Capítulo 20 - Colheita de outono
Qin Mian terminou de lavar a louça, colocou todas as coisas em seus devidos lugares, e saiu da cozinha. Ele viu Lei Tie sentado à mesa, apoiando o queixo em uma das mãos, com a cabeça abaixada e os olhos fechados. O cheiro de vinho vinha de seu corpo, flutuando com o vento.
Ele levou o sal-gema para fora, se agachou, e enquanto lavava a boca e sentia a tranquilidade ao redor, seu coração se acalmou. Se mudar tinha sido realmente um bom começo.
Depois, ele foi para dentro do quarto pegar roupas limpas, e colocou água quente na tina de banho. Não havia banheiro, então ele teve de se conformar, e levar a banheira para fora. Tirou as roupas e entrou, soltando um suspiro silencioso de alívio. Quando ele estava colocando água na banheira, ele secretamente colocou um pouco de Água da Nascente Espiritual, e agora o banho estava especialmente confortável. O árduo trabalho de antes na estrada tinha valido a pena.
Lei Tie abriu os olhos, e ouviu o som de água do lado de fora. Seus olhos eram como um antigo poço sem ondas190, impossível saber o que ele estava pensando.
Depois do banho, Qin Mian se sentiu relaxado. Espirrando água para todos os lados, se espreguiçou, e disse: “Eu vou dormir primeiro. Ainda tem água quente na panela. Deve ser suficiente para você.”
“En. Hoje eu passei pelo campo de arroz. O arroz já pode ser colhido.” Lei Tie disse.
Ao ver que Lei Tie estava sóbrio, Qin Mian expressou a sua opinião: “Eu acho que nós devemos comprar primeiro o terreno para a casa, dessa forma podemos abrir uma horta e cultivar alguns vegetais. Caso contrário, daqui dois meses teremos de gastar dinheiro para comprar vegetais para comer.”
Lei Tie, que estava indo para a cozinha, se virou: “Eu vou ver isso amanhã de manhã.”
Qin Mian não perguntou para ele onde ele planejava comprar. Assentiu e foi para o quarto.
Lei Tie viu os dois copos de porcelana para lavar a boca colocados um do lado do outro na cozinha, parou por um tempo, pegou aquele que não estava molhado, e foi lavar a boca.
Depois de limpo, ele colocou a trava de porta191, e sem acender a lamparina a óleo, retornou para o quarto. Qin Mian estava de olhos fechados, deitado de forma bem comportada, em um dos lados da cama, próximo da beirada da mesma. Ele não se importou. Abriu a colcha e subiu na cama, deitando-se de frente para Qin Mian. Ele sabia que depois que este rapaz adormecesse, com certeza iria abraçá-lo espontaneamente.
Desta vez, Qin Mian dormiu muito bem, uma noite sem sonhos, até acordar naturalmente. Já estava muito brilhante do lado de fora da janela, a luz do sol entrava silenciosamente pelos vãos das cortinas.
Do lado de fora do quarto, podia-se ouvir um som de lâmina sendo amolada. Lei Tie, que ele não sabia quando tinha levantado, estava sentado em um bloco em frente à pedra de amolar, e amolava uma foice, concentrado.
A luz do sol, entrecortada, lançava uma faixa de sombra em sua testa, tornando o seu rosto angular192 um pouco mais suave. Qin Mian ficou desnorteado por alguns segundos, até voltar a si.
“Desculpe, eu acordei tarde. Eu vou fazer o café da manhã agora.” Qin Mian estava um pouco envergonhado. Ele penteou os cabelos bagunçados com os dedos, e tossiu baixinho para aliviar o constrangimento.
Lei Tie deu uma olhada para ele, e balançou a cabeça, continuando a amolar: “Eu vou para o campo primeiro.”
Qin Mian ainda queria tocar no assunto do terreno para a casa, mas entendeu que o campo de arroz era mais urgente, e enterrou sua pergunta no fundo do estômago: “Eu vou levar comida para você o mais rápido possível. A propósito, porque só há uma foice?”
“Eu dou conta disso sozinho.” Lei Tie se levantou.
Qin Mian ainda tinha outras coisas para fazer, e pensando que ele e Lei Tie tinham apenas um campo de arroz, o mesmo poderia ser colhido em menos de um dia com a força de Lei Tie. Então não insistiu em ajudar. Olhando para o céu, estimou que seria por volta das nove horas, e foi rapidamente para a cozinha acender o fogo. Misturou farinha com água até formar um líquido denso, colocou cebolinha, sal, carne moída e ovo, e misturou bem. Rapidamente, ele fez algumas panquecas de cebolinha com carne moída. Separou três para si, enrolou as sete restantes, e as colocou em uma tigela. Cobriu, e colocou dentro de uma cesta pequena. Pensando um pouco, ele encontrou um jarro de água limpo, e colocou água fria fervida nele. Trancou a porta, e foi levar comida para Lei Tie. Em sua mão ainda havia uma panqueca de cebolinha, que ele comia enquanto caminhava.
O dia estava muito bonito, o sol brilhava forte no céu. Os campos de arroz, dourados e brilhantes, estavam cheios de fazendeiros, curvados enquanto colhiam o arroz. Enquanto eles moviam a foice com rapidez e habilidade, eles colocavam o arroz de lado, fazendo a pilha de arroz ficar mais alta muito rápido. Temendo que pudesse chover enquanto eles colhiam o arroz, ninguém conversava. Todos estavam em uma corrida contra o tempo. Apenas alguns campos de arroz haviam amadurecido mais tarde, e ao olhar à distância, a faixa dourada parecia um carpete.
Quando as pessoas nos campos de arroz ouviam o som de passos no caminho elevado entre os campos, levantavam a cabeça para olhar. Em resposta, Qin Mian retribuía com um sorriso educado e um meneio com a cabeça. Aqueles de boa atitude retribuíam com um sorriso. Aqueles de má atitude, rapidamente abaixavam a cabeça.
Qin Mian não ligou nem um pouco, e seguiu rapidamente para o campo de “sua família”. Surpreso, ele viu que o mu de campo de arroz muito rapidamente havia se reduzido a um quinto.
Curvado, Lei Tie trabalhava. Brandia a foice e cortava um grande maço de arroz. Quando ele olhou para trás e viu Qin Mian, a indiferença em seu olhar diminuiu um pouco.
Qin Mian acenou: “Tiege, venha comer.”
No campo ao lado, um velho de pouco mais de cinquenta anos orientava dois homens jovens e robustos na colheita do arroz. Ao ver Qin Mian, o velho estreitou os olhos em um sorriso, e disse: “Lei Tie jiade, que delícias você trás para Lei Tie?”
Qin Mian descobriu então que aquele homem era o Lizheng, e ficou um pouco surpreso. Nas vilas rurais nos tempos antigos, poderia se dizer que o Lizheng era o fumuguan193 dos camponeses, e ter uma boa relação com o Lizheng poderia evitar muitos problemas. Lei Daqiang e Du Shi tinham se confundido ou eram estúpidos? Inesperadamente, o campo ao lado do campo do Lizheng foi dado a eles, e ele ficou feliz com essa surpresa.
Ele se aproximou rapidamente: “Lizheng shu194 está ocupado, né? Eu não esperava que os campos de nossas famílias fossem vizinhos, é realmente uma boa coincidência. No futuro, terei de incomodar Lizheng pedindo para ficar de olho nele. Eu fiz algumas panquecas de carne com cebolinha, Lizheng shu e os dois dage não querem experimentar?”
Lizheng shu recusou prontamente: “Como poderíamos? Não precisa, não precisa.”
Quando seus dois filhos sentiram o cheiro, não conseguiram evitar de olhar para a cesta.
Qin Mian fez um sinal com os olhos para Lei Tie.
Lei Tie pegou a cesta e tirou a tigela, e pessoalmente, pegou três panquecas e deu para Lizheng: “Lizheng shu, experimente. Foi feito em casa, não custa nada.”
O Lizheng não teve escolha senão esfregar as mãos nas roupas, e aceitar as panquecas de cebolinha com carne. Deu duas para os seus filhos, e mordeu uma. O sabor e consistência do ovo e o sabor intenso da carne se complementavam, e ele assentiu repetidamente: “Delicioso. Lei Tie jiade cozinha muito bem.”
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Espaço da Graci:
Qin Mian ficando desnorteado com a beleza de Lei Tie. É isso o capítulo!
190 um antigo poço sem ondas (古井无波 gǔjǐng wú bō): é uma expressão que significa estar com o coração quieto e não deixar suas emoções serem afetadas por coisas externas. ↩
191 trava de porta (门闩 ménshuān): essa palavra se refere às barras horizontais, feitas de madeira ou ferro, encaixadas em suportes nas folhas da porta ou na porta e batente, para mantê-la travada por dentro. As versões modernas, deslizantes e com cadeado, usam a mesma palavra.↩
192 angular (棱角分明 léngjiǎo fēnmíng): Rosto angular é aquele onde as linhas são fortemente marcadas. Geralmente o queixo é mais fino mas ainda reconhecido como reto (não triangular) e a mandíbula forma claramente um ângulo, seguindo reta a partir do queixo e formando um ângulo reto para subir para a orelha. No estudo chinês de fisionomia, cada formato de rosto reflete características inatas da pessoa. É dito que aqueles de rosto angular são inteligentes e perspicazes. São mais individuais e geralmente têm algumas ideias que são diferentes das pessoas comuns. São capazes de enfrentar grandes dificuldades para atingir seus objetivos, tendem a ser mais instrospectivos e tem autocontrole forte.↩
193 fumuguan (父母官 fùmǔguān): é uma denominação informal dada ao Xianling (县令 Xiàn lìng), Magistrado do Condado, o "Oficial Pai e Mãe" ou "oficial parental". Significa que todos devem prestar respeito e reverência a ele como se fossem seus pais. Numa vila, o Lizheng tem o mesmo papel do Xianling.↩
194 shu (叔 shū): é o mesmo ideograma usado em dashu (nota 124, cap. 11), significando tio, irmão mais novo de seu pai.↩
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