Tradução: Foxita
Revisão: Mahoutsukai
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Capítulo 004: Luz Sagrada Adentra do Mundo
Um mês
depois.
No breu da
noite em que não se enxergava um palmo à frente do nariz, chovia
torrencialmente nas planícies. Trovões retumbavam e raios cortavam o céu
noturno de tempos em tempos, iluminando intensamente a região.
“Eu não
sei pra onde ele fugiu!” Hongjun limpou o rosto, vasculhando na escuridão ao
seu redor. Parecia haver inúmeros perigos à espreita na noite. Qi[1] de
yao dispersava-se por todo o entorno.
“Pare de
persegui-lo!” o yao carpa, que
seguia em seu encalço, gritou, “Nós estamos quase chegando em Chang’an.”
Hongjun
gritou de volta, “Nós temos que nos livrar do máximo de yaos possível!”
Encharcado
da cabeça aos pés, Hongjun parou sobre as planícies. Ele ofegava com fios de
cabelo grudados em sua testa. Depois de uma árdua jornada de um mês, em que
viajou das Montanhas Taihang até Guanlong, suas roupas estavam irreparavelmente
em farrapos. Metade do seu corpo ainda sangrava, mas o sangue era lavado pela
chuva que caía sobre si, escorrendo lama abaixo.
Naquele
momento, sua mente transbordava com cenas de casas de palha em chamas nas
Planícies Qinchuan e com a triste imagem de crianças tendo partes de suas
cabeças devoradas.
Ele
cautelosamente olhou ao redor. O barulho da chuva cobria o som farfalhante que
o yao fazia ao atravessar os campos da planície. Após um relâmpago, não sobrara
nada além da forte chuva que continuava a cair. Naquela escuridão, a única
fonte de luz era o pingente pendurado em seu pescoço, que emitia um brilho
quente.
Então, um
estrondo se fez ouvir. De repente, dos campos de trigo, surgiu um yao
negro com dois zhang[2] de comprimento – sua boca aberta exibia
fileiras de dentes afiados e assustadores, e ele tinha ainda cinco olhos sanguinolentos
em sua cabeça. A criatura, tão grande quanto uma casa, parecia um bagre, mas
com quatro garras, que ainda gotejavam muco quando a criatura mordiscou em
direção à cabeça de Hongjun!
“É um peixe
ao[3]!”
O yao
carpa gritou e Hongjun de súbito virou-se para trás. Ele levou as duas mãos à
frente do corpo, criando uma barreira de luz espectral. O peixe ao colidiu
com a barreira, batendo primeiramente com a cabeça e soltando um gemido de dor
ao cair para trás.
Num piscar
de olhos, Hongjun girou sua faca de arremesso entre os dedos e a lançou contra
o olho central do peixe ao, bem no topo da cabeça dele!
Aquela
Faca de Arremesso Zhanxian era um tesouro deixado pelo antigo Imortal Luya[4],
e havia uma para cada elemento – vento, trovão, água e fogo. Neste momento, a faca
de arremesso de trovão que havia sido lançada instantaneamente desencadeou relâmpagos
que caíram do céu como uma cachoeira. O peixe ao virou sua cabeça
tentando desviar, mas um dos olhos em sua testa foi cegado pela faca. A
criatura rugiu alto e rolou pelo chão, refugiando-se em meio à lama e
desaparecendo.
Logo na
sequência, lama espirrou por toda a estrada. O chão se partiu como uma onda,
projetando-se para longe. Hongjun imediatamente pegou o yao carpa e o
enfiou em sua bolsa, então montou num cavalo e gritou “Jiá!”
A cidade
de Chang’an estava envolta na escuridão provocada pela tempestade. No topo do
muro, vários soldados usando chapéus de bambu se sentavam sob beirais que os
protegiam da chuva. De repente, o rugido estridente de um yao pôde ser ouvido
de fora da cidade.
“O que
está acontecendo lá fora?!”
Um após o
outro, todos os soldados acordaram sobressaltados e se reuniram sobre o muro.
Relâmpagos cruzavam o céu quando eles avistaram, ao longo da estrada, do lado
de fora da cidade, uma cena muito estranha – havia algo brilhando em meio à
lama, que era espirrada por todos os lados enquanto a terra se partia ao meio, como
se uma carruagem invisível se dirigisse pela estrada, apressada e furiosamente,
em direção aos portões de Chang’an.
Por detrás
da terra que se partia, alguém montado num cavalo a perseguia num frenesi,
gritando loucamente: “Pra onde você tá fugindo?!”
“Atirem as
flechas! Atirem!”
“Há um
toque de recolher em Chang’an. Você não pode entrar na cidade!”
No
entanto, o aviso havia chegado tarde demais, ou podia-se dizer que o evento
imprevisto ocorrera muito rapidamente. Antes que o líder responsável pela
defesa pudesse acabar de falar, o gigante invisível envolto em raios já havia
alcançado o fosso da cidade.
“Ao!” Com
um rugido alto, uma enorme criatura preta saiu apressadamente do fosso e
saltou.
No topo do
muro, todos os soldados encararam boquiabertos o gigantesco peixe ao de quatro
membros, que abanava a própria cauda. A criatura disparou alto no ar, sua testa
ainda tremeluzindo pela eletricidade.
A criatura
saltou cerca de três metros no ar, trazendo consigo chorume e água do fosso.
Então, ela se projetou sobre a capital, estraçalhando as bordas das telhas,
finalmente sacudindo-se para o lado de dentro.
Líder de
Defesa da Cidade, “...”
Em seguida,
o gigantesco peixe ao atirou-se no chão de Chang’an. Tijolos de pedra
foram feitos em pedaços, voando em todas as direções. O peixe ao
enterrou-se no chão e disparou em direção à estrada principal, com uma luz
elétrica visível pela superfície da terra.
“Ah!”
Somente então dezenas de guardas despertaram de seus devaneios, gritando de
medo.
“Pare de
persegui-lo!” Uma voz gritou na noite.
“Minha faca
de arremesso ainda está presa nele!” Outra voz gritou em resposta.
“Então
invoque a faca de volta! Você é burro?!”
“Não
posso! Ele não consegue fugir pela terra porque a faca está presa nele. Se eu a
invocar, ele vai mergulhar no chão e desaparecer!”
Logo depois,
um gancho disparou em direção aos beirais de Chang’an com um silvo. Uma silhueta
forte e refinada emergiu como uma divindade, iluminada por uma luz branca. Novamente
os guardas apenas encararam inexpressivos enquanto Hongjun andava pelos
beirais. Ele estendeu os braços no ar, pulando até o chão e voando em direção à
cidade.
“R-r-rápido...
rápido, avisem os guardas imperiais!” O líder de defesa gritou em pânico de
cima do muro.
Em
Chang’an, Hongjun novamente lançou seu gancho, prendendo-se aos beirais de um
lado da estrada, o que reduziu sua velocidade de queda, fazendo-o rolar pelo chão
e estacar na sequência.
“Para onde
ele foi?” Disse Hongjun.
“Eu falei
pra você não o perseguir...” O yao carpa estava enfiado na bolsa[5]
de Hongjun. Ele colocou sua cabeça de peixe para fora, abrindo e fechando sua
boca ao beber água da chuva.
“Mas eu já
o persegui!” Hongjun falou, “Dá pra parar de encher?”
“Atrás de
você, atrás de você!” O yao carpa começou a gritar. Ele tinha visto um
raio de luz agilmente entrando em um beco.
“Quem está
cometendo crimes tarde da noite!”
“Aquele
que está emitindo luz! Peguem-no!”
Ouvia-se o
som de cascos contra o chão. Patrulheiros do turno da noite avançaram
apressados, acompanhados por uma chuva de flechas. “Merda!” Gritou o yao
carpa, rapidamente encorajando Hongjun a recuar. Hongjun atirou-se para dentro
do beco para perseguir o yao. Pedaços de telha quebrada estavam
espalhados por todo o chão. Não havia qualquer sinal do peixe ao. O que se
sucedeu foram explosões no beco ao lado, bem como o grito de pessoas em meio à
noite.
“Onde
estamos?” Hongjun havia finalmente recobrado os sentidos. Ele olhou para cima,
procurando uma beirada à qual pudesse se içar com seu gancho e pular para o
outro lado, mas percebeu que estava no fundo do beco, com ambos os lados sem
beirais, não havendo nada para se enganchar.
“Alguém
está vindo,” o yao carpa falou novamente às suas costas.
Hongjun
imediatamente se virou, confirmando que soldados já estavam o alcançado. O
soldado na liderança gritou, “Encontrem-nos, eles estão aqui!”
Hongjun
continuou a recuar, obviamente sem saber como lidar com a situação. Ele não
podia simplesmente matar mortais inocentes como se fossem yaos. No
entanto, os guardas em seu encalço não se contiveram minimamente – com um silvo,
flechas que encobriam o céu começaram a chover sobre ele. Hongjun rapidamente
sacou sua Luz Sagrada Protetora e bloqueou todas as flechas, fazendo-as
ricochetearem com um zumbido. Na hora, alguém que havia sido derrubado do
cavalo começou a berrar de dor.
“Você está
bem?!” Hongjun estava um pouco assustado, ele receava matar um mortal
acidentalmente.
“Yao!”
Ressoou uma voz distinta, “Renda-se!”
Logo em
seguida, a água da chuva que havia se acumulado no chão se agitou quando um
general correu na direção de Hongjun!
“Pare de
lutar! Vá embora!” Choramingou o yao carpa.
“Pra onde
eu vou?!” Hongjun continuou a se esquivar dos ataques, não se atrevendo a usar
sua faca de arremesso, pois temia machucar algum dos soldados. Ele gritou
enquanto se esquivava, “Eu não sou um yao!”
“Você é um
yao.”, a carpa o corrigiu, “Seu pai era um Grande Yao
puro-sangue, como você não seria um yao?”
Hongjun,
“…”
Embora o
general não tivesse mana[6], suas habilidades de kung fu eram
excepcionais. Toda vez que Hongjun tentava fugir do beco, seu caminho era
bloqueado pela espada do general e ele era obrigado a acionar sua Luz Sagrada
Pentacromática para se defender.
A chuva
pesada tingia o céu e cobria o chão, enquanto trovões ressoavam à distância.
“Eu não
vou mais lutar com você!” Hongjun gritou. Com alguns passos, ele subiu o alto
muro do estreito beco e então deu uma cambalhota, pulando para o muro oposto e girando
sobre a cabeça do general numa tentativa de fuga.
Mas quem
poderia imaginar que o general se viraria de súbito, soltando um alto grito ao avançar
contra Hongjun, atingindo-o ao mesmo tempo com o próprio corpo e com sua espada?
Todavia, quando a lâmina da espada atingiu a Luz Sagrada Pentacromática, ela
realmente atravessou a barreira protetora de Hongjun com um zunido!
Hongjun
nunca poderia prever que neste mundo haveria uma arma capaz de atravessar sua
luz sagrada protetora. Ele prontamente girou no ar, flexionando a mão esquerda
e bloqueando com a direita, a parte superior do seu corpo sendo abruptamente
jogada para trás no mesmo instante!
Num átimo,
parecia que as gotas de chuva haviam congelado em pleno ar – cada gota refletindo
uma reluzente e incomum imagem.
Em meio àquele
brilho crescente, seu olhar cruzou com o do general, mas no momento seguinte, a
espada na mão do militar se adiantou em direção à sua garganta. Quando ele se
curvou para desviar, o pingente em seu pescoço tremulou no ar, sendo atingido
pela lâmina.
Essa arma
não é comum! Quando esse pensamento atravessou sua mente,
ele sentiu como se tivesse sido atingido por um raio, mas já era tarde demais –
a espada primeiro cortou o colar e depois quebrou o pingente. A peça de cristal
se partiu com um estrondo, transformando-se num pó fino; imediatamente depois,
uma cegante luz resplandecente explodiu dentro do beco!
Na
tempestuosa cidade de Chang’an, um furacão de luz branca se formou, iluminando
a magnífica capital da Grande Tang e fazendo parecer que era dia.
A luz
ofuscante durou apenas um instante. A rajada de vento criada pela luz empurrou
Hongjun e o general ao mesmo tempo. As correntes de vento jogaram Hongjun pelos
ares e ele caiu bruscamente no chão.
Novamente se fez silêncio ao redor deles, era
possível ouvir apenas o som da forte chuva.
Hongjun
grunhiu, lutando para se colocar em pé. Ele enxugou a água dos olhos e
inconscientemente levou a mão ao pescoço, imediatamente sentindo como se
tivesse sido atingido por dez mil raios.
Cadê
o pingente?! Ele quebrou?
Quebrou?!
Quebrou!!!
É o fim do mundo!
Hongjun parecia
prestes a desmoronar. Ele se virou olhando para os soldados que gemiam de dor
caídos no chão, então seus olhos se voltaram para o general à sua frente, que estava
imóvel, aparentemente inconsciente.
“Você está
bem?!” Hongjun bateu de leve no rosto dele, gritando ansioso, “Acorde! Onde foi
parar minha Lâmpada de Coração?!”
O general
vestia uma armadura negra. Quando o pingente fora quebrado, há pouco, ele deu
origem a um furacão que mandou para longe o general, atirando-o no canto mais
distante do beco. O céu começava a clarear. Uma mistura de gritos vindos do
lado de fora do beco podia novamente ser ouvido – lamentos raivosos; gritos de
mulheres...
Merda. Uma
enxurrada de pensamentos inundou a mente de Hongjun. O pingente se foi, o
que eu faço agora? Não, eu preciso me acalmar, todos os problemas podem ser
resolvidos pela pessoa bem à minha frente.
Hongjun se
esforçou ao máximo para levantar o general, mas a armadura era realmente muito
pesada. Juntos, o homem e a armadura pesavam aproximadamente 200 jin[7],
então ele displicentemente o despiu, jogando a armadura no chão com um tinido.
Com dificuldade, ele carregou o general nos ombros, virando a cabeça para ver
mais ao fundo do beco.
No fim da
rua, havia uma parede de quintal medindo cerca de um zhang, mas ele não sabia
para onde ela o levaria. Hongjun primeiro arrastou o general, depois o
carregou. Esse cara deveria ter pelo menos nove chi de altura. Com os dois pés
sendo arrastados pelo chão, ele continuou desacordado. Depois de arrastá-lo até
a parede, Hongjun estava tão cansado que ofegava. Ele amarrou o gancho em volta
do general, içando-o de pouquinho em pouquinho.
Por trás
da parede, havia um jardim, cujos vasos de flores estavam todos revirados. Hongjun
ouviu mais soldados que o perseguiam vindo do lado contrário, então ele
rapidamente agarrou as mãos do general e o arrastou até o pátio dianteiro
enquanto arfava. Naquele momento, surgiu o primeiro raio de sol, mas ainda
garoava levemente. A maioria dos moradores de Chang’an ainda não havia
acordado. Hongjun deixou aquela casa para trás, deparando-se com um labirinto
de ruas e becos por todos os lados. Depois de virar numa rua, havia apenas
outra rua; ele empacou na hora.
Naquela época,
a cidade de Chang’an da Grande Tang tinha doze portões externos e cento e dez
casas em seu interior. Ela havia sido projetada pelo próprio Mestre Yuwen Kai[8].
Embora em sua jornada Hongjun tivesse passado por inúmeras vilas, ele nunca
havia se deparado com uma capital tão grandiosa quanto aquela, de modo que não
fazia ideia de para onde ir.
“Ei! Zhao Zilong! Zhao Zilong!” Hongjun se
virou para ver a carpa que pesava dois jin. Os olhos do yao carpa estavam fora
de órbita, sua boca encontrava-se aberta e ele permaneceu imóvel por um tempo. Ele
provavelmente havia apagado quando Hongjun caiu, fazendo-o bater a cabeça no
chão.
“Acorde!” Hongjun estava desamparado naquela
situação de crise, ainda assim ele não podia simplesmente deixar o homem para
trás e fugir sozinho, mas tampouco sabia para onde ir.
À distância, outro grupo de guardas passou.
Hongjun não se atrevia a criar novos problemas. De repente, viu uma pequena
porta no beco à sua frente. Uma mulher ria por trás da porta, enquanto se
despedia de um homem roliço. Após uma breve troca de provocações, ela guiou um
cavalo para fora e o homem montou no animal, partindo.
Hongjun arrastou o general consigo e se
escondeu na escuridão para observar por um momento. Ele ouviu o som de cascos
vindo novamente por trás dele – os guardas encarregados de procurá-lo estavam
se aproximando cada vez mais, então ele apenas reuniu ânimo e ergueu o general,
correndo em direção à porta entreaberta.
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Notas de tradução:
[1] Qi: o mesmo que “energia”.
[2] Zhang: uma medida de comprimento chinesa
equivalente a 3,33 m.
[3] Peixe ao: peixe mítico com cabeça de dragão.
[4] O imortal Lu Ya, também conhecido como taoísta (daoren) Lu
Ya, é um personagem de um romance da Dinastia Ming chamado Fengshen Yanyi. Os
artefatos associados a ele são as Facas de Arremesso Zhanxian e as Sete Flechas
Cabeça-de-Prego.
[5] Bolsa: Em inglês “knapsack” (mochila). Considerando
o contexto, manter a palavra “mochila” seria estranho, então optamos por
“bolsa”.
[6] Mana: comumente interpretado como a
"substância da qual a magia é feita", além de ser a substância que
forma a alma. Essa força existiria não só nas pessoas, mas nos animais e
objetos inanimados, instigando no observador um sentimento de respeito ou de
admiração.
[7] Jin: uma medida de peso chinesa equivalente a 500
g.
[8] Yuwen Kai (555-612): especialista em planejamento
urbano e engenharia de construção na dinastia Sui da China.
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Olá!!! Eu sou a Foxita ^^ e a partir de hoje
vou ajudar a traduzir Tianbao para o português. É a primeira vez q participo de
um projeto assim e podem ter certeza que tudo é feito com muito carinho e
dedicação. Espero que vocês possam aproveitar muito e também se apaixonar por essa obra
maravilhosa (Feitian já ganhou um lugar no meu S2). Por favor, fiquem à vontade
para me dar toques, dicas e sugestões. Espero que possamos ver o final dessa
história juntos! Muito obrigada por me receberem e até a próxima! =***
Obrigada pela tradução!
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