segunda-feira, 15 de março de 2021

[Novel] Dinghai Fusheng Lu - Capítulo 002

 


"O Guardião da minha família parece ser muito bom de luta. Chen Xing estava bastante satisfeito."

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Tradução: Foxita | Revisão: Miss Sw.

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Capítulo 2: Primeiro Encontro


            Após o tempo necessário para se queimar um bastão de incenso[1]:

Uma grande discussão sobre a identidade de Chen Xing já havia irrompido na mansão do governador. Todos eram da opinião que as intenções do jovem eram muito suspeitas e deveriam ser minuciosamente investigadas.

Zhu Xu disse, “O documento oficial emitido por Xie An não pode ser falso! O que vocês querem que eu faça?”

Um general falou, “Apenas um documento não é suficiente para justificar a retirada de um prisioneiro do corredor da morte!”

“Ele pode ser um espião enviado à cidade!” Disse outra pessoa, “Prisioneiros no corredor da morte são capazes de cometer todos os tipos de atrocidades. Mesmo que a cidade caia, definitivamente não podemos deixá-los viver!”

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No quarto de hóspedes da mansão:

Chen Xing colocou o homem na cama e se sentou ofegante junto à soleira. Ele enxugou o rosto, saiu para servir um pouco de água e abriu a bolsa de medicamentos pendurada em sua cintura, de onde tirou uma pílula vermelha. Ele abriu a boca do homem, cujos dentes estavam cerrados com força e continuavam a tremer, fazendo com que fosse impossível lhe dar a medicação. Chen Xing refletiu sobre o problema por um bom tempo e pôde apenas recorrer a mastigar a pílula e beber um pouco de água gelada para dissolvê-la. Ele então puxou o queixo do homem e lhe deu o remédio à força pela boca.

É ele? Chen Xing franziu o cenho enquanto estudava o rosto alheio e relembrava do que tinha visto em sonho. Uma neve pesada caía sobre a cidade de Xiangyang. O prédio no coração da cidade era a mansão do governador, não havia dúvidas disso. Há pouco, a Lâmpada de Coração tinha piscado três vezes a primeira vez foi para guiá-lo até o calabouço; a segunda foi em frente ao calabouço e a terceira foi quando ele pisou na parte mais profunda da cela.

“Qual sua origem?” Chen Xing enxugava o rosto do homem enquanto murmurava, “Por que você foi escolhido pela Lâmpada de Coração?”

Do lado de fora, alguém entregava uma mensagem: Zhu Xu queria vê-lo. Chen Xing não havia terminado de cuidar dos próprios assuntos, por isso queria pedir a Zhu Xu que esperasse um pouco mais. Porém, o mensageiro não partiu e continuou a esperar teimosamente do lado de fora da porta. Chen Xing não teve escolha senão segui-lo às pressas.

A neve continuava a cair.  Zhu Xu estava no terceiro andar da mansão, de onde observava toda a cidade.

Chen Xing se aproximou por trás de Zhu Xu e encarou a cidade repleta de luzes. De longe, ouvia-se o som vagamente perceptível de uma flauta, como se o flautista chorasse de tristeza.

“Explique direito.” disse Zhu Xu, “Caso contrário, não posso deixar que leve o prisioneiro, independentemente de você ser ou não um ‘exorcista’.”

Chen Xing analisou Zhu Xu e perguntou de repente, “Lorde governador, você acredita que existem deuses e monstros neste mundo? Acredita que eu tenho habilidades mágicas? Meu palpite é que você realmente não acredita nisso.”

Zhu Xu suspirou e teve que admitir, “As ações de hoje foram apenas uma encenação para fortalecer o moral do exército. Apenas diga a verdade, não minta mais. Seu verdadeiro objetivo é aquele prisioneiro acertei? Quem te pediu para levá-lo? Não pode ter sido Xie An. Você foi mandado pelo povo Hu?”

Enquanto falava, Zhu Xu ficou novamente sério e pronunciou cada palavra com clareza, “Pense bem antes de falar. Diga uma palavra errada e sua cabeça vai rolar. Mesmo que a cidade caia amanhã, ainda sou o senhor dela hoje e posso cortar sua cabeça a qualquer momento.”

Chen Xing encarou a espada na cintura de Zhu Xu e depois o olhar dele. Ele sabia que Zhu Xu havia começado a sentir que algo estava errado aos olhos dos outros, ele era apenas um jovem vestido de Deus para bancar o diabo[2]. Antes, ele tinha coberto os olhos com um tecido negro para sentir a Lâmpada de Coração de forma mais intensa, não para enganar os outros intencionalmente. Na verdade, nem o próprio Chen Xing esperava que a pessoa por quem procurava fosse um prisioneiro no corredor da morte.

Chen Xing respondeu, “Tudo bem, vou contar tudo. Se quiser sacar sua espada, espere até que eu tenha terminado.”

Zhu Xu se virou e olhou nos olhos de Chen Xing. Ele disse friamente, “Fale. Quero ver que tipo de mentira vai inventar!”

“Essa história tem que ser contada do início e realmente engloba a essência de como ‘a vida é muito curta e a história é bem longa’. De qualquer maneira, se o lorde governador insiste em ouvi-la, não há mal algum em contar. Trezentos anos atrás, havia mana[3] no mundo.”

Zhu Xu franziu o cenho de leve. Ele não esperava que Chen Xing mencionasse a suposta "magia" novamente.

“Trezentos anos atrás, havia monstros, magia e poderosos magos pelo mundo...” Chen Xing apenas fingia não ver a expressão alheia. Ele caminhou para o lado e se pôs a explicar lentamente.

Naquele ano, o Imperador Zhangdi da Dinastia Han estava no poder, e Ban Chao[4] foi enviado às Regiões Ocidentais[5] em uma missão diplomática para estabelecer uma estratégia centenária. Todos levavam uma vida próspera e feliz em toda a Terra Divina; guerreiros, fangshis e danshis[6] eram profissões florescentes. Segundo a lenda, as chamadas tribos yaos[7] foram banidas por poderosos exorcistas para o sudoeste de Yizhou e para as cem mil montanhas no reino de Yelang[8]. Eles usaram uma série de encantamentos para prendê-los até que acabassem simplesmente morrendo por conta própria e assim não pudessem mais interferir nos interesses das Planícies Centrais[9].

Depois que os yaos foram exterminados, restou aos humanos apenas uma missão —buscar a imortalidade.

Os fangshis acreditavam que, enquanto alguém se comunicasse com os céus e a terra, absorvesse o qi espiritual e cultivasse sua magia, seria capaz de viver para sempre. De repente, no entanto, todo o mana desapareceu do mundo da noite para o dia.

Sumiu completamente sem dar qualquer aviso. Em um piscar de olhos, todas as armas mágicas pelo mundo viraram sucata e as ferramentas sagradas usadas para exorcizar yaos se transformaram em armas comuns. Rituais e toda a magia, que variava de formas poderosas capazes de mover montanhas e encher mares[10], até pequenas magias como “Cinco Fantasmas que Transportam Fortuna”[11], perderam sua eficácia. Não importa como se tentasse ativá-las, não funcionavam mais.

“Sumiu.” Chen Xing fez um gesto de algo insignificante ao encarar Zhu Xu, “Desde então, não há mana na Terra Divina. Isso é o que os exorcistas chamam de ‘o silêncio de toda a magia’.”

“É?” Zhu Xu sorriu apenas com a boca, mas não com os olhos, “E agora?”

Chen Xing falou com pesar, “Alguns dizem que o 'Portal Xuan', que libera o qi espiritual dos céus e da terra, se fechou.”

Laozi uma vez disse, Chegar ao mistério dentro do mistério mais profundo é a porta para o segredo de toda a vida”[12]. Naquela época, as pessoas acreditavam que o qi espiritual do mundo fluía do invisível Portal Xuan no vazio dos céus. Eles pensaram que, talvez, o desaparecimento do mana significasse que o Portal Xuan havia se fechado. Então, ofereceram sacrifícios ao céu e veneraram rios e montanhas. Eles tentaram de tudo, mas nada funcionou.

 

Felizmente, a tribo yao não iniciou um caos em larga escala.  Afinal, nos anos em que os exorcistas estavam ativos, todos os monstros tinham sido incapacitados. Para que novas feras terrestres e voadoras se cultivassem em yaos, teriam que absorver o qi espiritual dos céus e da terra. Sem qi espiritual, eles naturalmente não tinham como causar problemas. Mesmo porque, fazer crueldades apenas com uso de energia yao, sem consumo parasitário de energia alheia, seria bastante cansativo.

Havia prós e contras no silêncio de toda a magia. Sem monstros, naturalmente não haveria necessidade de existir exorcistas no mundo humano.

No entanto, o problema recaía em outro lugar — yaos não podiam ser cultivados, mas o mesmo não necessariamente acontecia com os demônios.

“Demônios são o ressentimento do mundo.” falou Chen Xing, “Aqueles que morrem em circunstâncias trágicas guardam ressentimento. Todas as coisas nascem no céu, retornam à terra e então entram no ciclo de reencarnação celestial mas ainda assim, seu ressentimento não pode ser dissipado. Na verdade, quanto mais pessoas morrem de fome e durante pragas e guerras, mais fácil é para que o ressentimento se acumule.”

Durante o reinado do Imperador Hui, a família real Sima disputou o trono e um total de 800.000 pessoas morreram na guerra civil. Ao longo dos anos da grave seca nas planícies de Guanzhong[13], a fome era frequente e mais de 2 milhões de pessoas morreram de doença e inanição.

No período Yongjia[14], Liu Yuan, do povo Xiongnu, invadiu o condado de Huguan e capturou Luoyang, enquanto Liu Yao quebrou as defesas de Chang'an. Em Guanzhong, Guanlong, e outros lugares, 1,8 milhão de pessoas morreram. O povo Jin fugiu para o sul em direção a Jiankang[15], mas foi dizimado no fosso natural de Yangtze[16].


Shi Le[17], do povo Jie, subjugou o condado de Jinyang e sua província, ferindo e matando mais de 2 milhões de pessoas.

O clã Murong, do povo Xianbei, e o general Jin, Heng Wen[18], travaram uma grande batalha, matando 400.000 pessoas. As tribos Xianbei, Xiongnu e Jie saquearam desenfreadamente as Planícies Centrais. Eles nunca trouxeram provisões consigo e apelidaram os Hans de “ovelhas de duas pernas”, pois serviam de alimento aos militares durante o trajeto. A população das Planícies Centrais calculada há 20 anos pela Dinastia Jin era de 20 milhões. Quando Ran Min[19] matou Jie Zhao, a população foi recontada restavam menos de 4 milhões de pessoas.

No entanto, os bons tempos não duraram. A cidade de Ran Min caiu, e ele foi morto pelo clã Murong. O condado de Jishou foi perdido; as pessoas foram massacradas e suas posses novamente saqueadas.

“Termine o cálculo subtraindo os que restaram.” Chen Xing falou para Zhu Xu, “Então, lorde governador, definitivamente haverá pelo menos 20 milhões. Mais de 10 milhões neste cálculo são Hans que morreram sob a cavalaria dos Cinco Bárbaros. Milhões de Hus mataram uns aos outros, o que exacerbou o surgimento de ressentimento.”

Embora obviamente soubesse que Chen Xing estava mentindo, Zhu Xu entrou em um transe enquanto ouvia, e respondeu: "O mundo está instável e a vida mortal é tão frágil quanto grama."

Chen Xing disse, “Se voltarmos ainda mais no tempo, para a época em que as famílias Wei, Shu e Wu dividiram a terra sob os céus, guerras intermináveis eclodiram naqueles cem anos e o número dos que morreram em consequência disso chegou a dezenas de milhões. Assim, nos últimos trezentos anos, mais de 30 milhões de pessoas morreram na Terra Divina. O ressentimento delas vagueia entre o céu e a terra sem nunca partir, ultrapassando em muito o limite que a Terra Divina pode acomodar. Se continuar assim, ‘demônios’ serão criados em apenas alguns anos. Quanto à origem dos ‘demônios’, eu nunca a vi e seus registros históricos são escassos. Deixando isso de lado por ora, vou falar sobre os pontos centrais. Alguém deve estar previamente preparado e sempre vigilante para o surgimento de demônios.”

“Meus antepassados eram de Jinyang e meus pais morreram cedo. Após a guerra entre Fu Jian[20] e o clã Murong no condado de Huguan, eu me mudei para o Monte Hua[21] para viver em reclusão.”

Chen Xing ainda conseguia se lembrar vividamente da guerra de nove anos atrás, embora tivesse apenas sete anos na época. Sua casa fora incendiada e sua avó mandou que um servo leal o levasse a um velho amigo e subordinado nas profundezas do Monte Hua, para estudar as divindades e as estrelas e para cultivar a magia de exorcizar demônios. Na era atual, em que a magia fora silenciada, os textos antigos, passados ​​de geração em geração, estavam agora todos cobertos de poeira e não tinham qualquer utilidade.

Aos dezesseis anos, Chen Xing teve um sonho — ele sonhou com uma grande cidade que nunca tinha visitado. Depois de ouvir isso, seu shifu refletiu por um longo período e suspeitou que se tratava da cidade de Xiangyang, então lhe contou que os sonhos eram orientações da Lâmpada de Coração. Seu Deus Marcial Guardião o aguardava naquela cidade. Ele primeiro tinha que encontrar seu Guardião, pois só seria capaz de completar sua missão com a ajuda dele.

“E assim, eu vim parar aqui na sua frente.” Chen Xing disse por fim.

“Acabou de falar?” Zhu Xu lentamente sacou sua espada, “Depois de esperar tanto tempo, o que eu ganho é essa história absolutamente ridícula que inventou pra mim?”

Chen Xing não recuou. Ele encarou de cabeça erguida a extremidade pontiaguda da espada de Zhu Xu e posicionou a mão direita do lado esquerdo do próprio peito, ao lado do coração. Ele então ergueu a mão e uma resplandecente luz branca realmente irradiou de sua palma, movendo-se na direção do outro homem!

Zhu Xu pensou que o jovem ainda planejava blefar para sair daquela situação, mas não esperava que uma luz surgisse do nada. Instantaneamente, ele ficou tão deslumbrado que sequer conseguia abrir os olhos.

“Que... que tipo de truque é esse?” Zhu Xu agarrou sua espada e não conseguiu brandi-la por um momento.

“Esta é a Lâmpada de Coração.” respondeu Chen Xing.

Zhu Xu estava atordoado. “Você realmente é... um mago, consegue emitir luz? Qual a utilidade dela?”

Chen Xing respondeu com honestidade, “Nenhuma, ela apenas brilha ocasionalmente.”

Zhu Xu, “...”

Zhu Xu ficou desconfiado de vez. Chen Xing deu de ombros enquanto a luz retrocedia e explicou, “Li os registros históricos e descobri que uma grande calamidade cairá sobre o mundo. Quando a Terra Divina perecer, o detentor da Lâmpada de Coração, juntamente com seu Deus Marcial Guardião, sairá para exorcizar os demônios. O repentino aparecimento da Lâmpada de Coração neste mundo significa que o ressurgimento dos ‘demônios’ é iminente. Eu preciso encontrar o Deus Marcial, despertar sua força, e ajudar o mundo a resistir à calamidade da descida de Mara[22] a este mundo.”

“Disputas entre Hus e Hans são assuntos triviais. Quando Mara surgir, a Terra Divina será completamente destruída, todos os seres vivos serão aniquilados, a terra será limpa e voltará aos primórdios. Tudo voltará ao início. Não importa se você é um Hu ou um Han, ninguém vai conseguir escapar.”

“Você... você...” Zhu Xu estava momentaneamente sem palavras.

Chen Xing falou impotente, “Eu também não quero isso, certo? Lorde governador, tente entender, você acha que eu queria vir a Xiangyang?”

“Depois que meu shifu morreu, eu rapidamente fiz as malas, deixei o Monte Hua, aluguei uma carruagem e vim correndo para Xiangyang. De alguma forma, peguei um barco e entrei na cidade sem me deparar com nenhum perigo. Vim até a mansão do mestre da cidade e pensei que realmente estava no lugar certo. Dentre todas as pessoas, eu fui o destinado a herdar a grande tarefa da unificação e de restaurar a profissão de exorcista no mundo humano, e eu a aceitei. Mas, em função disso e, por algum motivo, todos os homens saudáveis ​​facilmente disponíveis foram ignorados e tive que ir até o calabouço encontrar um cara que sofre de tuberculose. Sem falar que ainda estou tentando descobrir um jeito de sair da cidade!”

Neste momento, o escrivão entregou um registro.  Zhu Xu embainhou sua espada e o aceitou, analisando-o.

O escrivão disse, “A pasta com as identidades dos prisioneiros foi encontrada; o nome dele é ‘Xiang Shu’, ele é um Hu.”

Zhu Xu franziu a testa profundamente. Em razão da “luz emitida”, ele acreditava em Chen Xing por ora.

Chen Xing refletiu por um momento e respondeu, “Se ele é Hu ou Han... de fato, não é importante pra mim. Tudo bem, eu realmente não gosto muito dos Hus. Bem, isso vai ser difícil de lidar, mas ele nem mesmo não parece, ahn... ser um Hu? Os Hus têm o sobrenome Xiang? Qual tribo?”

Zhu Xu folheou até a última página do registro; era uma página suplementar da pasta dos detentos trazida pelo oficial de escolta meio ano atrás. A primeira linha de palavras de repente se destacou Yaoren[23], Xiang Shu”.

O escrivão falou, “No primeiro ano da Dinastia Taiyuan, Jianwei Zhonglang pretendia escoltar este homem até Jiankang e decapitá-lo após interrogá-lo detalhadamente. Mas não importa o quão duramente ele tenha sido torturado no caminho, este homem nunca disse uma palavra.  O oficial de escolta adoeceu e morreu quando passava por Xiangyang, e Xiang Shu acabou preso nesta cidade. A intenção inicial era transferi-lo para Jiankang, mas ele acabou sendo esquecido porque havia muitos prisioneiros no corredor da morte. Ele está preso desde então.”

“Meio ano atrás, pessoas inocentes foram massacradas em Guanzhong e oferecidas como sacrifícios de sangue ao céu.” disse Zhu Xu, “Um total de 2.000 pessoas foram mortas, incluindo Hus e Hans. Homens, mulheres, velhos e jovens, nem mesmo galinhas e cachorros domésticos foram poupados. Foi preciso muito esforço para que meus oficiais e soldados Jin o capturassem enquanto estavam ocupados em uma batalha maior.”

Zhu Xu relutantemente havia acreditado nos assuntos relacionadas à Lâmpada de Coração, mas agora ele tinha uma nova pergunta, “Por que você escolheria essa pessoa?”

Chen Xing falou incrédulo, “Por que ele foi escolhido? Ah, eu também não sei!”

Quando Chen Xing ouviu a tudo aquilo, ele ficou imediatamente preocupado. Será possível que aquela luz que piscou diante de seus olhos foi uma alucinação?

Chen Xing pegou o registro e viu nele apenas algumas linhas: Xiang Shu. Massacrou 2.000 ou mais pessoas. Homem Hu. General feroz. Especula-se ser um oficial militar. A tribo à qual pertence é desconhecida... sequer existe algo assim?

“Eu já dei meu remédio pra ele, e agora você está me dizendo que ele é responsável pela morte de milhares?" Chen Xing indagou.

“Eu não te falei para não o libertar?” Zhu Xu comentou, “Apenas troque por outro, então.”

Chen Xing falou, “E pode ser trocado? Não pode, oras! Calma, eu acho que ainda preciso... pensar melhor no assunto. Vou perguntar em detalhes quando ele acordar. E se ele foi injustiçado?”

Chen Xing estava inquieto e se virou apressado para sair. Zhu Xu franziu a testa profundamente e se virou para olhar para baixo. Da mansão localizada ao norte, ele olhou ao longe, para além dos muros da cidade; no extremo norte, uma densa massa de soldados Qin ocupava toda a extensão.

Ao mesmo tempo, no quarto de hóspedes da mansão, o homem de repente engasgou fortemente e voltou à vida.

Chen Xing retornou para o quarto, olhou para fora enquanto fechava a porta e depois voltou o olhar para o homem. Ele está vivo agora. O que eu faço? Devo estrangulá-lo até a morte? Mas, independentemente do que os outros dizem, ele não deveria ter ao menos a chance de se explicar? E ele é meu guardião! Chen Xing já considerava Xiang Shu como se fosse “algo seu”, logo, não poderia estrangulá-lo até a morte.

Ele decidiu que perguntaria quando o outro pudesse falar. Assim, Chen Xing preparou uma bacia de água quente para ajudá-lo a limpar seu corpo.

“Seu nome é Xiang Shu?” Chen Xing observou o rosto do homem e murmurou, “Um homem Hu?”

O homem tinha um nariz de ponte alta, olhos profundos e traços faciais distintos. Seu rosto estava encovado por conta da magreza. A barba não era feita há seis meses e o cabelo estava um emaranhado só. Seu corpo era repleto de cicatrizes todas de ferimentos antigos.

Chen Xing apenas o limpou brevemente, o restante da limpeza poderia ser feito pelo próprio Xiang Shu quando se recuperasse. Enquanto o limpava, Chen Xing percebeu que essa pessoa tinha dedos delgados, articulações distintas, membros longos, pés grandes e suas pernas pareciam bastante resistentes e fortes.

O Guardião da minha família parece ser muito bom de luta. Chen Xing estava bastante satisfeito.

Chen Xing retirou uma agulha de prata de sua bolsa de medicamentos e a inseriu no acuponto da cintura alheia. O homem de repente abriu os olhos.

Chen Xing imediatamente recuou um pouco e ergueu a agulha, levando-a até o nariz para cheirá-la.

“Você foi envenenado.” Chen Xing falou hesitante, “Eu te dei uma pílula revitalizante. Você não conseguirá se mover pelas próximas doze horas, nem será capaz de falar. Amanhã à noite, a esta hora, seu corpo voltará ao normal. Você vai conseguir se recuperar aos poucos se comer quando puder se mover.”

Os olhos do homem permaneceram abertos enquanto ele encarava Chen Xing; eles eram muito brilhantes, mas carregavam um olhar perigoso, semelhante ao de uma fera. Chen Xing virou levemente a cabeça de lado e franziu as sobrancelhas pensando nas palavras de um Guardião Esquerdo.

“Você é o escolhido da Lâmpada de Coração.” disse Chen Xing, “De agora em diante, você é um Deus Marcial Guardião. Eu sou o Grande Exorcista chamado Chen Xing, nome de cortesia Tianchi. Mas ouvi dizer que... você matou muitas pessoas... Isso é verdade?”

“Não importa o que você fez antes.” Chen Xing pensou um pouco e falou relutante “Se eu não tivesse te salvado, você não sobreviveria à queda da cidade daqui a alguns dias. Isso é algo que você deveria saber, certo? Você não pode fazer nada comigo.”

O homem não conseguia falar e seu olhar se moveu em outra direção. Chen Xing puxou a manta e o cobriu, aconchegando-o um pouco melhor. Ele se perguntou se deveria primeiro amarrá-lo junto com o cobertor, para o caso dele ser um maníaco homicida que acabasse explodindo logo após o efeito do remédio passar. Em tal caso, não seria fácil controlá-lo e, se algo assim realmente acontecesse, Chen Xing seria o primeiro exorcista a ser morto por seu próprio Guardião. Isso seria muito idiota.

Chen Xing matutou repetidamente sobre o assunto. Ele era, afinal, o benfeitor desse cara, que não parecia ser um cachorro louco, então não deveria acabar atacando quem o ajudou... Chen Xing bocejou. Ele estava realmente com muito sono. Ele se sentou à mesa, debruçando-se sobre ela e virando a cabeça de lado para olhar para Xiang Shu.

Depois de deixar o Monte Hua meio mês atrás, ele atravessou terra e água para chegar a Xiangyang, que estava cercada pelo exército Qin por todos os lados. Ele usou muita energia apenas para entrar na cidade e, após vários dias de medo e ansiedade, ainda tinha que pensar em uma maneira de sair dali o mais rápido possível. Chen Xing estava mesmo muito cansado e sequer conseguia reunir forças para procurar uma corda para amarrar este homem chamado Xiang Shu. Ele pretendia apenas descansar um pouco, mas de alguma forma acabou caindo no sono.

Sem saber por quanto tempo tinha dormido, Chen Xing foi imediatamente despertado por um estrondo.

“O exército Qin está cercando a cidade!”

“A cidade caiu!”

Atordoado e desorientado, Chen Xing se endireitou à mesa. Um barulho alto soou do lado de fora; choros, gritos e o som da batalha repentina ressoaram simultaneamente.

Impossível. Como isso poderia ser uma coincidência? Chen Xing prontamente se levantou e saiu. Tudo o que podia ouvir eram os gritos de pessoas lutando e matando umas às outras ao entrarem no pátio. Um pote/barril em chamas assobiou ao passar por cima de sua cabeça e se espatifou no telhado da mansão do governador, que começou a pegar fogo. Ao ir mais longe, ele de repente avistou homens e mulheres envoltos em chamas no meio da rua; eles dançavam loucamente enquanto fugiam.

“A cidade caiu!” Um soldado entrou correndo e gritou, “Depressa! O governador foi para o sul da cidade! Ele está lutando com os inimigos lá! Vão! Não demorem!”

Localizada na parte norte da cidade, a mansão do governador foi o primeiro local a receber o impacto e sofrer ataques consecutivos da cavalaria inimiga quando ela rompeu o muro da cidade.

✵✵

Notas de tradução:

[1] Tempo necessário para se queimar um bastão de incenso: Cerca de 30 minutos.

[2] “Vestir-se de Deus para bancar o diabo”: expressão chinesa que basicamente quer dizer “alguém tentando enganar as pessoas”. Parece muito o nosso “lobo em pele de cordeiro”.

[3] mana: comumente interpretado como a substância da qual a magia é feita, além de ser a substância que forma a alma. Essa força existiria não só nas pessoas, mas nos animais e objetos inanimados, instigando no observador um sentimento de respeito ou de admiração.

[4] Ban Chao: um notável diplomata e militar Han.

[5] Regiões Ocidentais: termo da Dinastia Han para a região além da Passagem de Yumen.

[6] Fangshi: criadores das pílulas de imortalidade + curandeiros + divinos através da astrologia. Danshis: são um tipo de fangshi que apenas produzem medicamentos.

[7] yao: equivalente aos youkais, também traduzido para monstros.

[8] Yizhou: nome de um antigo estado/cidade na atual província de Sichuan. Yelang: pequeno reino bárbaro no sul da China durante a dinastia Han.

[9] Planícies Centrais: também conhecida como Zhongtu, Chungtu ou Zhongzhou, Chungchou; é a área no curso inferior do rio Amarelo que formou o berço da civilização chinesa. Faz parte da planície do norte da China.

[10] Encher mares: isso vem de uma antiga história chinesa sobre o pássaro Jingwei, a encarnação da filha de um deus que morreu afogada; ela jogou pedras e grama no mar para "enchê-lo", já que ela não queria que outras pessoas morressem por afogamento como ela.

[11] “Cinco Fantasmas que Transportam Fortuna”: é um ditado literal, quer dizer basicamente invocar cinco fantasma para carregarem sua grana.

[12] Laozi: filósofo chinês, fundador do taoísmo. 'Chegar ao mistério dentro do mistério mais profundo é a porta para o segredo de toda a vida: tradução retirada de “A sabedoria de Laotse”, de Lin Yutang [Lín Yǔtáng] 林語堂, 1948.

[13] Guanzhong: Também chamada de Planícies Qinchuan, é a área localizada dentro da Grande Muralha, entre as montanhas do Norte, o morro Qin no Sul (que divide Norte e Sul da China), a cidade de Baoji ao Leste (antigamente chamada de Chen Cang), e a passagem Tong ao Oeste.

[14] Período Yongjia: Período da dinastia Jin entre 307 - 313, regido pelo imperador Huai.

[15] Jiankang: antigo nome da cidade de Nanjing.

[16] Rio Yangtze: era considerado uma fortaleza natural intransponível e de fácil defesa. Eles provavelmente foram dizimados por um exército que defendia o rio.

[17] Shi Le: fundador do Zhao Posterior dos Dezesseis Reinos.

[18] Heng Wen: genro do imperador Jin.

[19] Ran Min: também conhecido como Shi Min, homenageado postumamente pelo antigo Yan como rei celestial Wudao de Wei, nome de cortesia Yongzeng, apelido Jinu; foi um líder militar durante a era dos Dezesseis Reinos na China e o único imperador do estado chamado Ran Wei, que teve curta duração.

[20] Fu Jian: Também chamado de Jiantou, é o imperador Hu (Qin) dentro da Grande Muralha, reinou de 357-385.

[21] Monte Hua: em Shaanxi, montanha oeste das Cinco Montanhas Sagradas, onde Chen Xing morava com seu mestre.

[22] Mara: Uma tradução literal do seu nome seria o demônio divino; no budismo, é o demônio que tentou atrair o príncipe sidarta (Gautama buda), tentando seduzi-lo com a visão de belas mulheres que, em várias lendas, são muitas vezes ditas como filhas de Mara. Na cosmologia budista, Mara é associado com a morte, renascimento e o desejo.

[23] Yaoren: aparentemente, são semelhantes a fangshis, mas este é um termo depreciativo.

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