como se uma explosão de ondas sonoras tivesse acontecido, e o peixe ao
de quase três zhang[7] de comprimento foi jogado contra a
muralha da cidade. Poeira e pedaços de pedra voaram por todos os lados e ele
caiu do lado de fora da cidade com um grande baque!
“Impossível!”,
gritou Hongjun. “Você realmente usou o alaúde para bater nele!”
A-Tai: “Hã?”
Mo Rigen riu
alto enquanto pisava nos tijolos que voavam. Ele puxou a corda de seu arco, soltando
três flechas em sequência nos três olhos compostos na testa do peixe
ao. O peixe rugiu de dor e, quando as flechas voaram de volta por conta
própria, arrancaram os olhos das órbitas!
Logo em
seguida, o peixe ao mergulhou no chão do lado de fora da cidade. Assim
que Li Jinglong e Qiu Yongsi correram em direção ao portão, Li Jinglong gritou,
“Rápido, abram o portão!”
Neste
instante, vários guardas do portão estavam à beira de um colapso.
Li Jinglong
gritou, “Assuntos do Departamento de Exorcismo! Se não abrirem, responderão por
isso mais tarde!”
Os guardas se
apressaram em abrir e Li Jinglong não tinha tempo a perder com conversa fiada,
enquanto arrastava consigo um ofegante Qiu Yongsi para fora da muralha.
“Onde estão os
cavalos?”, Li Jinglong olhou ao redor em todas as direções.
“Onde está o yaoguai?”,
das sombras em que se encontrava, Mo Rigen também olhava em todas as direções.
Li Jinglong
apontou mais para o norte, indicando que ele tinha fugido naquela direção.
“A-Tai, você é
tão forte!”, Hongjun se engasgou de espanto.
A-Tai falou
humildemente, “Não, não; eu não sou tão poderoso quanto você, xiaodi".
“Não, não, sua
magia é tão poderosa!”, Hongjun estava agora idolatrando A-Tai com toda
sinceridade, especialmente aquele golpe com o alaúde.
“Nosso A-Tai é
o Arquimago das Regiões Orientais...” Qiu Yongsi se apressou em acrescentar.
“Já chega de
você!”, disse A-Tai, “Qiu Yongsi, além de nos assistir fazendo macaquices esses
dias, o que mais você fez? Já passou da hora de mostrar um pouco das suas
habilidades!”
Qiu Yongsi
falou, “Eu realmente não posso...”
“Parem de
conversa mole!”, Li Jinglong falou impaciente. “Venham aqui, achamos os
cavalos!”
Mo Rigen e Li
Jinglong trouxeram alguns corcéis. Hongjun inicialmente estava desapontado
porque o yaoguai fugiria novamente com sua segunda faca, mas quem
imaginaria que realmente havia cavalos preparados do lado de fora da cidade?
Todos
montaram, seguindo pela estrada enquanto perseguiam o yaoguai. Li
Jinglong sacou sua espada, apontando-a para a norte, e ela começou a brilhar.
“Como é que
temos cavalos?”, perguntou Hongjun curioso.
“Eles foram
preparados à tarde”, respondeu Li Jinglong. “Norte, sul, leste, oeste; cada um
dos quatro portões tinha cavalos a postos.”
Os cavalos de
guerra galoparam na noite escura ao longo da estrada para o norte; a espada
brilhando cada vez mais forte. O peixe ao tinha sido gravemente ferido,
então sua velocidade caiu drasticamente enquanto deslizava pelos campos de
trigo já colhidos, correndo em direção às cordilheiras do norte.
“Esta espada
realmente pode sentir suas facas de arremesso”. Com uma mão, Li Jinglong
segurava as rédeas e, na outra, a espada brilhava intensamente, iluminando o
caminho à frente deles.
Qiu Yongsi
disse, “Talvez sejam feitas do mesmo material. Armas mágicas da mesma origem frequentemente
têm efeitos ressonantes”.
Todos pararam
seus cavalos em frente ao Palácio Daming e Li Jinglong ficou bastante aflito
com aquele desenrolar de acontecimentos. Sua testa se enrugou em um nó, mas a
luz no corpo da espada estava firme como nunca — o yaoguai havia entrado
no Palácio Daming.
"Vamos
invadir?”, Mo Rigen perguntou.
“Vamos
invadir", falou Li Jinglong.
Hongjun lançou
seu gancho, escalando o muro de vários zhang de altura que
cercava o palácio, e todos o seguiram para entrar sorrateiramente.
Ainda que o
Palácio Daming fosse um dos palácios residenciais de Li Longji[8],
era muito menos favorecido que o Palácio Xingqing. Li Longji raramente vinha até
aqui, pois ficava fora dos limites da cidade de Chang’an e apenas algumas
centenas de criados tomavam conta dele. Li Jinglong fez um gesto para que todos
os seus subordinados o seguissem e eles rapidamente se esgueiraram em direção
aos corredores.
As pessoas no
palácio já estavam há muito tempo adormecidas e um fino brilho de luar
iluminava o lugar, transformando-o em uma imagem pura e melancólica.
O corpo da
espada ficou cada vez mais brilhante e o vento de outono soprou através das leves
cortinas, enquanto gritos entrecortados vinham do pátio aos fundos.
Fei Ao
agarrou-se à raposinha morta e se ajoelhou no pátio com o coração entristecido,
deixando escapar soluços roucos.
“Por que
você... morreu assim...”, soluçou Fei Ao.
Quando ouviu aquele
choro, Hongjun sentiu um nó na garganta[9]. Mo Rigen pareceu perceber
seu sentimento e pressionou gentilmente o ombro alheio com a mão.
Li Jinglong
falou em voz baixa, “Daqui a pouco, por favor, usem suas melhores técnicas, não
as escondam mais. Principalmente você, Qiu Yongsi.”
Qiu Yongsi
pôde apenas sorrir um pouco.
“E tentem
mantê-lo vivo”, acrescentou Li Jinglong. “Precisamos levá-lo de volta e
interrogá-lo para acabar com nossos inimigos o mais rápido possível. Não façam
muito estrago.”
Todos soltaram
um “hum” em concordância, enquanto Li Jinglong refletia novamente sobre algumas
questões. Aquele era, afinal, um ser não-humano, e se ele machucasse humanos,
isso seria ainda pior. Então emendou, “Bem, façam o que tiverem que fazer e
esqueçam o que acabei de dizer.”
Logo em
seguida, ele fez um gesto com a mão e todos se dispersaram, espalhando-se pelos
quatro cantos do pátio posterior.
Li Jinglong
levantou sua espada e andou em direção ao pátio. Hongjun, Mo Rigen e o restante
deles assistiu ansiosamente Li Jinglong. Hongjun franziu o cenho pensando; toda
vez era Li Jinglong quem ia atrair os inimigos, o que era realmente muito
perigoso.
A faca de arremesso
de Hongjun estava presa às costas de Fei Ao, ainda emanando raios de luz
brilhantes.
Li Jinglong
parou a dez passos de distância de Fei Ao, ficando de frente para ele naquele
pátio espaçoso.
“Vamos",
falou Li Jinglong. “No ponto em que as coisas chegaram, não há mais o que conversar.”
Fei Ao
respondeu com a voz rouca, “Li Jinglong, deixe-me adivinhar, existe alguém de
quem você gosta? Quem é a pessoa que você ama?”
Li Jinglong
ficou em silêncio, seus olhos acompanhando atentamente cada movimento de Fei
Ao.
Fei Ao falou
novamente com a voz rouca, “Se você não me matar hoje, no futuro vou morder
toda a carne dos ossos da sua amada, um cun[10] por vez. Vou
arrancar a pele dela, de pouquinho em pouquinho, e vou rasgar os nervos dela um
por um.”
“Haverá um dia
em que usarei os tendões dela para quebrar seu pescoço”. Fei Ao levantou a
cabeça e, quando ele olhou para Li Jinglong, Hongjun, que assistia atentamente
à distância, não conseguiu evitar tremer um pouco. Esta foi a primeira vez que
ele viu tamanho ódio e hostilidade nos olhos de um yao; parecia até que
ele estava prestes a disparar energia negra.
Fei Ao abriu a
boca e seu rosto de repente ficou deformado, revelando uma boca cheia de dentes
afiados! Li Jinglong agarrou firmemente sua espada e respondeu, “Que pena, acho
que você não vai viver pra ver esse dia.”
Fei Ao
prometeu roucamente, “Mesmo que eu morra hoje nas suas mãos, alguém vai me
ajudar conseguir essa vingança sangrenta!”
“Vão!”, Qiu
Yongsi gritou de repente.
Ninguém
esperava que, antes mesmo de Li Jinglong dar uma ordem, Qiu Yongsi seria o
primeiro a abrir a boca!
Hongjun também
temia que Li Jinglong não conseguisse se defender do golpe desesperado de Fei
Ao, então lançou uma faca de arremesso com um "shua"! Conforme
esperado, incontáveis dentes afiados e brilhantes dispararam para fora da
garganta de Fei Ao e Li Jinglong inclinou-se para trás, recuando. A faca de arremesso
varreu horizontalmente, bloqueando os dentes perversamente afiados que voaram
como uma tempestade de pétalas de flores na primavera!
A faca arremessou
aqueles dentes afiados para o lado, fazendo-os voarem em todas as quatro
direções com uma série de estampidos.
Hongjun
gritou, “Li Jinglong!”
Desta vez, Li
Jinglong estava bastante preparado; ele rapidamente jogou o corpo para trás, para
evitar ser novamente pego por Fei Ao enquanto todos liberavam seus ataques –
mas, na verdade, Fei Ao havia feito um movimento em falso, virando-se e
correndo para o corredor dos fundos do Palácio Daming!
Naquele
instante, Mo Rigen enviou suas Sete Flechas Cabeça-de-Prego[11] de
uma vez, que viraram em pleno ar e seguiram Fei Ao palácio adentro. Hongjun e A-Tai já tinham saído correndo atrás
dele.
“Esperem!”, Li
Jinglong quis gritar, mas Qiu Yongsi falou em voz alta, “A arma mágica de
Hongjun é a mais indicada para lutar, não precisa se preocupar com ele. Vamos,
chefe!”
Li Jinglong,
Qiu Yongsi e Mo Rigen seguiram imediatamente. A porta de madeira, que fora
antes destruída pelo peixe ao, foi agora atingida por algo desconhecido,
emitindo um alto estrondo. Logo em seguida, A-Tai, o leque em uma mão e, na
outra, os anéis brilhando simultaneamente com vermelho, azul, amarelo e verde
intensos, bateu a palma da mão no chão.
Com um estrondo,
o chão começou a tremer e toda a parte dos fundos do palácio pulou do chão
devido à magia de A-Tai!
O peixe ao
não tinha como mergulhar novamente no solo, então virou a mandíbula na direção
de A-Tai para mordê-lo. Porém, naquele exato momento, Hongjun já havia entrado na
frente de A-Tai e bloqueado. Com um movimento, a Luz Sagrada Pentacromática desviou
o golpe como se fosse um poderoso escudo impenetrável! No instante em que
aquele golpe foi desferido, Hongjun urrou com raiva, “Cai fora, porra!”
Assim que o
peixe se chocou contra a Luz Sagrada Pentacromática, houve uma explosão de
energia que o jogou diretamente para trás!
O enorme peixe
ao tombou no meio do corredor, derrubando diversos móveis e peças de
cerâmica. A confusão alertou os guardas do lado de fora, que vieram correndo
para averiguar o que estava acontecendo. O lugar se encheu de gritos.
“Pessoal,
vocês...”, Li Jinglong correu para o corredor e, ao ver aquela bagunça pelo
chão, se perguntou quanto dinheiro teriam que pagar para compensar. Ele gritou
apressado, “Atraiam-no para lutar lá fora!”
“Vou fazer o
possível!”, gritou Hongjun e disparou na frente, Mo Rigen seguindo-o atrás.
Enquanto corria, ele invocou de volta as Sete Flechas Cabeça-de-Prego com um
movimento ágil de mão. Recolhendo-as em um monte, colocou-as todas no arco,
onde emitiram milhares de raios de luz.
Com uma mão,
Hongjun segurou a pena de pavão verde enquanto carregava a Luz Sagrada
Pentacromática e, com a outra mão, golpeou como se fosse uma espada. As facas
de arremesso voaram como meteoritos na direção do peixe ao, ao mesmo
tempo em que A-Tai abanou o leque três vezes e três tornados imbuídos com o
poder de raio, geada e areia voadora surgiram respectivamente.
O interior do
salão dos fundos foi destruído pelo peixe ao descontrolado. Quando ele
estava prestes a esmagar outra parede e fugir para um palácio lateral, as
flechas de Mo Rigen finalmente deixaram o arco enquanto ele gritava, “Recuem!”
Hongjun estava
à frente, bloqueando a fúria do peixe ao. Ao ouvir o grito, deu um passo
para trás, de onde Li Jinglong conseguiu agarrá-lo pela gola e puxá-lo de
volta. As Sete Flechas Cabeça-de-Prego se agruparam, emitindo uma luz forte,
assoviando enquanto atravessavam um pilar, atingindo o peixe ao e
perfurando seu abdômen.
Os três
tornados vieram na sequência e derrubaram outra parede, que esmagou o peixe ao,
atirando-o para uma praça do lado de fora do salão dos fundos do Palácio
Daming.
✦✦✦
Notas de
tradução:
[1] Tratante: No original,
“servo/escravo”, um xingamento arcaico.
[2] “Festival
dos Fantasmas” ou “Festival dos Fantasmas
Famintos” (em chinês 盂蘭/Yu Lan),
acontece no dia 15 do sétimo mês, de acordo com o calendário lunar. É neste dia
que os espíritos e fantasmas saem para visitar os vivos (lembra o Dia de Los
Muertos do México). Soltar lanternas: acredita-se que elas evitem
desastres se você as soltar em água corrente (por exemplo, em um rio). Ponte
Qushui: não existe atualmente uma ponte com esse nome, mas
parece que existia um rio chamado Rio Qu que corria pelos Jardins Reais. Então
esta ponte poderia ser uma que cruzava o rio em um ponto específico ou pode
também apenas se referir a uma ponta sobre o rio.
[3] Peixe ao: já apareceu
na nota de rodapé do capítulo 04. Relembrando e aprofundando, são peixes que
inicialmente eram carpas que queriam saltar sobre o Portal do Dragão, mas, ao
invés disso, acabaram roubando e engolindo uma pérola de dragão do mar, o que
os transformou em criaturas com cabeça de dragão e corpo de peixe.
[4] Li: medida
chinesa que equivale a 500m. Ou seja, Hongjun o perseguiu por cerca de 10 km
(20 li).
[5] Fei Ao (飞獒): o primeiro caractere significa "voar"
e o segundo significa "mastim/mastiff", ou seja, um cão voador que
cumpre as ordens de seu mestre.
[6] Jie: literalmente
irmã mais velha. Sufixo usado para uma amiga mais velha ou parente.
[7] Zhang: medida
chinesa que equivale a 3,33m.
[8] Li Longji: imperador
Xuanzong, o atual imperador. Seu nome de nascimento é Li Longji.
[9] Nó na
garganta, no original, “nariz arder de emoção”,
aquela sensação que temos pouco antes de chorar.
[10] Cun:
sistema de medida chinesa que equivale a 3,33 cm.
[11] Sete Flechas Cabeça-de-Prego: uma arma mística que, em conjunto com o Livro das Sete Flechas Cabeça-de-Prego, pode ser usada como uma forma de maldição de longa distância, como um boneco de vodu. Basta escrever o nome da pessoa que se quer matar no livro e ela sofrerá vários infortúnios. Se ao fim de vinte e um dias a pessoa não estiver morta, as flechas devem ser enfiadas em um boneco de palha com o nome da pessoa escrito nele, que vai servir de parâmetro do corpo real e vai morrer. Nesta obra, no entanto, elas parecem ser apenas um artefato/arma mágica com a habilidade de serem invocadas de volta conforme desejo de seu dono.
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