domingo, 25 de outubro de 2020

[Novel] Tianbao Fuyao Lu - Capítulo 004


-
Tradução: Foxita
Revisão: Mahoutsukai

✦✦✦✦✦

Capítulo 004: Luz Sagrada Adentra do Mundo

Um mês depois.
No breu da noite em que não se enxergava um palmo à frente do nariz, chovia torrencialmente nas planícies. Trovões retumbavam e raios cortavam o céu noturno de tempos em tempos, iluminando intensamente a região.
“Eu não sei pra onde ele fugiu!” Hongjun limpou o rosto, vasculhando na escuridão ao seu redor. Parecia haver inúmeros perigos à espreita na noite. Qi[1] de yao dispersava-se por todo o entorno.
“Pare de persegui-lo!” o yao carpa, que seguia em seu encalço, gritou, “Nós estamos quase chegando em Chang’an.”
Hongjun gritou de volta, “Nós temos que nos livrar do máximo de yaos possível!”
Encharcado da cabeça aos pés, Hongjun parou sobre as planícies. Ele ofegava com fios de cabelo grudados em sua testa. Depois de uma árdua jornada de um mês, em que viajou das Montanhas Taihang até Guanlong, suas roupas estavam irreparavelmente em farrapos. Metade do seu corpo ainda sangrava, mas o sangue era lavado pela chuva que caía sobre si, escorrendo lama abaixo.
Naquele momento, sua mente transbordava com cenas de casas de palha em chamas nas Planícies Qinchuan e com a triste imagem de crianças tendo partes de suas cabeças devoradas.
Ele cautelosamente olhou ao redor. O barulho da chuva cobria o som farfalhante que o yao fazia ao atravessar os campos da planície. Após um relâmpago, não sobrara nada além da forte chuva que continuava a cair. Naquela escuridão, a única fonte de luz era o pingente pendurado em seu pescoço, que emitia um brilho quente.
Então, um estrondo se fez ouvir. De repente, dos campos de trigo, surgiu um yao negro com dois zhang[2] de comprimento – sua boca aberta exibia fileiras de dentes afiados e assustadores, e ele tinha ainda cinco olhos sanguinolentos em sua cabeça. A criatura, tão grande quanto uma casa, parecia um bagre, mas com quatro garras, que ainda gotejavam muco quando a criatura mordiscou em direção à cabeça de Hongjun!
“É um peixe ao[3]!”
O yao carpa gritou e Hongjun de súbito virou-se para trás. Ele levou as duas mãos à frente do corpo, criando uma barreira de luz espectral. O peixe ao colidiu com a barreira, batendo primeiramente com a cabeça e soltando um gemido de dor ao cair para trás.
Num piscar de olhos, Hongjun girou sua faca de arremesso entre os dedos e a lançou contra o olho central do peixe ao, bem no topo da cabeça dele!
Aquela Faca de Arremesso Zhanxian era um tesouro deixado pelo antigo Imortal Luya[4], e havia uma para cada elemento – vento, trovão, água e fogo. Neste momento, a faca de arremesso de trovão que havia sido lançada instantaneamente desencadeou relâmpagos que caíram do céu como uma cachoeira. O peixe ao virou sua cabeça tentando desviar, mas um dos olhos em sua testa foi cegado pela faca. A criatura rugiu alto e rolou pelo chão, refugiando-se em meio à lama e desaparecendo.
Logo na sequência, lama espirrou por toda a estrada. O chão se partiu como uma onda, projetando-se para longe. Hongjun imediatamente pegou o yao carpa e o enfiou em sua bolsa, então montou num cavalo e gritou “Jiá!”
A cidade de Chang’an estava envolta na escuridão provocada pela tempestade. No topo do muro, vários soldados usando chapéus de bambu se sentavam sob beirais que os protegiam da chuva. De repente, o rugido estridente de um yao pôde ser ouvido de fora da cidade.
“O que está acontecendo lá fora?!”
Um após o outro, todos os soldados acordaram sobressaltados e se reuniram sobre o muro. Relâmpagos cruzavam o céu quando eles avistaram, ao longo da estrada, do lado de fora da cidade, uma cena muito estranha – havia algo brilhando em meio à lama, que era espirrada por todos os lados enquanto a terra se partia ao meio, como se uma carruagem invisível se dirigisse pela estrada, apressada e furiosamente, em direção aos portões de Chang’an.
Por detrás da terra que se partia, alguém montado num cavalo a perseguia num frenesi, gritando loucamente: “Pra onde você tá fugindo?!”
“Atirem as flechas! Atirem!”
“Há um toque de recolher em Chang’an. Você não pode entrar na cidade!”
No entanto, o aviso havia chegado tarde demais, ou podia-se dizer que o evento imprevisto ocorrera muito rapidamente. Antes que o líder responsável pela defesa pudesse acabar de falar, o gigante invisível envolto em raios já havia alcançado o fosso da cidade.
“Ao!” Com um rugido alto, uma enorme criatura preta saiu apressadamente do fosso e saltou.
No topo do muro, todos os soldados encararam boquiabertos o gigantesco peixe ao de quatro membros, que abanava a própria cauda. A criatura disparou alto no ar, sua testa ainda tremeluzindo pela eletricidade.
A criatura saltou cerca de três metros no ar, trazendo consigo chorume e água do fosso. Então, ela se projetou sobre a capital, estraçalhando as bordas das telhas, finalmente sacudindo-se para o lado de dentro.
Líder de Defesa da Cidade, “...”
Em seguida, o gigantesco peixe ao atirou-se no chão de Chang’an. Tijolos de pedra foram feitos em pedaços, voando em todas as direções. O peixe ao enterrou-se no chão e disparou em direção à estrada principal, com uma luz elétrica visível pela superfície da terra.
“Ah!” Somente então dezenas de guardas despertaram de seus devaneios, gritando de medo.
“Pare de persegui-lo!” Uma voz gritou na noite.
“Minha faca de arremesso ainda está presa nele!” Outra voz gritou em resposta.
“Então invoque a faca de volta! Você é burro?!”
“Não posso! Ele não consegue fugir pela terra porque a faca está presa nele. Se eu a invocar, ele vai mergulhar no chão e desaparecer!”
Logo depois, um gancho disparou em direção aos beirais de Chang’an com um silvo. Uma silhueta forte e refinada emergiu como uma divindade, iluminada por uma luz branca. Novamente os guardas apenas encararam inexpressivos enquanto Hongjun andava pelos beirais. Ele estendeu os braços no ar, pulando até o chão e voando em direção à cidade.
“R-r-rápido... rápido, avisem os guardas imperiais!” O líder de defesa gritou em pânico de cima do muro.
Em Chang’an, Hongjun novamente lançou seu gancho, prendendo-se aos beirais de um lado da estrada, o que reduziu sua velocidade de queda, fazendo-o rolar pelo chão e estacar na sequência.
“Para onde ele foi?” Disse Hongjun.
“Eu falei pra você não o perseguir...” O yao carpa estava enfiado na bolsa[5] de Hongjun. Ele colocou sua cabeça de peixe para fora, abrindo e fechando sua boca ao beber água da chuva.
“Mas eu já o persegui!” Hongjun falou, “Dá pra parar de encher?”
“Atrás de você, atrás de você!” O yao carpa começou a gritar. Ele tinha visto um raio de luz agilmente entrando em um beco.
“Quem está cometendo crimes tarde da noite!”
“Aquele que está emitindo luz! Peguem-no!”
Ouvia-se o som de cascos contra o chão. Patrulheiros do turno da noite avançaram apressados, acompanhados por uma chuva de flechas. “Merda!” Gritou o yao carpa, rapidamente encorajando Hongjun a recuar. Hongjun atirou-se para dentro do beco para perseguir o yao. Pedaços de telha quebrada estavam espalhados por todo o chão. Não havia qualquer sinal do peixe ao. O que se sucedeu foram explosões no beco ao lado, bem como o grito de pessoas em meio à noite. 
“Onde estamos?” Hongjun havia finalmente recobrado os sentidos. Ele olhou para cima, procurando uma beirada à qual pudesse se içar com seu gancho e pular para o outro lado, mas percebeu que estava no fundo do beco, com ambos os lados sem beirais, não havendo nada para se enganchar.
“Alguém está vindo,” o yao carpa falou novamente às suas costas.
Hongjun imediatamente se virou, confirmando que soldados já estavam o alcançado. O soldado na liderança gritou, “Encontrem-nos, eles estão aqui!”
Hongjun continuou a recuar, obviamente sem saber como lidar com a situação. Ele não podia simplesmente matar mortais inocentes como se fossem yaos. No entanto, os guardas em seu encalço não se contiveram minimamente – com um silvo, flechas que encobriam o céu começaram a chover sobre ele. Hongjun rapidamente sacou sua Luz Sagrada Protetora e bloqueou todas as flechas, fazendo-as ricochetearem com um zumbido. Na hora, alguém que havia sido derrubado do cavalo começou a berrar de dor.
“Você está bem?!” Hongjun estava um pouco assustado, ele receava matar um mortal acidentalmente.
Yao!” Ressoou uma voz distinta, “Renda-se!”
Logo em seguida, a água da chuva que havia se acumulado no chão se agitou quando um general correu na direção de Hongjun!
“Pare de lutar! Vá embora!” Choramingou o yao carpa.
“Pra onde eu vou?!” Hongjun continuou a se esquivar dos ataques, não se atrevendo a usar sua faca de arremesso, pois temia machucar algum dos soldados. Ele gritou enquanto se esquivava, “Eu não sou um yao!”
“Você é um yao.”, a carpa o corrigiu, “Seu pai era um Grande Yao puro-sangue, como você não seria um yao?”
Hongjun, “…”
Embora o general não tivesse mana[6], suas habilidades de kung fu eram excepcionais. Toda vez que Hongjun tentava fugir do beco, seu caminho era bloqueado pela espada do general e ele era obrigado a acionar sua Luz Sagrada Pentacromática para se defender.
A chuva pesada tingia o céu e cobria o chão, enquanto trovões ressoavam à distância.
“Eu não vou mais lutar com você!” Hongjun gritou. Com alguns passos, ele subiu o alto muro do estreito beco e então deu uma cambalhota, pulando para o muro oposto e girando sobre a cabeça do general numa tentativa de fuga.
Mas quem poderia imaginar que o general se viraria de súbito, soltando um alto grito ao avançar contra Hongjun, atingindo-o ao mesmo tempo com o próprio corpo e com sua espada? Todavia, quando a lâmina da espada atingiu a Luz Sagrada Pentacromática, ela realmente atravessou a barreira protetora de Hongjun com um zunido!
Hongjun nunca poderia prever que neste mundo haveria uma arma capaz de atravessar sua luz sagrada protetora. Ele prontamente girou no ar, flexionando a mão esquerda e bloqueando com a direita, a parte superior do seu corpo sendo abruptamente jogada para trás no mesmo instante!
Num átimo, parecia que as gotas de chuva haviam congelado em pleno ar – cada gota refletindo uma reluzente e incomum imagem.
Em meio àquele brilho crescente, seu olhar cruzou com o do general, mas no momento seguinte, a espada na mão do militar se adiantou em direção à sua garganta. Quando ele se curvou para desviar, o pingente em seu pescoço tremulou no ar, sendo atingido pela lâmina.
Essa arma não é comum! Quando esse pensamento atravessou sua mente, ele sentiu como se tivesse sido atingido por um raio, mas já era tarde demais – a espada primeiro cortou o colar e depois quebrou o pingente. A peça de cristal se partiu com um estrondo, transformando-se num pó fino; imediatamente depois, uma cegante luz resplandecente explodiu dentro do beco!
Na tempestuosa cidade de Chang’an, um furacão de luz branca se formou, iluminando a magnífica capital da Grande Tang e fazendo parecer que era dia.
A luz ofuscante durou apenas um instante. A rajada de vento criada pela luz empurrou Hongjun e o general ao mesmo tempo. As correntes de vento jogaram Hongjun pelos ares e ele caiu bruscamente no chão.
Novamente se fez silêncio ao redor deles, era possível ouvir apenas o som da forte chuva.
Hongjun grunhiu, lutando para se colocar em pé. Ele enxugou a água dos olhos e inconscientemente levou a mão ao pescoço, imediatamente sentindo como se tivesse sido atingido por dez mil raios.
Cadê o pingente?! Ele quebrou?
Quebrou?!
Quebrou!!!
É o fim do mundo!
Hongjun parecia prestes a desmoronar. Ele se virou olhando para os soldados que gemiam de dor caídos no chão, então seus olhos se voltaram para o general à sua frente, que estava imóvel, aparentemente inconsciente.
“Você está bem?!” Hongjun bateu de leve no rosto dele, gritando ansioso, “Acorde! Onde foi parar minha Lâmpada de Coração?!”
O general vestia uma armadura negra. Quando o pingente fora quebrado, há pouco, ele deu origem a um furacão que mandou para longe o general, atirando-o no canto mais distante do beco. O céu começava a clarear. Uma mistura de gritos vindos do lado de fora do beco podia novamente ser ouvido – lamentos raivosos; gritos de mulheres...
Merda. Uma enxurrada de pensamentos inundou a mente de Hongjun. O pingente se foi, o que eu faço agora? Não, eu preciso me acalmar, todos os problemas podem ser resolvidos pela pessoa bem à minha frente.
Hongjun se esforçou ao máximo para levantar o general, mas a armadura era realmente muito pesada. Juntos, o homem e a armadura pesavam aproximadamente 200 jin[7], então ele displicentemente o despiu, jogando a armadura no chão com um tinido. Com dificuldade, ele carregou o general nos ombros, virando a cabeça para ver mais ao fundo do beco.
No fim da rua, havia uma parede de quintal medindo cerca de um zhang, mas ele não sabia para onde ela o levaria. Hongjun primeiro arrastou o general, depois o carregou. Esse cara deveria ter pelo menos nove chi de altura. Com os dois pés sendo arrastados pelo chão, ele continuou desacordado. Depois de arrastá-lo até a parede, Hongjun estava tão cansado que ofegava. Ele amarrou o gancho em volta do general, içando-o de pouquinho em pouquinho.
Por trás da parede, havia um jardim, cujos vasos de flores estavam todos revirados. Hongjun ouviu mais soldados que o perseguiam vindo do lado contrário, então ele rapidamente agarrou as mãos do general e o arrastou até o pátio dianteiro enquanto arfava. Naquele momento, surgiu o primeiro raio de sol, mas ainda garoava levemente. A maioria dos moradores de Chang’an ainda não havia acordado. Hongjun deixou aquela casa para trás, deparando-se com um labirinto de ruas e becos por todos os lados. Depois de virar numa rua, havia apenas outra rua; ele empacou na hora.
Naquela época, a cidade de Chang’an da Grande Tang tinha doze portões externos e cento e dez casas em seu interior. Ela havia sido projetada pelo próprio Mestre Yuwen Kai[8]. Embora em sua jornada Hongjun tivesse passado por inúmeras vilas, ele nunca havia se deparado com uma capital tão grandiosa quanto aquela, de modo que não fazia ideia de para onde ir.
“Ei! Zhao Zilong! Zhao Zilong!” Hongjun se virou para ver a carpa que pesava dois jin. Os olhos do yao carpa estavam fora de órbita, sua boca encontrava-se aberta e ele permaneceu imóvel por um tempo. Ele provavelmente havia apagado quando Hongjun caiu, fazendo-o bater a cabeça no chão.
“Acorde!” Hongjun estava desamparado naquela situação de crise, ainda assim ele não podia simplesmente deixar o homem para trás e fugir sozinho, mas tampouco sabia para onde ir.
À distância, outro grupo de guardas passou. Hongjun não se atrevia a criar novos problemas. De repente, viu uma pequena porta no beco à sua frente. Uma mulher ria por trás da porta, enquanto se despedia de um homem roliço. Após uma breve troca de provocações, ela guiou um cavalo para fora e o homem montou no animal, partindo.
Hongjun arrastou o general consigo e se escondeu na escuridão para observar por um momento. Ele ouviu o som de cascos vindo novamente por trás dele – os guardas encarregados de procurá-lo estavam se aproximando cada vez mais, então ele apenas reuniu ânimo e ergueu o general, correndo em direção à porta entreaberta.


✦✦✦

Notas de tradução:
[1] Qi: o mesmo que “energia”.
[2] Zhang: uma medida de comprimento chinesa equivalente a 3,33 m.
[3] Peixe ao: peixe mítico com cabeça de dragão.
[4] O imortal Lu Ya, também conhecido como taoísta (daoren) Lu Ya, é um personagem de um romance da Dinastia Ming chamado Fengshen Yanyi. Os artefatos associados a ele são as Facas de Arremesso Zhanxian e as Sete Flechas Cabeça-de-Prego.
[5] Bolsa: Em inglês “knapsack” (mochila). Considerando o contexto, manter a palavra “mochila” seria estranho, então optamos por “bolsa”.
[6] Mana: comumente interpretado como a "substância da qual a magia é feita", além de ser a substância que forma a alma. Essa força existiria não só nas pessoas, mas nos animais e objetos inanimados, instigando no observador um sentimento de respeito ou de admiração.
[7] Jin: uma medida de peso chinesa equivalente a 500 g.
[8] Yuwen Kai (555-612): especialista em planejamento urbano e engenharia de construção na dinastia Sui da China.
✦✦✦✦✦

Olá!!! Eu sou a Foxita ^^ e a partir de hoje vou ajudar a traduzir Tianbao para o português. É a primeira vez q participo de um projeto assim e podem ter certeza que tudo é feito com muito carinho e dedicação. Espero que vocês possam aproveitar muito e também se apaixonar por essa obra maravilhosa (Feitian já ganhou um lugar no meu S2). Por favor, fiquem à vontade para me dar toques, dicas e sugestões. Espero que possamos ver o final dessa história juntos! Muito obrigada por me receberem e até a próxima! =***

Um comentário:

Obrigada pelo seu comentário! Ele será analisado e logo aparecerá. Por favor, evite fazer spam e ficar cobrando atualização ou mencionando outros sites que façam trabalhos paralelos ao nosso. Respeito em primeiro lugar~