sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

[Novel] Tianbao Fuyao Lu - Capítulo 006

 


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Tradução: Miss Sw
Revisão: Mahoutsukai
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Capítulo 6 – Vivendo Sob o Teto Alheio



A chuva tinha passado, o céu clareou, e o amanhecer de outono sobre Chang'an estava limpo e brilhante por dezenas de milhares de li, tão azul como se tivesse acabado de ser bem lavado. A doce essência de flores de jasmim-do-imperador viajou com a brisa enquanto Hongjun chutava o tronco de uma árvore de guarda-sol, e a chuva armazenada nas folhas durante a noite se espalhou. Ele usou a água para lavar seu rosto e então bebeu um pouco também, antes de colher duas folhas, colocá-las próximas à sua boca e soprar para produzir um som.
"O que devemos fazer...?" o yao carpa lamentou, todo embrulhado na bagagem, com uma expressão como se o céu estivesse caindo.
"Esse lugar realmente é grande." Hongjun esfregou a região do estômago, antes de continuar, "Vamos comer primeiro, depois decidimos."
"Eu não vou mais comer minhocas," o yao carpa adicionou.
"Vamos procurar um pouco de carne pra comer," Hongjun disse. "Pensaremos em um plano pra seguirmos aos poucos. Ah, como é possível sermos tão azarados nessa jornada? Hein? O que é aquilo?"
Hongjun tinha uma disposição jovial no coração, e após descer a montanha e ver esse fascinante mundo humano, ele imediatamente jogou todos os seus problemas para o fundo de sua mente enquanto pegava algumas moedas de cobre e entrava no mercado para comprar comida. O yao carpa o lembrou mais uma vez, "Por que você tem comido tudo o que encontra pela frente depois de descer a montanha? Tenha cuidado pra não comer algo ruim e ter um desarranjo no estômago."
Mas Hongjun apenas apoiou um pé sobre um assento da barraca de comida, cuidadosamente pegou uma tigela de talharim e consumiu tudo. As comidas do mundo humano eram muito mais gostosas do que as do Palácio Yaojin. Frituras, grelhados, assados, havia todos os tipos de cozimento, e também havia cordeiro refogado com molho de soja, bolos de cinco cores, doces de arroz glutinoso cozidos a vapor. Não faziam essas coisas no Palácio Yaojin, e sua descida da montanha tinha sido às pressas, por isso ele só tinha rações.
Felizmente, Qing Xiong entendia sua personalidade e tinha preparado muitas pérolas para ele, então, durante o mês que eles passaram no caminho até Chang'an, Hongjun apenas concordava com o que o yao carpa tinha lhe ensinado e trocava as pérolas por prata com as caravanas de mercadores que passavam, depois trocava a prata por moedas de cobre, que eram usadas para comprar comida e refrescos. Ainda que ele não entendesse os meios do mundo humano, graças às intervenções oportunas do yao carpa, ele conseguia se manter longe de grandes problemas.
Originalmente, Hongjun já era esperto, e enquanto eles pausavam e continuavam sua jornada, depois que saiu da montanha, ele aprendia as coisas rapidamente. No começo, ele não falava muito, apenas observando como os outros faziam as coisas, e enquanto ele saía, aprendia com o que observava. Após ver as pessoas fazerem fila pra comprar baozis[1], Hongjun prestou atenção aos movimentos delas, antes de imitá-las e entregar algumas moedas de cobre em troca de duas unidades.
Ele viu que havia alguns artistas na rua cuspindo fogo; Hongjun assistiu com curiosidade por um tempo e disse, "O que há de tão especial nisso? Quando o meu pai espirra, consegue soltar uma chama muito maior."
O yao carpa: "..."
Outros artistas estavam quebrando pedras no peito, dobrando barras de ferro, escalando montanhas de espadas e entrando em uma panela de óleo fervente, e Hongjun teve arrepios só de olhar.
"Por que eles se dão a tanto trabalho?" Não importava como Hongjun olhasse para aquilo, ele não conseguia entender. A carpa respondeu, "Pra ganhar dinheiro. Você não entenderia, mas o reino humano é cheio de dificuldades."
Os artistas terminaram suas apresentações e se adiantaram para pedir dinheiro, e a multidão que tinha se
reunido começou a jogar dinheiro em uma tigela. Hongjun pensou que isso era bastante digno de pena e então jogou uma pérola ali. O yao carpa estava sendo carregado em suas costas então não podia ver o que estava acontecendo, quando alguém gritou, "Uma Pérola Noturna Luminosa[2]!”
A pérola do tamanho de um dedo mindinho instantaneamente causou comoção, e havia pessoas que não se importavam em fazer a coisa certa e esticavam suas mãos para pegá-la. Na hora, as pessoas ao redor se adiantaram e empurraram umas às outras para pegar o objeto, começando a lutar entre si. Hongjun se apressou em gritar, "Não briguem! Ainda tenho mais aqui! Parem de brigar!"
O yao carpa disse, "Você quer morrer? Rápido, corra!"
O mercado foi preenchido pelo caos, e então os guardas chegaram rapidamente. Devido aos eventos da noite anterior, quando Hongjun viu os guardas foi como se tivesse visto fantasmas, então ele se virou imediatamente e fugiu. O yao carpa não pôde evitar pressioná-lo para que se apressasse, dizendo-o que fosse logo se apresentar no Departamento de Exorcismo. Hongjun respondeu muitas vezes com "certo, tudo bem", mas pouco depois sua atenção foi novamente desviada para um treinador de macaco e ele parou de um lado enquanto observava o animal.
"Acorrentá-lo desse jeito é muito indigno, não?" Hongjun falou para o treinador.
O homem lançou-lhe um olhar e disparou alguns xingamentos em sua direção. O yao carpa estava à beira das lágrimas enquanto dizia, "Jovem Mestre, é melhor sair daqui rápido."
No passado, costumava haver um grupo de macacos que viviam nas Montanhas Taihang, andando livremente como desejassem, mas aqui, hoje, de fato havia diante dele um macaco todo acorrentado, pequeno e magro, que nem sequer comia o suficiente e ainda tinha que se curvar para todas as pessoas ao seu redor.
Hongjun se afastou cerca de dez passos antes de se virar e, enquanto ninguém estava olhando, jogou uma faca de arremesso. Com um tinido, ela cortou com facilidade a corrente que o treinador segurava. O macaco primeiro congelou, olhando para todas as direções.
"Rápido, fuja!" Hongjun falou baixo.
O animal voltou a si e correu de imediato. Praguejando, o treinador o perseguiu, causando outra explosão de caos.
A carpa falou, "Hongjun, me coloque na frente, o que exatamente você está fazendo?"
Hongjun sorriu ao observar o macaco fugindo, uma indescritível sensação de alegria rodopiando em seu coração. Mas enquanto passava pelo mercado, ele parou outra vez. Diante dele, havia uma placa com as palavras "Leia Cinco Carradas de Livros", e alguns eruditos entravam e saíam.
"É uma livraria!?" Hongjun exclamou.
"Está escurecendo..." o yao carpa murmurou. "Precisa mesmo ficar perambulando a essa hora?"
Hongjun não poderia se importar menos enquanto adentrava abruptamente. Um forte odor de peixe permeou pela loja inteira, e todos se viraram com olhares de nojo para Hongjun.
"Peixes não podem entrar!" o dono falou. "Por que você está carregando um?"
"Viu só como eles estão te desprezando agora?" a carpa disse outra vez.
"Eu comprei pra levar pra casa e cozinhar," Hongjun explicou. "Afinal, consertar um país é como cozinhar uma deliciosa refeição[3]."
A carpa parou de falar de imediato, justo quando Hongjun adicionou, "Estou só olhando, logo vou sair."
O yao carpa: "..."
O gênero que mais tinha dentro da livraria ainda era poesia, e Hongjun abriu um livro de obras selecionadas de Li Bai. Imediatamente, ele esqueceu por completo do tempo quando parou ali e começou a ler.
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Após o meio-dia, as mansões da cidade de Chang'an tinham fechado suas portas; o sol de outono era escaldante, e as cigarras cantavam sem parar. Li Jinglong ainda estava usando a mesma roupa de quando escapou do Pingkang Li, a parte superior de seu corpo nua, seus pés descalços, e estava ajoelhado sobre a espada, dentro do pátio.
"Você... destruiu a reputação de seu pai e seus ancestrais!"
Feng Changqing mancava, em sua mão esquerda estava o distintivo com a inscrição "Li Jinglong do Exército Longwu da Grande Tang" que o outro havia deixado no bordel, enquanto a mão direita segurava uma régua. Ele deu um golpe, e Li Jinglong soltou um murmúrio dolorido enquanto outra faixa vermelha inflamada aparecia em seus ombros.
Com a régua disciplinadora em sua mão, Feng Changqing cutucou a bochecha de Jinglong. Ele estava tão irritado que sua respiração estava curta, e então continuou, "Hoje, nas ruas da cidade de Chang'an, todos estavam falando sobre como, à meia-noite, você despreocupadamente deixou pra trás os que estavam feridos, só pra ir ao Pingkang Li se divertir com as prostitutas... você..."
Li Jinglong estava ajoelhado de cabeça baixa, sem dizer uma palavra sequer, e Feng Changqing rugiu furiosamente, "Você me causou tanto sofrimento só pra te conseguir uma vaga no Exército Longwu! Você ao menos chegou a se importar um pouco com isso? Diga alguma coisa!"
Feng Changqing continuou, "Carregando essa espada enferrujada, você se acha mesmo o grande general do Exército Yulin[4]? Não poderia ser um pouco mais proativo?! Me diga! Jogue fora essa sua espada!"
Ele esticou a perna para chutar a espada sob os joelhos de Li Jinglong, que não disse nada enquanto continuava teimosamente ajoelhado sobre ela.
"No mais tardar, hoje à noite, algum cão do seu superior virá latir um relatório!" Feng Changqing estava tão furioso que todo o seu corpo tremia. "Durante a sessão da corte de amanhã de manhã, você vai se tornar o assunto de fofoca favorito de toda a Corte Imperial; e onde devo colocar minha velha face[5]? Onde devo colocar?!"
Todos os servos estavam parados no corredor, divertindo-se com o sofrimento alheio ao assistirem essa cena se desenrolar diante de seus olhos. Chang'an frequentemente tinha rumores sobre como Li Jinglong era um travesseiro bordado[6] preenchido com grama. Ele nasceu na família da tia de Feng Changqing, e sua mãe morreu quando ele ainda era um bebê; quatro anos atrás, seu pai, Li Mou, foi com Cen Can para uma batalha no Saiwai[7] e foi atingido por uma flecha dos Xiongnu[8]. Isso causou um grave ferimento, e ele não foi tratado a tempo, então faleceu.
Naquela época, Li Jinglong tinha dezesseis anos. Seu pai era desprovido de outros parentes, e não havia ninguém lá para cuidar dele, então ele perdeu lentamente toda a sua herança, primeiro buscando mestres imortais para aprender sobre o dao[9] e como se tornar imortal, depois gastou uma grande quantia de ouro na compra de uma valiosa espada que era capaz de fatiar yaos e exterminar mos, que fora usada pelo próprio Di Renjie[11].
Essa ovelha negra Li Jinglong, no passado, quando tinha dezesseis ou dezessete anos, fora o alvo da afeição de muitas garotas em Chang'an. No entanto, em primeiro lugar, ele não tinha uma ocupação estável, então não fez progresso em iniciar uma família; em segundo, ele sempre teve uma atitude de não deixar que os outros se aproximassem muito, e quando viu o casamenteiro, nem mesmo se incomodou em o cumprimentar. Tendo vinte anos sem qualquer conquista, o assunto do casamento foi ficando cada vez mais remoto.
Ele não era mais uma criança, mas não tinha começado uma família nem arranjado um emprego, ficava vadiando todos os dias, até que seu primo Feng Changqing, que no ano anterior conquistou o Grande Bolü nas Regiões Ocidentais[11] e assim ganhou respeito em Xuanzong[12], conseguiu encontrar uma vaga no Exército Longwu para Li Jinglong.
Feng Changqing quase estilhaçou seu coração em frustração por esse seu incompetente primo mais novo, e quanto mais falava, mais irritado ficava, e os golpes da régua desciam tal como uma tempestade, até que sua esposa correu e gritou, "Laoye[13], pare de bater nele! Pare de bater nele!”
O último golpe de Feng Changqing partiu a régua em duas, e a testa de Li Jinglong sangrou pela pancada, o sangue trilhando seu perfil e pingando no chão.
"Laoye, por favor, se acalme!" A Senhora Feng correu até os ombros de Feng Changqing. Após retornar ao tribunal, ele esteve esperando que a corte o designasse a um cargo oficial civil, mas esse seu primo realmente tinha se tornado o motivo de piada de toda a cidade de Chang'an, manchando sua reputação sempre que queria, até mesmo afetando sua carreira como oficial, então como ele poderia não ficar com raiva?!
Depois que Feng Changqing terminou de castigá-lo, não ficou por perto para discutir, mancando lentamente para dentro. Só então, a Senhora Feng apressadamente mandou que as servas trouxessem um pano para limpar o sangue, enquanto dizia, "Por que seu cérebro é tão inflexível? Se apenas reconhecesse seus erros, seu ge[14] não ficaria tão zangado assim com você.”
Li Jinglong ainda estava em silêncio como de costume, calmamente ajoelhado ali, até o entardecer, a luz brilhando sobre seu corpo, enquanto os raios do sol poente se mesclavam com as manchas de sangue, tornando-se um sobre os paralelepípedos azuis.
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No calor do verão, Hongjun carregava alguns livros ao retornar para o Mercado Leste, quando as multidões tinham se dispersado e a feira estava fechada. Havia uma mancha de nuvens rosadas no limite do horizonte enquanto, de longe, vinha o som de batidas de tambor.
Dong. Dong. Dong.
"Ei, Zhao Zilong?" Hongjun alcançou suas costas e bateu levemente na bolsa com uma mão. Primeiro, o yao carpa estava deitado com a boca aberta, imóvel enquanto dormia de olhos abertos, mas agora que tinha sido acordado, sua boca voltou a abrir e fechar.
"Onde fica o Departamento de Exorcismo?" Hongjun perguntou.
"Eu não sei, ué," a carpa disse. "A última vez que vim a Chang'an foi oito anos atrás."
"Como chegou aqui? Não teve a chance de passear por aí direito?"
"Da última vez, eu fui colocado à venda em uma barraca no Mercado Leste e saí de lá com um gancho na boca. Tente andar por aí nesse estado e vai ver como isso funciona bem pra você."
"..."
"A carta que o mestre Qing Xiong te deu não informa?"
"Vamos ver... onde fica Jincheng Fang?"
"Ao Norte do Mercado Oeste. Vamos rápido, quando as batidas de tambor acabarem, o toque de recolher entra em vigor, e se ainda estivermos perambulando sem rumo, seremos pegos."
Hongjun apressou seus passos. Ir do Mercado Leste ao Mercado Oeste exigia que ele atravessasse mais da metade de Chang'an, e ele pedia instruções ao longo do caminho, ficando sem fôlego, até que finalmente, quando o céu escureceu, ele encontrou o Jincheng Fang. As ruas de Chang'an eram sinuosas e constantemente se cruzavam, e fora das vias principais, havia muitos fangs, com becos e rotas que conectavam umas às outras. Por isso, mesmo que tivesse chegado no Jincheng Fang, Hongjun ainda não conseguiu encontrar o Departamento de Exorcismo, e pôde apenas ir na direção de um prédio iluminado. 

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Notas de tradução:
[1] Baozi: Pãezinhos cozidos a vapor, geralmente recheados com carne.

[2] Pérola Noturna Luminosa (夜明珠): Também conhecida como yemingzhu/yemengzhu ou apenas “pérolas luminosas”, são esferas formadas de clorofano (variante da fluorita) que lhe confere fosforescência, permitindo que brilhe no escuro. Por serem um artigo muito raro na antiga China, criou-se inúmeras lendas em torno dessas pérolas, especialmente atribuindo a elas a capacidade de conferir boa sorte a quem as tocasse.
[3] “consertar um país é como cozinhar uma deliciosa refeição”: Provérbio que significa que consertar um país requer a mesma mentalidade e perseverança que se precisa para criar uma refeição deliciosa.
[4] Exército Yulin: é a Guarda Imperial.
[5] “Onde devo colocar minha velha face?”: Isso aqui tanto pode estar no sentido de “onde vou enfiar minha cara (de tanta vergonha)?”, como também no sentido de “como fica a minha reputação?”.
[6] Travesseiro bordado/Almofada bordada: Basicamente alguém bonito, porém inútil.
[7] Saiwai: Território fora da Grande Muralha, onde as tribos nômades viviam.
[8] Xiongnu: Um dos povos nômades dentre os grupos étnicos Hu (bárbaros).
[9] Dao (ou Tao): significa "caminho", mas dentro do contexto da filosofia tradicional e religião chinesa, é "o intuito da vida", que não pode ser aprendido totalmente, mas pode ser conhecido pela vivência diária.
[10] Di Renjie: Também conhecido pelo nome de cortesia “Huaiying” e pelo título “duque Wenhui de Liang”, foi um oficial das dinastias Tang e Zhou, servindo duas vezes como chanceler durante o reinado de Wu Zetian sendo um dos oficiais mais célebres desse reinado.
[11] Regiões Ocidentais: Regiões além da passagem de Yumen.
[12] Xuanzong: Título de Li Longji, sétimo imperador da dinastia Tang.
[13] Laoye: Honorífico usado para se referir ao dono/mestre de uma casa.
[14] Ge (ou gege): Significa “irmão mais velho”, podendo ser usado tanto com irmãos de sangue como também para se referir a rapazes/homens mais velhos.

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