sábado, 4 de março de 2023

[Novel] Tianbao Fuyao Lu - Capítulo 015

   


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Tradução: Foxita
Revisão: Miss Sw
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Capítulo 15 – Os Acontecimentos Nublados do Passado



"Então, temos que voltar àquele quarto para investigar... Hongjun?"
Li Jinglong franziu o cenho. Todos olharam para Hongjun ao mesmo tempo, vendo-o se levantar inconscientemente e parar no meio do corredor.
Este lugar era familiar, mas, em suas memórias, tudo era diferente. Hongjun olhou ao redor e teve a forte sensação de se lembrar de um conjunto de memórias inéditas... O que estava acontecendo?
Era por causa do pólen de Lihun? Mas o efeito do pólen não era fazer esquecer? Então como poderia fazê-lo se recordar do passado?
"Pai...! Pai!"
Em suas memórias, o pequeno Hongjun gritava com a voz rouca, quando uma sombra negra sobrevoou e pousou no pátio.
Era Qing Xiong! Hongjun de repente virou a cabeça e viu o Qing Xiong do passado.
Ele vestia um manto longo em peça única e deu um passo à frente, falando com a voz profunda, “Já chega de matar.”
No pavilhão, sob as brilhantes luzes douradas, um casal se abraçava até a morte. Seus rostos estavam irreconhecivelmente nublados e o pequeno Hongjun se jogou nos corpos, chorando e gritando histericamente, mas Qing Xiong o levantou pela gola e o puxou para trás.
"Pai!" o pequeno Hongjun gritou lamentoso, mas a voz de Qing Xiong soou de algum lugar próximo ao seu ouvido.
"Shh. Olhe para mim, olhe para mim" Qing Xiong se ajoelhou e virou Hongjun na própria direção, fixando os olhos nele. Seus lábios tremularam levemente ao dizer algo para Hongjun.
O pequeno Hongjun permaneceu em silêncio no pátio, olhando ao redor, até que Qing Xiong o forçou a olhar apenas para ele, pressionando levemente a cabeça alheia e falando com ele - mas aquelas palavras soaram indistintas.
O que Qing Xiong dissera? O cenho de Hongjun estava firmemente franzido. Qing Xiong parecia dizer aquilo com frequência, mas ele não conseguia se lembrar. Mas e o Departamento de Exorcismo e aquele casal morto; o que estava acontecendo ali?!
"Hongjun!" todos gritaram.
Li Jinglong foi até o pátio, ergueu a mão e a moveu na frente do rosto de Hongjun, perguntando, "Você está bem?"
Hongjun tinha a incômoda sensação de que havia se esquecido de algo que Qing Xiong lhe dissera, algo importante, e, ao invés disso, parecia ter se recordado de acontecimentos ainda mais estranhos. Ele fechou os olhos e chacoalhou a cabeça em uma tentativa de limpar a mente dessas memórias confusas.
Li Jinglong perguntou surpreso, "Qual o problema?"
Hongjun respirou fundo e gesticulou que não era nada para se preocupar. Todos voltaram para o salão principal e se sentaram. Ele ergueu as sobrancelhas, perguntando sem usar palavras a quais conclusões tinham chegado.
"Agiremos hoje à noite," disse Li Jinglong. "Acho que temos uma noção do que estamos fazendo. Parece que nos deparamos com algum tipo de pista no Yishi Lan, mas precisamos verificar novamente para termos certeza. Todos deveriam descansar um pouco; nos reuniremos novamente à noite."
Mo Rigen, A-Tai e Qiu Yongsi assentiram, mas ninguém se moveu e todos continuaram a observar Hongjun, que rapidamente os assegurou que estava bem e finalmente eles se dispersaram.
À tarde, assim que Hongjun se deitou, Li Jinglong foi ver como ele estava. Ele se sentou na beirada da cama e perguntou, “Kong Hongjun, o que aconteceu com você hoje?”
Ao dizer isso, Li Jinglong levantou a própria mão e cobriu a de Hongjun com a sua.
Os batimentos cardíacos de Hongjun aceleraram e, do fundo do seu coração, veio o estranho anseio de segurar a mão de Li Jinglong e contar a ele tudo sobre aquelas memórias de agora - mas ele próprio não havia desvendado o que estava acontecendo, então apenas respondeu, “Não é nada.”
“Se alguma coisa te preocupa, pode me contar quando quiser,” disse Li Jinglong ao afastar sua mão. “Se sente desconforto ao inalar pólen de Lihun, temos que pensar rápido em uma solução.”
Hongjun imediatamente assegurou que não tinha nada a ver com o pólen de Lihun e Li Jinglong concordou com a cabeça, virou-se e saiu. Hongjun, por sua vez, rolou para o lado, bocejou e adormeceu.
À medida que o sol se pôs, as montanhas projetaram suas sombras sobre o Palácio Daming.
Uma mulher em trajes rebuscados caminhou na sombra sob a parede externa do palácio, movendo-se silenciosa como um fantasma.  
“Eu senti, está em Chang’an.”
Um homem vestido de preto com uma cicatriz na testa ficou em silêncio.
“Fei Ao, vá verificar,” a mulher o pressionou.
“Me dê algo para comer,” respondeu impaciente o homem de preto que acabara de ser chamado de Fei Ao.
“Haverá comida,” a mulher falou severamente. “Precisamos encontrar aquele sujeito. Mara ainda não está estável...”
“Me dê comida!” Fei Ao arreganhou os lábios, revelando dentes afiados.
“Aquilo não é sua comida!” falou a mulher dando ameaçadoramente um passo para a frente. “Traga-o de volta, então naturalmente haverá algo para você comer.”
Os olhos dela de repente piscaram em vermelho. Fei Ao recuou meio passo, acalmando-se um pouco. Em seguida, virou-se e pulou sobre o muro, desaparecendo em meio ao crepúsculo.
“Madame.” uma empregada se aproximou, mas não viu ninguém. Ela perguntou suavemente, “Havia mais alguém aqui? A senhora...”
No mesmo instante, a mulher virou a cabeça e a empregada soltou um grito estridente.
“Socorro...” a empregada tentou gritar, mas seu grito foi abafado pela névoa negra que a encobriu. Os olhos dela se arregalaram, encarando diante de si o rosto coberto de pelos ligado ao corpo de um monstro requintadamente vestido. Uma gargalhada saiu de sua garganta, conforme toda a pele do corpo da empregada secava em uma velocidade impossível de se acompanhar com olhos humanos. Em um instante, ela se tornou nada mais que um pedaço enrugado e esquelético de carne seca humana, fazendo um ruído suave ao cair de cabeça no chão.
A guifei[1], ainda vestindo o conjunto de roupas requintadas, caminhou em direção ao pôr do sol, assobiando em direção às montanhas. Algumas raposas selvagens saltaram sobre o cadáver da empregada, arrastando-o para fora do Palácio Daming e, por fim, jogando-o em um vale na montanha.
“Hongjun, acorde.” Mo Rigen deu um tapinha no ombro alheio. Hongjun sentia uma forte dor de cabeça, mas rolou para o lado e se levantou.
Mo Rigen sentiu a testa de Hongjun, que não parecia ter febre, então perguntou, “Não está confortável?
Quer dormir mais um pouco?”
Hongjun tivera um sonho longo e estranho, mas se esqueceu de tudo ao acordar, logo apenas acenou com a mão indicando que não era nada. 
Quando saíram do Departamento de Exorcismo, todos já tinham feito seus preparativos. Li Jinglong carregava um arco pendurado nas costas e a espada no quadril. No momento, distribuía tarefas para todos.
Hongjun se lembrou daquele momento à tarde, em que Li Jinglong colocou a mão sobre a sua, sentindo de repente que ele era muito confiável; por isso, chegou um passo mais perto. Li Jinglong pausou por um momento, mas como havia outras pessoas por perto, não tinha nada a dizer e apenas acenou uma vez com a cabeça.
O yao carpa estava empoleirado nas costas de um cavalo. Seu par de pernas peludas balançava no ar e sua cabeça estava apoiada nas costas de Li Jinglong, enquanto cochilava com as mãos penduradas sobre os ombros alheios.
“Hm... vamos.” Hongjun decidiu esquecer os estranhos acontecimentos da tarde, mesmo que isso lhe desse uma vaga inquietação.
Os tambores soaram novamente e os cinco montaram seus cavalos, galopando em direção a Pingkang Li. A-Tai e Qiu Yongsi viraram na rua principal, enquanto Li Jinglong, Hongjun e Mo Rigen rumaram para o beco. Mo Rigen acenou para os dois, em seguida pulou sobre o muro e entrou no quintal do Yishi Lan.
“Hammurabi e Qiu Yongsi vão chamar a atenção das pessoas no prédio,” Li Jinglong explicou enquanto colocava o yao carpa no chão e via Hongjun olhar ao redor. “Mo Rigen ficou encarregado de transmitir as mensagens entre nossos grupos. Nós dois vamos voltar àquele quarto para investigar novamente.”
“Uau, é tão animado,” falou Hongjun.
Esta era a primeira vez que Hongjun saía após o soar dos tambores e ele sentia que Chang’an era um lugar completamente diferente. Cada prédio de Pingkang Li estava repleto de luzes e dança. As lanternas vermelhas estavam todas acesas, lançando um brilho rubro sobre os arredores, enquanto a música ressoava pelas ruas.
À esquerda, o som da pipa[2] flutuava saindo do Liuying Chunxiao em direção às ruas, como milhares de pérolas caindo suavemente em um grande tambor; à direita, Yishi Lan era preenchido pelo som de mais de dez  konghous[3], que borbulhavam incessantemente como uma nascente da montanha que se libertara do confinamento da neve. Nas duas torres acima, extensos pedaços de tecido vermelho balançavam, acompanhando os ocasionais elogios gritados por comerciantes e acadêmicos, conforme as proprietárias sorriam sem parar. Ao se contemplar o Yishi Lan, via-se cada torre iluminada por lanternas brilhantes e, por trás das cortinas, rica decoração em ouro e esmeralda Qianfeng, enquanto sombras humanas passavam como silhuetas em uma lanterna giratória estampada[4]. A frase “cantando e dançando a noite inteira, nestas dez milhas de Pingkang” era perfeita para descrever o cenário.
“Para que serve esse lugar?” Hongjun finalmente sentiu a dúvida agitar seu coração.
Li Jinglong não podia acreditar; Hongjun nem mesmo sabia o que era um bordel. Ele não sabia dizer se Hongjun era ingênuo ou estava fingindo, então olhou pensativo para ele à sua frente por um momento. Notando que o rosto alheio era completamente inocente, perguntou, “Você está falando sério?”
Hongjun: “?”
“É um...” Li Jinglong teve dificuldade por um momento, e finalmente disse, “bem, não é um bom lugar.”
Hongjun perguntou novamente, “Daquela vez em que te levei para o Liuying Chunxiao, por que riram de você depois?”
Li Jinglong segurou a própria testa, indicando que ele não fizesse mais perguntas. A verdade era que, qual dos oficiais de Chang’an não frequentava esses lugares? Foi apenas uma desculpa para usá-lo como exemplo, só isso.
Mas Hongjun tinha uma curiosidade capaz de quebrar potes de barro para chegar ao fundo das coisas, então prosseguiu, “Você já veio aqui antes?”
“Não,” respondeu Li Jinglong. Bem naquele momento, um acadêmico abraçado e uma bela mulher saiu
cambaleando de uma viela próxima. Claramente bêbado, seguiu oscilante em direção à porta dos
fundos. Li Jinglong puxou Hongjun para o lado, escondendo-se com ele em uma área mais escura.
Hongjun não pôde evitar dar uma espiada, pois a suspeita em seu coração estava prestes a romper o céu.
Li Jinglong viu que ele não estava fingindo e respondeu de maneira direta, “Eu não gosto de...”
“Não gosta do quê?” Hongjun perguntou virando a cabeça para trás. Os dois estavam extremamente próximos e Li Jinglong duramente recuou um pouco, colocando algum espaço entre eles.
“Eu não gosto desses romances passageiros,” respondeu Li Jinglong.
Hongjun provavelmente seria capaz de ler nas entrelinhas e entender o significado por trás daquelas
palavras. Surpreso, Li Jinglong perguntou, “Por que você nunca entende nada? Além dos seus pais, o
yao carpa nunca te ensinou nada?”
“Me conte, então.” Hongjun colocou uma mão atrás da orelha. Quanto mais secreta e misteriosa alguma coisa era, mais interessante se tornava.
Li Jinglong: “...”
Ao mesmo tempo, na entrada principal do Yishi Lan.
“Hai mie hou bi!” A-Tai sorriu exageradamente ao abrir amplamente os braços.
“Oh! ele veio de novo!”
“É aquele Hu! Aquele Hu que toca alaúde está aqui de novo!”
“Querida, docinho.”
A-Tai levantou o queixo da proprietária e gentilmente fez um movimento de beijo. Ela corou intensamente e falou com um sorriso, “Jovem mestre, você veio novamente! Faz dias que você não vem, todas as garotas estavam esperando.”
A-Tai sorriu, “Ah, eu não tive escolha; tive que me redimir com meu chefe depois de vir pela primeira vez. Agora que tenho um tempo livre, não vim ver vocês de novo?”
“Ah!”
Assim que A-Tai adentrou o salão propriamente dito, as mulheres desceram as escadas e o cercaram com gritos estridentes. Aquela cena deixou todos os convidados por trás das telas irresistivelmente curiosos e eles colocaram a cabeça para fora para olhar.
“O jovem mestre Qiu também veio!” disse a mulher. “Que tal escrever um poema para nós?”
“Nos conte sobre seu primo!”
Qiu Yongsi sorriu e respondeu, “Vamos antes ouvir o alaúde do A-Tai.”
A-Tai passou pelo salão e as dançarinas pararam, abrindo caminho para ele. A-Tai abraçou uma delas, plantando um beijo gentil no rosto macio, antes de prosseguir sozinho para o assento mais interno do salão.
“Não vai me servir um pouco de vinho?” sorriu Qiu Yongsi.
Um dos garçons imediatamente trouxe um pouco de bebida. Nesta noite, o Yishi Lan estava cheio de acadêmicos que vieram de longe à capital para prestar o exame imperial. Ao verem que suas acompanhantes estavam colocando a cabeça para fora para espiar, ficaram insatisfeitos: “Qual o problema com aquele Hu?”
“Shh.” a mulher indicou que não deveriam fazer muitas perguntas e novamente colocou a cabeça para
fora da tela para olhar.
Diversas lanternas brilhantes pendiam sobre a cabeça de A-Tai e o segundo e terceiro andares estavam repletos de garotas. Clientes confusos as seguiram para dar uma olhada, apenas para ver, sob as fortes luzes, os cabelos castanho-escuros cacheados de A-Tai, seus olhos azuis, brilhantes e profundos como a água do mar, seu nariz de ponte alta e sobrancelhas bem marcadas, e sua pele branca como leite. Ele sorria para o público.
A plateia ficou em silêncio e A-Tai se sentou de pernas cruzadas, segurando o alaúde em seus braços. Sem dedilhar as cordas, limpou a garganta e começou a cantar. 
“Quantos pântanos foram antes jardins floridos...”
“Quantos palácios são hoje ruínas desoladas...”
Na pausa que se seguiu, A-Tai dedilhou o alaúde, cujas cordas vibraram uma após a outra, como se uma onda de energia estranha fluísse pela ponta de seus dedos, inundando o salão e o pátio como o luar. As cordas prateadas soaram com notas curtas e rápidas e, das desordenadas ervas daninhas do lado de fora, surgiu um cervo brilhante feito de luz branca. Ele saltou pelo pátio, enchendo-o em um instante de flores brancas como a neve.
“Estou inebriado por seus olhos e há muito esqueci do passar do tempo...”
A-Tai inclinou a cabeça levemente e fechou os olhos. Aquele perfil lindo e bem-formado tirou o fôlego dos que assistiam; as portas do segundo e do terceiro andar estavam escancaradas enquanto todos caíam sob o feitiço da música, suavemente descendo as escadas para escutá-la.
Naquele momento, o prédio inteiro parecia ter caído em um estado de sonho e todos se perderam na
música.
Sorrindo gentilmente, Qiu Yongsi tinha duas bolas de algodão enfiadas nos ouvidos e balançava
suavemente a cabeça ao som da música.
No beco, após ouvir a explicação de Li Jinglong, Hongjun corou intensamente e perguntou com um
misto de empolgação e curiosidade, “Sério?”
Nunca mais em sua vida Li Jinglong gostaria de repetir o que acabara de dizer a Hongjun.
“Você não pode contar a ninguém!” ordenou Li Jinglong.
Tecnicamente falando, Hongjun já tinha dezesseis anos e os costumes da Grande Tang eram bastante liberais, de modo que, em Chang’an, adolescentes de treze ou catorze anos eram já considerados adultos e não era nada estranho vê-los frequentar Pingkang Li. Durante sua passagem pelo Exército Longwu, Li Jinglong inclusive permitia que seus homens discutissem tais assuntos sem puni-los. No entanto, agora que se tratava de Hongjun, seu coração foi de repente tomado por um estranho sentimento de culpa.
“Por que você não vem a um lugar tão legal?” perguntou Hongjun.
“É claro que eu não viria!” Li Jinglong ficou tão furioso com aquela pergunta que quase explodiu. “Eu pareço esse tipo pessoa?”
Mo Rigen enfiou a cabeça para fora do pátio, assoviou para os dois e gesticulou para que entrassem. A
expressão de Li Jinglong era séria, indicado que Hongjun não deveria abrir o bico sobre o que conversaram, mas não havia realmente necessidade de ele fazer isso.
“Hora de trabalhar!” Li Jinglong cutucou o yao carpa, dizendo, “Vá ficar de guarda na frente da torre.”
Os dois se viraram e correram em direção ao pátio.
Realmente, o segundo e o terceiro andar estavam completamente vazios! Hongjun lançou seu gancho e,
trazendo consigo Li Jinglong, voou até o segundo andar. Mo Rigen aguardava apoiado na parede externa e lhes entregou dois chumaços de algodão. Li Jinglong enfiou seu par de algodões nos ouvidos, mas Hongjun segurou o dele parecendo completamente perdido.
Li Jinglong caminhou na frente e Hongjun aproveitou a oportunidade para se esgueirar até perto do parapeito e espiar a cena abaixo.  O som hipnótico do alaúde viajou até eles e todos os fascinados frequentadores do Yishi Lan permaneciam tão cativados que pareciam embriagados pela música, como marionetes de madeira fixas no lugar.
Hongjun: “...”
A voz de A-Tai carregava vestígios de luar que se moviam como água corrente e se enrolavam em torno
do pátio... porém, antes que Hongjun pudesse concluir o pensamento, Mo Rigen o agarrou pelas mãos e enfiou os chumaços de algodão nos ouvidos alheios. Imediatamente, a melodia do alaúde e o canto desvaneceram em um zunido distante e Hongjun recobrou os sentidos.
Li Jinglong o arrastou na frente e o puxou para dentro de um quarto, sussurrando, “Pare de escutar, trabalhe rápido.”
Mo Rigen ficou de guarda do lado de fora para evitar outras situações inesperadas. Incapaz de resistir, Hongjun olhou novamente para a porta e perguntou, “Era o A-Tai tocando alaúde?!”
Hongjun poderia arriscar um palpite de que aquele era um dos feitiços de A-Tai, mas ele nunca o havia usado contra os colegas quando tocava por diversão no Departamento de Exorcismo. Hongjun se esparramou no chão para olhar embaixo da cama; como não se deparou com nada incomum, Li Jinglong guardou a espada e se aproximou para levantar a cama. Ele perguntou rangendo os dentes, “Você nunca tinha ouvido?”
“Nunca como hoje... achei!” Hongjun encontrou um longo saco de pano sob a cama e rapidamente o puxou, sendo recebido mais uma vez pela cabeça do cadáver seco.
“Ahhh!” Hongjun estava tão assustado que começou a gritar, “É ele de novo!”
Mo Rigen bateu à porta e Li Jinglong respondeu, indicando que ele estava lá dentro e não haveria
problemas.
"Hã? Por que eu disse ‘de novo’?” murmurou Hongjun para si mesmo.
“Puxe-o para fora,” falou Li Jinglong.
Após Hongjun arrastar o cadáver seco, Li Jinglong colocou a cama de volta no chão. Desta vez, Li Jinglong veio preparado; ele calçou um par de luvas de seda pretas e se pôs a examinar o corpo. Hongjun olhava para ele de soslaio, enquanto todo o seu rosto paralisava de medo. No fim, ele se escondeu atrás de Li Jinglong.
“Um homem, com idade entre trinta e quarenta anos,” disse Li Jinglong. “Veja essas roupas, não parecem as de um mercador ou funcionário público. Ele pode ser um acadêmico que veio à capital para prestar o exame imperial... Hongjun?”
“Não me atrevo a olhar!” Hongjun observou Li Jinglong despir o cadáver seco e enegrecido, que exibia as gengivas por meio de sua boca escancarada. Exposto daquela maneira sob a luz da luminária, o corpo parecia indescritivelmente nojento e os cabelos de Hongjun se arrepiaram.
Li Jinglong disse, “Não tenha medo, não é como se ele pudesse te comer. Olhe aqui, que tipo de yao o sugou a ponto de secá-lo? Isso não parece resultado de uma decomposição.”
“Será que o yaoguai é dono do quarto?” Hongjun teve uma ideia repentina e começou a vasculhar freneticamente os armários e as gavetas.
Li Jinglong disse, “Não tire as coisas do lugar, senão seremos descobertos.”
Hongjun enfiou a cabeça em outra gaveta e respondeu, “Se for um yaoguai, então ele definitivamente mantém por perto algum tipo de artefato ou objeto maligno, mas não tem nada do tipo aqui.”
Li Jinglong ponderou por um momento, enquanto o som de música continuava no andar de baixo. Mo Rigen perguntou do lado de fora, “Ainda não terminaram?”
Depois de uma busca minuciosa, Hongjun respondeu, “Não tem nenhum yaoguai nesse quarto.”
“Tenho uma pergunta. Você sentiu alguma energia yao?” perguntou Li Jinglong.
Hongjun balançou a cabeça e Li Jinglong pensou profundamente antes de prosseguir, “O yao deve estar no prédio... Para que o plano hoje seja bem-sucedido, precisamos ser um pouco mais ousados. Hongjun, me empreste seu gancho. Daqui a pouco, você e Mo Rigen deverão se separar, ir para as duas laterais do prédio e observar atentamente as pessoas reunidas no salão. Tenha suas facas de arremesso a postos...”
“Me restam apenas três facas.”
“Conte comigo, certamente vou recuperá-las.”
No salão principal do Yishi Lan, A-Tai tocava o alaúde e, com a velocidade de nuvens em movimento e de água corrente, já era hora da costumeira farra bêbada. O tom da melodia subiu, soando como o vento e as nuvens encobrindo a lua cheia e, como dezenas de milhares de folhas em movimento, cobriu o céu e a terra.
“...Estou amargamente à sua procura nesta tempestade...”
A voz de A-Tai ressoou por todo o prédio e, neste momento, houve um estrondo quando, do andar superior, caiu um cadáver seco com uma corda amarrada no pescoço. Pegos de surpresa, Qiu Yongsi e A-Tai se assustaram. Sem saber o que havia acontecida, A-Tai inconscientemente girou a cabeça para olhar para o segundo andar.
A cantoria parou abruptamente e todas as pessoas no salão olharam em silêncio para o cadáver. Após algumas respirações, uma série de gritos estridentes irrompeu!
No interior do Yishi Lan, a velha proprietária estava tão horrorizada que começou a gritar descontroladamente e os clientes entraram em pânico. O caos se instalou em grande escala, com gritos soando por todos os lados e mulheres desmaiando.
Bem naquele momento, Li Jinglong, Hongjun e Mo Rigen, que observavam os clientes a partir de posições vantajosas no segundo andar, avistaram uma mulher no canto dar um passo para trás quando sua expressão facial mudou.
Em outros dois cantos do salão, duas outras mulheres que acompanhavam seus clientes ficaram muito chocadas e lançaram olhares para a primeira. Sem trocar nenhum sinal, as três levantaram o rosto e olharam em direção à porta do quarto de Jin Yun no segundo andar!
Assim que se moveram, três facas de arremesso dispararam pelo ar diretamente contra elas! As mulheres ainda não tinham percebido que haviam revelado suas identidades, mas podiam sentir a morte iminente. Então, com um movimento de suas mãos, afastaram as mangas das roupas, emitindo uma fraca luz púrpura. No entanto, elas não esperavam que as facas atravessassem a luz roxa e, emanando fogo, encravassem profundamente em seus ombros!
“Sigam as facas!” gritou Li Jinglong. “Não as deixem fugir!”
Li Jinglong pulou sobre o parapeito, alcançando o salão do primeiro andar. Naquele momento, a situação do salão era caótica; A-Tai embalou seu alaúde e disparou para fora com Qiu Yongsi. Mo Rigen se impulsionou no parapeito, usando os ombros para abrir uma porta no segundo andar.
A mulher perto da porta do salão gritou de dor. As três esticaram a mão para puxar as facas cravadas em seus ombros, mas suas mãos queimaram ao tocar o metal e elas gritaram em agonia. Sabendo que um mestre viera, e com medo de enfrentá-lo em uma luta, viraram-se para fugir.
Uma das mulheres, a que parecia ter melhor nível de cultivo, virou-se quando saía pela janela. Uma chama disparou de seu dedo em direção ao espaço acima da cabeça das pessoas no salão.
Hongjun estava pulando do segundo andar quando Li Jinglong gritou de repente, “Hongjun, cuidado!”
Hongjun virou a cabeça abruptamente, vendo as chamas voejantes. No entanto, o alvo não era ele, mas sim o cadáver seco que balançava no ar. O fogo entrou em contato com o cadáver, que imediatamente irrompeu em chamas, transformando-se em cinzas!
Assim que as três mulheres passaram correndo pela porta, Mo Rigen atravessou uma janela do segundo andar. Em pleno ar, curvou o arco e armou as flechas rapidamente, atirando três em sucessão.
Uma das mulheres não resistiu e virou a cabeça para olhar para seus perseguidores. Era indiferente se ela virasse a cabeça ou não, mas, assim que o fez, uma flecha imediatamente acertou seu pescoço e o atravessou. Com um zunido, seu corpo foi rapidamente envolto por uma luz branca e, quando o brilho desapareceu, em seu lugar havia uma raposa de olhos azuis e pelo marrom com sangue fresco jorrando de sua boca aberta. Logo atrás, as outras duas flechas chegaram voando e a atingiram no abdômen e na perna, matando-a na hora!
Li Jinglong rugiu com raiva, “Você foi muito duro! Este é seu primeiro aviso! Para onde foram as outras duas?!”
Mo Rigen pousou e, com o aceno da mão, as três flechas voaram de volta para o dono, enquanto o sangue da raposa borrifou para todos os lados.
“Eu não pretendia acertar o pescoço!” protestou Mo Rigen bastante impotente.
Nesse momento, Hongjun os alcançou. Dentro do Yishi Lan, era um empurra-empurra descontrolado; tudo havia se transformado em uma imensa bagunça.
Hongjun acenou e a faca de arremesso retornou para sua mão. Surpreso, perguntou, “Raposas?”
Yao raposa,” disse Li Jinglong. “Vá atrás de sua faca de arremesso, rápido!”
“Está...” Hongjun virou nas quatro direções e disse, “Está no beco!"
"Onde está Zhao Zilong?!" perguntou Li Jinglong. "Rápido, rápido! Por que nenhum de vocês sabe
trabalhar em equipe?"
O yao carpa arrastou uma bolsa de tecido enquanto balançava sua cauda e se aproximou correndo,
dizendo "Já vou, já vou!"
Li Jinglong chutou o yao carpa para dentro do prédio e, com Hongjun e Mo Rigen, imediatamente saiu no encalço das outras raposas.

Notas de rodapé:
[1] Guifei: amada consorte/concubina. Aliás, concubina e consorte serão usadas como expressões sinônimas.  
[2] Pipa: instrumento de corda chinês.
[3] Konghou: espécie de harpa antiga que desapareceu em algum momento da dinastia Ming.
[4] Lanterna giratória estampada: a parte interna, que muitas vezes é pintada com algum cenário, gira dentro de uma moldura externa imóvel devido ao calor da chama da vela no interior. 
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