"O Guardião da minha família parece ser muito bom de luta. Chen Xing estava bastante satisfeito."
_
Tradução: Foxita | Revisão: Miss Sw.
_
Após o tempo necessário para se
queimar um bastão de incenso[1]:
Uma
grande discussão sobre a identidade de Chen Xing já havia irrompido na mansão
do governador. Todos eram da opinião que as intenções do jovem eram muito
suspeitas e deveriam ser minuciosamente investigadas.
Zhu
Xu disse, “O documento oficial emitido por Xie An não pode ser falso! O que
vocês querem que eu faça?”
Um
general falou, “Apenas um documento não é suficiente para justificar a retirada
de um prisioneiro do corredor da morte!”
“Ele
pode ser um espião enviado à cidade!” Disse outra pessoa, “Prisioneiros no
corredor da morte são capazes de cometer todos os tipos de atrocidades. Mesmo
que a cidade caia, definitivamente não podemos deixá-los viver!”
_
No quarto de hóspedes da mansão:
Chen
Xing colocou o homem na cama e se sentou ofegante junto à soleira. Ele enxugou
o rosto, saiu para servir um pouco de água e abriu a bolsa de medicamentos
pendurada em sua cintura, de onde tirou uma pílula vermelha. Ele abriu a boca
do homem, cujos dentes estavam cerrados com força e continuavam a tremer, fazendo
com que fosse impossível lhe dar a medicação. Chen Xing refletiu sobre o
problema por um bom tempo e pôde apenas recorrer a mastigar a pílula e beber um
pouco de água gelada para dissolvê-la. Ele então puxou o queixo do homem e lhe
deu o remédio à força pela boca.
É
ele? Chen
Xing franziu o cenho enquanto estudava o rosto alheio e relembrava do que tinha
visto em sonho. Uma neve pesada caía sobre a cidade de Xiangyang. O prédio no
coração da cidade era a mansão do governador, não havia dúvidas disso. Há
pouco, a Lâmpada de Coração tinha piscado três vezes — a primeira vez foi para guiá-lo até
o calabouço; a segunda foi em frente ao calabouço e a terceira foi quando ele
pisou na parte mais profunda da cela.
“Qual
sua origem?” Chen Xing enxugava o rosto do homem enquanto murmurava, “Por que
você foi escolhido pela Lâmpada de Coração?”
Do
lado de fora, alguém entregava uma mensagem: Zhu Xu queria vê-lo. Chen Xing não
havia terminado de cuidar dos próprios assuntos, por isso queria pedir a Zhu Xu
que esperasse um pouco mais. Porém, o mensageiro não partiu e continuou a
esperar teimosamente do lado de fora da porta. Chen Xing não teve escolha senão
segui-lo às pressas.
A
neve continuava a cair. Zhu Xu estava no
terceiro andar da mansão, de onde observava toda a cidade.
Chen
Xing se aproximou por trás de Zhu Xu e encarou a cidade repleta de luzes. De
longe, ouvia-se o som vagamente perceptível de uma flauta, como se o flautista
chorasse de tristeza.
“Explique
direito.” disse Zhu Xu, “Caso contrário, não posso deixar que leve o
prisioneiro, independentemente de você ser ou não um ‘exorcista’.”
Chen
Xing analisou Zhu Xu e perguntou de repente, “Lorde governador, você acredita
que existem deuses e monstros neste mundo? Acredita que eu tenho habilidades
mágicas? Meu palpite é que você realmente não acredita nisso.”
Zhu
Xu suspirou e teve que admitir, “As ações de hoje foram apenas uma encenação
para fortalecer o moral do exército. Apenas diga a verdade, não minta mais. Seu
verdadeiro objetivo é aquele prisioneiro — acertei? Quem te pediu
para levá-lo? Não pode ter sido Xie An. Você foi mandado pelo povo Hu?”
Enquanto
falava, Zhu Xu ficou novamente sério e pronunciou cada palavra com clareza, “Pense
bem antes de falar. Diga uma palavra errada e sua cabeça vai rolar. Mesmo que a
cidade caia amanhã, ainda sou o senhor dela hoje e posso cortar sua cabeça a
qualquer momento.”
Chen
Xing encarou a espada na cintura de Zhu Xu e depois o olhar dele. Ele sabia que
Zhu Xu havia começado a sentir que algo estava errado — aos olhos dos outros, ele era apenas
um jovem vestido de Deus para bancar o diabo[2]. Antes, ele tinha
coberto os olhos com um tecido negro para sentir a Lâmpada de Coração de forma
mais intensa, não para enganar os outros intencionalmente. Na verdade, nem o
próprio Chen Xing esperava que a pessoa por quem procurava fosse um prisioneiro
no corredor da morte.
Chen
Xing respondeu, “Tudo bem, vou contar tudo. Se quiser sacar sua espada, espere
até que eu tenha terminado.”
Zhu
Xu se virou e olhou nos olhos de Chen Xing. Ele disse friamente, “Fale. Quero
ver que tipo de mentira vai inventar!”
“Essa
história tem que ser contada do início e realmente engloba a essência de como
‘a vida é muito curta e a história é bem longa’. De qualquer maneira, se o lorde
governador insiste em ouvi-la, não há mal algum em contar. Trezentos anos atrás,
havia mana[3] no mundo.”
Zhu
Xu franziu o cenho de leve. Ele não esperava que Chen Xing mencionasse a
suposta "magia" novamente.
“Trezentos
anos atrás, havia monstros, magia e poderosos magos pelo mundo...” Chen Xing
apenas fingia não ver a expressão alheia. Ele caminhou para o lado e se pôs a
explicar lentamente.
Naquele
ano, o Imperador Zhangdi da Dinastia Han estava no poder, e Ban Chao[4]
foi enviado às Regiões Ocidentais[5] em uma missão diplomática para
estabelecer uma estratégia centenária. Todos levavam uma vida próspera e feliz
em toda a Terra Divina; guerreiros, fangshis e danshis[6]
eram profissões florescentes. Segundo a lenda, as chamadas tribos yaos[7]
foram banidas por poderosos exorcistas para o sudoeste de Yizhou e para as cem
mil montanhas no reino de Yelang[8]. Eles usaram uma série de
encantamentos para prendê-los até que acabassem simplesmente morrendo por conta
própria e assim não pudessem mais interferir nos interesses das Planícies
Centrais[9].
Depois
que os yaos foram exterminados, restou aos humanos apenas uma missão
—buscar a imortalidade.
Os fangshis acreditavam
que, enquanto alguém se comunicasse com os céus e a terra, absorvesse o qi
espiritual e cultivasse sua magia, seria capaz de viver para sempre. De repente,
no entanto, todo o mana desapareceu do mundo da noite para o dia.
Sumiu
completamente sem dar qualquer aviso. Em um piscar de olhos, todas as armas
mágicas pelo mundo viraram sucata e as ferramentas sagradas usadas para
exorcizar yaos se transformaram em armas comuns. Rituais e toda a magia,
que variava de formas poderosas capazes de mover montanhas e encher mares[10],
até pequenas magias como “Cinco Fantasmas que Transportam Fortuna”[11],
perderam sua eficácia. Não importa como se tentasse ativá-las, não funcionavam
mais.
“Sumiu.”
Chen Xing fez um gesto de algo insignificante ao encarar Zhu Xu, “Desde então,
não há mana na Terra Divina. Isso é o que os exorcistas chamam de ‘o
silêncio de toda a magia’.”
“É?”
Zhu Xu sorriu apenas com a boca, mas não com os olhos, “E agora?”
Chen
Xing falou com pesar, “Alguns dizem que o 'Portal Xuan', que libera o qi
espiritual dos céus e da terra, se fechou.”
Laozi
uma vez disse, “Chegar ao mistério dentro do mistério mais profundo é
a porta para o segredo de toda a vida”[12]. Naquela época, as
pessoas acreditavam que o qi espiritual do mundo fluía do invisível Portal
Xuan no vazio dos céus. Eles pensaram que, talvez, o desaparecimento do mana
significasse que o Portal Xuan havia se fechado. Então, ofereceram
sacrifícios ao céu e veneraram rios e montanhas. Eles tentaram de tudo, mas
nada funcionou.
Felizmente,
a tribo yao não iniciou um caos em larga escala. Afinal, nos anos em que os exorcistas estavam
ativos, todos os monstros tinham sido incapacitados. Para que novas feras
terrestres e voadoras se cultivassem em yaos, teriam que absorver o qi
espiritual dos céus e da terra. Sem qi espiritual, eles naturalmente não tinham
como causar problemas. Mesmo porque, fazer crueldades apenas com uso de energia
yao, sem consumo parasitário de energia alheia, seria bastante
cansativo.
Havia
prós e contras no silêncio de toda a magia. Sem monstros, naturalmente não
haveria necessidade de existir exorcistas no mundo humano.
No
entanto, o problema recaía em outro lugar — yaos não podiam ser
cultivados, mas o mesmo não necessariamente acontecia com os demônios.
“Demônios
são o ressentimento do mundo.” falou Chen Xing, “Aqueles que morrem em
circunstâncias trágicas guardam ressentimento. Todas as coisas nascem no céu,
retornam à terra e então entram no ciclo de reencarnação celestial — mas ainda assim, seu ressentimento
não pode ser dissipado. Na verdade, quanto mais pessoas morrem de fome e durante
pragas e guerras, mais fácil é para que o ressentimento se acumule.”
Durante
o reinado do Imperador Hui, a família real Sima disputou o trono e um total de
800.000 pessoas morreram na guerra civil. Ao longo dos anos da grave seca nas
planícies de Guanzhong[13], a fome era
frequente e mais de 2 milhões de pessoas morreram de doença e inanição.
No
período Yongjia[14], Liu Yuan, do povo Xiongnu, invadiu o
condado de Huguan e capturou Luoyang, enquanto Liu Yao quebrou as defesas de
Chang'an. Em Guanzhong, Guanlong, e outros lugares, 1,8 milhão de pessoas
morreram. O povo Jin fugiu para o sul em direção a Jiankang[15], mas
foi dizimado no fosso natural de Yangtze[16].
Shi Le[17], do povo Jie, subjugou o
condado de Jinyang e sua província, ferindo e matando mais de 2 milhões de
pessoas.
O clã
Murong, do povo Xianbei, e o general Jin, Heng Wen[18],
travaram uma grande batalha, matando 400.000 pessoas. As tribos Xianbei,
Xiongnu e Jie saquearam desenfreadamente as Planícies Centrais. Eles nunca
trouxeram provisões consigo e apelidaram os Hans de “ovelhas de duas pernas”,
pois serviam de alimento aos militares durante o trajeto. A população das
Planícies Centrais calculada há 20 anos pela Dinastia Jin era de 20 milhões.
Quando Ran Min[19] matou Jie Zhao, a população foi recontada — restavam menos de 4 milhões de
pessoas.
No
entanto, os bons tempos não duraram. A cidade de Ran Min caiu, e ele foi morto
pelo clã Murong. O condado de Jishou foi perdido; as pessoas foram massacradas
e suas posses novamente saqueadas.
“Termine
o cálculo subtraindo os que restaram.” Chen Xing falou para Zhu Xu, “Então,
lorde governador, definitivamente haverá pelo menos 20 milhões. Mais de 10
milhões neste cálculo são Hans que morreram sob a cavalaria dos Cinco Bárbaros.
Milhões de Hus mataram uns aos outros, o que exacerbou o surgimento de
ressentimento.”
Embora
obviamente soubesse que Chen Xing estava mentindo, Zhu Xu entrou em um transe
enquanto ouvia, e respondeu: "O mundo está instável e a vida mortal é tão
frágil quanto grama."
Chen
Xing disse, “Se voltarmos ainda mais no tempo, para a época em que as famílias
Wei, Shu e Wu dividiram a terra sob os céus, guerras intermináveis eclodiram
naqueles cem anos e o número dos que morreram em consequência disso chegou a
dezenas de milhões. Assim, nos últimos trezentos anos, mais de 30 milhões de
pessoas morreram na Terra Divina. O ressentimento delas vagueia entre o céu e a
terra sem nunca partir, ultrapassando em muito o limite que a Terra Divina pode
acomodar. Se continuar assim, ‘demônios’ serão criados em apenas alguns anos.
Quanto à origem dos ‘demônios’, eu nunca a vi e seus registros históricos são
escassos. Deixando isso de lado por ora, vou falar sobre os pontos centrais.
Alguém deve estar previamente preparado e sempre vigilante para o surgimento de
demônios.”
“Meus
antepassados eram de Jinyang e meus pais morreram cedo. Após a guerra entre Fu
Jian[20] e o clã Murong no condado de Huguan, eu me mudei para o
Monte Hua[21] para viver em reclusão.”
Chen
Xing ainda conseguia se lembrar vividamente da guerra de nove anos atrás,
embora tivesse apenas sete anos na época. Sua casa fora incendiada e sua avó
mandou que um servo leal o levasse a um velho amigo e subordinado nas profundezas
do Monte Hua, para estudar as divindades e as estrelas e para cultivar a magia
de exorcizar demônios. Na era atual, em que a magia fora silenciada, os textos
antigos, passados de geração em geração, estavam agora todos cobertos de
poeira e não tinham qualquer utilidade.
Aos
dezesseis anos, Chen Xing teve um sonho — ele sonhou com uma grande cidade que
nunca tinha visitado. Depois de ouvir isso, seu shifu refletiu por um longo
período e suspeitou que se tratava da cidade de Xiangyang, então lhe contou que
os sonhos eram orientações da Lâmpada de Coração. Seu Deus Marcial Guardião o
aguardava naquela cidade. Ele primeiro tinha que encontrar seu Guardião, pois
só seria capaz de completar sua missão com a ajuda dele.
“E
assim, eu vim parar aqui na sua frente.” Chen Xing disse por fim.
“Acabou
de falar?” Zhu Xu lentamente sacou sua espada, “Depois de esperar tanto tempo,
o que eu ganho é essa história absolutamente ridícula que inventou pra mim?”
Chen
Xing não recuou. Ele encarou de cabeça erguida a extremidade pontiaguda da
espada de Zhu Xu e posicionou a mão direita do lado esquerdo do próprio peito,
ao lado do coração. Ele então ergueu a mão e uma resplandecente luz branca
realmente irradiou de sua palma, movendo-se na direção do outro homem!
Zhu
Xu pensou que o jovem ainda planejava blefar para sair daquela situação, mas
não esperava que uma luz surgisse do nada. Instantaneamente, ele ficou tão
deslumbrado que sequer conseguia abrir os olhos.
“Que...
que tipo de truque é esse?” Zhu Xu agarrou sua espada e não conseguiu brandi-la
por um momento.
“Esta
é a Lâmpada de Coração.” respondeu Chen Xing.
Zhu
Xu estava atordoado. “Você realmente é... um mago, consegue emitir luz? Qual a
utilidade dela?”
Chen
Xing respondeu com honestidade, “Nenhuma, ela apenas brilha ocasionalmente.”
Zhu
Xu, “...”
Zhu
Xu ficou desconfiado de vez. Chen Xing deu de ombros enquanto a luz retrocedia
e explicou, “Li os registros históricos e descobri que uma grande calamidade
cairá sobre o mundo. Quando a Terra Divina perecer, o detentor da Lâmpada de
Coração, juntamente com seu Deus Marcial Guardião, sairá para exorcizar os
demônios. O repentino aparecimento da Lâmpada de Coração neste mundo significa
que o ressurgimento dos ‘demônios’ é iminente. Eu preciso encontrar o Deus
Marcial, despertar sua força, e ajudar o mundo a resistir à calamidade da
descida de Mara[22] a este mundo.”
“Disputas
entre Hus e Hans são assuntos triviais. Quando Mara surgir, a Terra Divina será
completamente destruída, todos os seres vivos serão aniquilados, a terra será
limpa e voltará aos primórdios. Tudo voltará ao início. Não importa se você é
um Hu ou um Han, ninguém vai conseguir escapar.”
“Você...
você...” Zhu Xu estava momentaneamente sem palavras.
Chen
Xing falou impotente, “Eu também não quero isso, certo? Lorde governador, tente
entender, você acha que eu queria vir a Xiangyang?”
“Depois
que meu shifu morreu, eu rapidamente fiz as malas, deixei o Monte Hua, aluguei
uma carruagem e vim correndo para Xiangyang. De alguma forma, peguei um barco e
entrei na cidade sem me deparar com nenhum perigo. Vim até a mansão do mestre
da cidade e pensei que realmente estava no lugar certo. Dentre todas as pessoas,
eu fui o destinado a herdar a grande tarefa da unificação e de restaurar a
profissão de exorcista no mundo humano, e eu a aceitei. Mas, em função disso e,
por algum motivo, todos os homens saudáveis facilmente disponíveis foram
ignorados e tive que ir até o calabouço encontrar um cara que sofre de
tuberculose. Sem falar que ainda estou tentando descobrir um jeito de sair da
cidade!”
Neste
momento, o escrivão entregou um registro.
Zhu Xu embainhou sua espada e o aceitou, analisando-o.
O
escrivão disse, “A pasta com as identidades dos prisioneiros foi encontrada; o
nome dele é ‘Xiang Shu’, ele é um Hu.”
Zhu
Xu franziu a testa profundamente. Em razão da “luz emitida”, ele acreditava em
Chen Xing por ora.
Chen
Xing refletiu por um momento e respondeu, “Se ele é Hu ou Han... de fato, não é
importante pra mim. Tudo bem, eu realmente não gosto muito dos Hus. Bem, isso
vai ser difícil de lidar, mas ele nem mesmo não parece, ahn... ser um Hu? Os
Hus têm o sobrenome Xiang? Qual tribo?”
Zhu
Xu folheou até a última página do registro; era uma página suplementar da pasta
dos detentos trazida pelo oficial de escolta meio ano atrás. A primeira linha
de palavras de repente se destacou — “Yaoren[23],
Xiang Shu”.
O
escrivão falou, “No primeiro ano da Dinastia Taiyuan, Jianwei Zhonglang
pretendia escoltar este homem até Jiankang e decapitá-lo após interrogá-lo detalhadamente.
Mas não importa o quão duramente ele tenha sido torturado no caminho, este
homem nunca disse uma palavra. O oficial
de escolta adoeceu e morreu quando passava por Xiangyang, e Xiang Shu acabou
preso nesta cidade. A intenção inicial era transferi-lo para Jiankang, mas ele acabou
sendo esquecido porque havia muitos prisioneiros no corredor da morte. Ele está
preso desde então.”
“Meio
ano atrás, pessoas inocentes foram massacradas em Guanzhong e oferecidas como
sacrifícios de sangue ao céu.” disse Zhu Xu, “Um total de 2.000 pessoas foram
mortas, incluindo Hus e Hans. Homens, mulheres, velhos e jovens, nem mesmo
galinhas e cachorros domésticos foram poupados. Foi preciso muito esforço para
que meus oficiais e soldados Jin o capturassem enquanto estavam ocupados em uma
batalha maior.”
Zhu
Xu relutantemente havia acreditado nos assuntos relacionadas à Lâmpada de
Coração, mas agora ele tinha uma nova pergunta, “Por que você escolheria essa
pessoa?”
Chen
Xing falou incrédulo, “Por que ele foi escolhido? Ah, eu também não sei!”
Quando
Chen Xing ouviu a tudo aquilo, ele ficou imediatamente preocupado. Será
possível que aquela luz que piscou diante de seus olhos foi uma alucinação?
Chen
Xing pegou o registro e viu nele apenas algumas linhas: Xiang Shu. Massacrou
2.000 ou mais pessoas. Homem Hu. General feroz. Especula-se ser um oficial
militar. A tribo à qual pertence é desconhecida... sequer existe algo assim?
“Eu
já dei meu remédio pra ele, e agora você está me dizendo que ele é responsável pela
morte de milhares?" Chen Xing indagou.
“Eu
não te falei para não o libertar?” Zhu Xu comentou, “Apenas troque por outro, então.”
Chen
Xing falou, “E pode ser trocado? Não pode, oras! Calma, eu acho que ainda
preciso... pensar melhor no assunto. Vou perguntar em detalhes quando ele acordar.
E se ele foi injustiçado?”
Chen
Xing estava inquieto e se virou apressado para sair. Zhu Xu franziu a testa
profundamente e se virou para olhar para baixo. Da mansão localizada ao norte,
ele olhou ao longe, para além dos muros da cidade; no extremo norte, uma densa
massa de soldados Qin ocupava toda a extensão.
Ao
mesmo tempo, no quarto de hóspedes da mansão, o homem de repente engasgou
fortemente e voltou à vida.
Chen
Xing retornou para o quarto, olhou para fora enquanto fechava a porta e depois voltou
o olhar para o homem. Ele está vivo agora. O que eu faço? Devo
estrangulá-lo até a morte? Mas, independentemente do que os outros dizem, ele
não deveria ter ao menos a chance de se explicar? E ele é meu guardião! Chen
Xing já considerava Xiang Shu como se fosse “algo seu”, logo, não poderia
estrangulá-lo até a morte.
Ele
decidiu que perguntaria quando o outro pudesse falar. Assim, Chen Xing preparou
uma bacia de água quente para ajudá-lo a limpar seu corpo.
“Seu
nome é Xiang Shu?” Chen Xing observou o rosto do homem e murmurou, “Um homem
Hu?”
O
homem tinha um nariz de ponte alta, olhos profundos e traços faciais distintos.
Seu rosto estava encovado por conta da magreza. A barba não era feita há seis
meses e o cabelo estava um emaranhado só. Seu corpo era repleto de cicatrizes — todas de ferimentos antigos.
Chen
Xing apenas o limpou brevemente, o restante da limpeza poderia ser feito pelo
próprio Xiang Shu quando se recuperasse. Enquanto o limpava, Chen Xing percebeu
que essa pessoa tinha dedos delgados, articulações distintas, membros longos,
pés grandes e suas pernas pareciam bastante resistentes e fortes.
O
Guardião da minha família parece ser muito bom de luta. Chen Xing estava bastante satisfeito.
Chen
Xing retirou uma agulha de prata de sua bolsa de medicamentos e a inseriu no
acuponto da cintura alheia. O homem de repente abriu os olhos.
Chen
Xing imediatamente recuou um pouco e ergueu a agulha, levando-a até o nariz
para cheirá-la.
“Você
foi envenenado.” Chen Xing falou hesitante, “Eu te dei uma pílula revitalizante.
Você não conseguirá se mover pelas próximas doze horas, nem será capaz de
falar. Amanhã à noite, a esta hora, seu corpo voltará ao normal. Você vai
conseguir se recuperar aos poucos se comer quando puder se mover.”
Os
olhos do homem permaneceram abertos enquanto ele encarava Chen Xing; eles eram
muito brilhantes, mas carregavam um olhar perigoso, semelhante ao de uma fera.
Chen Xing virou levemente a cabeça de lado e franziu as sobrancelhas pensando
nas palavras de um Guardião Esquerdo.
“Você
é o escolhido da Lâmpada de Coração.” disse Chen Xing, “De agora em diante,
você é um Deus Marcial Guardião. Eu sou o Grande Exorcista chamado Chen Xing,
nome de cortesia Tianchi. Mas ouvi dizer que... você matou muitas pessoas...
Isso é verdade?”
“Não
importa o que você fez antes.” Chen Xing pensou um pouco e falou relutante “Se
eu não tivesse te salvado, você não sobreviveria à queda da cidade daqui a
alguns dias. Isso é algo que você deveria saber, certo? Você não pode fazer
nada comigo.”
O
homem não conseguia falar e seu olhar se moveu em outra direção. Chen Xing
puxou a manta e o cobriu, aconchegando-o um pouco melhor. Ele se perguntou se
deveria primeiro amarrá-lo junto com o cobertor, para o caso dele ser um
maníaco homicida que acabasse explodindo logo após o efeito do remédio passar.
Em tal caso, não seria fácil controlá-lo e, se algo assim realmente
acontecesse, Chen Xing seria o primeiro exorcista a ser morto por seu próprio
Guardião. Isso seria muito idiota.
Chen
Xing matutou repetidamente sobre o assunto. Ele era, afinal, o benfeitor desse
cara, que não parecia ser um cachorro louco, então não deveria acabar atacando quem
o ajudou... Chen Xing bocejou. Ele estava realmente com muito sono. Ele se
sentou à mesa, debruçando-se sobre ela e virando a cabeça de lado para olhar
para Xiang Shu.
Depois
de deixar o Monte Hua meio mês atrás, ele atravessou terra e água para chegar a
Xiangyang, que estava cercada pelo exército Qin por todos os lados. Ele usou
muita energia apenas para entrar na cidade e, após vários dias de medo e
ansiedade, ainda tinha que pensar em uma maneira de sair dali o mais rápido
possível. Chen Xing estava mesmo muito cansado e sequer conseguia reunir forças
para procurar uma corda para amarrar este homem chamado Xiang Shu. Ele pretendia
apenas descansar um pouco, mas de alguma forma acabou caindo no sono.
Sem
saber por quanto tempo tinha dormido, Chen Xing foi imediatamente despertado
por um estrondo.
“O
exército Qin está cercando a cidade!”
“A
cidade caiu!”
Atordoado
e desorientado, Chen Xing se endireitou à mesa. Um barulho alto soou do lado de
fora; choros, gritos e o som da batalha repentina ressoaram simultaneamente.
Impossível.
Como isso poderia ser uma coincidência? Chen Xing prontamente se levantou e saiu. Tudo o que podia ouvir eram os
gritos de pessoas lutando e matando umas às outras ao entrarem no pátio. Um
pote/barril em chamas assobiou ao passar por cima de sua cabeça e se espatifou
no telhado da mansão do governador, que começou a pegar fogo. Ao ir mais longe,
ele de repente avistou homens e mulheres envoltos em chamas no meio da rua;
eles dançavam loucamente enquanto fugiam.
“A
cidade caiu!” Um soldado entrou correndo e gritou, “Depressa! O governador foi
para o sul da cidade! Ele está lutando com os inimigos lá! Vão! Não demorem!”
Localizada
na parte norte da cidade, a mansão do governador foi o primeiro local a receber
o impacto e sofrer ataques consecutivos da cavalaria inimiga quando ela rompeu
o muro da cidade.
✵✵✵
Notas
de tradução:
[1] Tempo
necessário para se queimar um bastão de incenso:
Cerca de 30 minutos.
[2] “Vestir-se
de Deus para bancar o diabo”: expressão chinesa que basicamente quer dizer “alguém tentando enganar
as pessoas”. Parece muito o nosso “lobo em pele de cordeiro”.
[3] mana: comumente interpretado como a
substância da qual a magia é feita, além de ser a substância que forma a alma.
Essa força existiria não só nas pessoas, mas nos animais e objetos inanimados,
instigando no observador um sentimento de respeito ou de admiração.
[4]
Ban Chao: um notável diplomata e
militar Han.
[5]
Regiões Ocidentais:
termo da Dinastia Han para a região além da Passagem de Yumen.
[6]
Fangshi: criadores das pílulas
de imortalidade + curandeiros + divinos através da astrologia. Danshis:
são um tipo de fangshi que apenas produzem medicamentos.
[7] yao: equivalente aos youkais, também
traduzido para monstros.
[8]
Yizhou: nome de um antigo
estado/cidade na atual província de Sichuan. Yelang: pequeno reino
bárbaro no sul da China durante a dinastia Han.
[9]
Planícies Centrais:
também conhecida como Zhongtu, Chungtu ou Zhongzhou, Chungchou; é a área no
curso inferior do rio Amarelo que formou o berço da civilização chinesa. Faz
parte da planície do norte da China.
[10]
Encher mares:
isso vem de uma antiga história chinesa sobre o pássaro Jingwei, a encarnação
da filha de um deus que morreu afogada; ela jogou pedras e grama no mar para
"enchê-lo", já que ela não queria que outras pessoas morressem por
afogamento como ela.
[11]
“Cinco Fantasmas que Transportam Fortuna”: é um ditado literal, quer dizer basicamente invocar cinco fantasma
para carregarem sua grana.
[12] Laozi: filósofo
chinês, fundador do taoísmo. 'Chegar ao mistério dentro do mistério mais
profundo é a porta para o segredo de toda a vida: tradução retirada de “A
sabedoria de Laotse”, de Lin Yutang [Lín Yǔtáng] 林語堂, 1948.
[13] Guanzhong: Também chamada de Planícies
Qinchuan, é a área localizada dentro da Grande Muralha, entre as montanhas do
Norte, o morro Qin no Sul (que divide Norte e Sul da China), a cidade de Baoji
ao Leste (antigamente chamada de Chen Cang), e a passagem Tong ao Oeste.
[14] Período
Yongjia: Período da dinastia Jin
entre 307 - 313, regido pelo imperador Huai.
[15] Jiankang: antigo nome da cidade de Nanjing.
[16]
Rio Yangtze: era
considerado uma fortaleza natural intransponível e de fácil defesa. Eles
provavelmente foram dizimados por um exército que defendia o rio.
[17] Shi Le: fundador do Zhao Posterior dos Dezesseis Reinos.
[18]
Heng Wen: genro do imperador Jin.
[19]
Ran Min: também conhecido como
Shi Min, homenageado postumamente pelo antigo Yan como rei celestial Wudao de
Wei, nome de cortesia Yongzeng, apelido Jinu; foi um líder militar durante a
era dos Dezesseis Reinos na China e o único imperador do estado chamado Ran Wei,
que teve curta duração.
[20]
Fu Jian: Também chamado de
Jiantou, é o imperador Hu (Qin) dentro da Grande Muralha, reinou de 357-385.
[21]
Monte Hua: em
Shaanxi, montanha oeste das Cinco Montanhas Sagradas, onde Chen Xing morava com
seu mestre.
[22] Mara: Uma tradução literal do seu nome
seria o demônio divino; no budismo, é o demônio que tentou atrair o príncipe
sidarta (Gautama buda), tentando seduzi-lo com a visão de belas mulheres que,
em várias lendas, são muitas vezes ditas como filhas de Mara. Na cosmologia
budista, Mara é associado com a morte, renascimento e o desejo.
[23] Yaoren: aparentemente, são semelhantes a
fangshis, mas este é um termo depreciativo.
✵✵✵✵✵
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