domingo, 9 de julho de 2023

[Novel] Tianbao Fuyao Lu - Capítulo 027

 


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Tradução: Foxita; Revisão: Miss Sw
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Capítulo 27 - Liuying Chunxiao



Ao cair do crepúsculo, o vento de outono era sombrio. Animados, os membros do Departamento de Exorcismo seguiam Li Jinglong a caminho do bordel, conforme ordem imperial. 
"Quando chegarmos lá, contenham-se um pouco," Li Jinglong instruiu especialmente.
"Ah, não, Capitão Li! Quero dizer, chefe Li!" 
"Fi-fi-fique longe de mim", Li Jinglong se sentiu desconfortável assim que alguém o segurou, então puxou rapidamente Hongjun para o seu lado para bloquear a pessoa.  
Liuying Chunxiao era a maior e mais luxuosa casa de prazeres de Chang’an, superior até mesmo à pequena e erudita Yishi Lan e à cheia de estilo estrangeiro, Tuoling Tingfeng. Como era a primeira vez que Hongjun oficialmente visitava aquele tipo de lugar, ficou bastante assustado e se escondeu às pressas atrás de Li Jinglong. 
"Foi você quem quis vir até Pingkang Li, por que está se escondendo?", falou Li Jinglong, elevando um pouco o tom de voz e parecendo consideravelmente contente em ver o desconforto alheio. Hongjun corou imediatamente, pela primeira vez sentindo na pele o Li Jinglong sentira.    
"Oh, é aquele hu", uma das garotas gritou assim que viu A-Tai e se aproximou dele, que já era famoso em Pingkang Li e entrou bastante confiante naquele reino de salgueiros verdejantes e cerejeiras [1]  
“Hoje, não vou tocar; em vez disso, ouvirei todas vocês tocarem”, disse A-Tai. 
As mulheres ali reunidas ficaram incrivelmente desapontadas e a velha proprietária levou os cinco aos assentos mais grandiosos e luxuosos do salão. Quando Li Jinglong entrou, a música e a dança ainda não haviam começado e os clientes riam e conversavam animadamente. Porém, assim que o viram passar, ficaram todos em silêncio.
Ao passar pela lateral do Liuying Chunxiao, ele propositalmente se aproximou do lago onde ficavam os peixes koi [2] e habilmente sacudiu o saco de pano, mandando o yao carpa água adentro. 
“Divirta-se,” disse Li Jinglong.
“Obrigado!” o yao carpa colocou apenas a cabeça para fora da água e em seguida mergulhou confiante e presunçoso de volta ao cardume, que se assustou e fugiu nas quatro direções. O yao carpa abraçou um das koi, gritando, “Linda, não se vá!” 
Não muito tempo depois, o burburinho de conversas recomeçou. Por toda a Chang’an, o assunto do momento naturalmente era o que havia acontecido no exame imperial; a captura de yaos por Li Jinglong causou sensação pela cidade inteira. Era impossível parar as notícias, que viajavam na velocidade da luz; os rumores se espelharam e por toda parte se especulava sobre aquele grupo de cinco pessoas.
O criado os conduziu até a maior área de estar do salão, montou a tela divisória e os convidou a se sentarem. Três se sentaram à esquerda e dois à direita; Qiu Yongsi e A-Tai ficaram de um lado, enquanto Li Jinglong, Hongjun e Mo Rigen acomodaram-se do outro. Em seguida, Li Jinglong pediu para trazerem outra tela menor, de modo a separar o lado esquerdo do lado direito, ocultando completamente A-Tai e Qiu Yongsi, que regularmente frequentavam bordéis, assim impedindo que as crianças aprendessem maus hábitos.
Os três estavam de frente para o salão aberto e iluminado, que cobria quase meio acre e era ornamentado de forma extremamente luxuosa. Apesar da tela divisória, o som de risadas e vozes femininas flutuou até eles. Quando levantou a cabeça mais uma vez, Hongjun viu que os três andares do Liuying Chunxiao ficavam sobrepostos, ligados um ao outro por pontes de madeira. Lanternas brilhantes estavam penduradas às pontes e o cenário parecia saído de um sonho.
“Jovens mestres, gostaram de alguma garota?”
“Nenhuma,” Li Jinglong veementemente rejeitou a velha proprietária.
“Então, deixe as garotas...”
Li Jinglong: “Não é necessário.”
“Os outros dois jovens mestres precisam de...”
Li Jinglong: “Não precisam.”
Hongjun: “...”
Mo Rigen: “...”
“Viemos aqui pra quê?” Hongjun perguntou a Mo Rigen.
Mo Rigen achou aquilo bem divertido e respondeu, “Eu não sei, você tem que perguntar isso ao chefe.”
Li Jinglong, que comia as uvas que estavam sobre a mesa, respondeu, “Ouvir música, assistir às danças, gastar um pouco de dinheiro e então voltar ao Departamento de Exorcismo para dormir.”
Hongjun perguntou, “Alguém vai dançar mais tarde?”
Li Jinglong: “Sim, também vão tocar guqin... Mo Rigen, se quiser uma garota, sente-se do outro lado da tela.”
Mo Rigen sorriu. “Eu disse que preciso me guardar para minha primeira vez. Hoje só estou aqui para ouvir guqin e música.”
“Se guardar?” Li Jinglong ficou um pouco surpreso.
Após pensar por um momento, Mo Rigen assentiu com a cabeça e Li Jinglong não fez mais perguntas. Mo Rigen prosseguiu, “Chefe, não vai deixar o Hongjun...”
“Ele não precisa.” Li Jinglong impiedosamente cortou a frase de Mo Rigen e em seguida olhou para Hongjun, perguntando, “Não é?”
Hongjun ficou um pouco animado ao se lembrar do que Li Jinglong lhe explicara aquela noite, mas agora que um balde de água fria fora despejado em sua cabeça, não resistiu em se vingar minimamente. “Na verdade, eu também queria me divertir um pouco.”
“Então, vá se sentar do outro lado.” Li Jinglong apontou para Qiu Yongsi e A-Tai. “Este lado é para pessoas decentes. Você quer se sentar aqui ou lá?" 
Hongjun pensou a respeito, mas teve que ceder, “Vou ficar aqui.”
Li Jinglong disse, “Pense bem, esta é sua última chance de mudar de lugar. Daqui a pouco vamos comer biluo [3] de cereja.”
Hongjun: “O quê? Comer o quê? O que é biluo de cereja? Eu não vou mais para o lado de lá, então... posso tomar um pouco de vinho?”
Tudo bem tomar vinho; Li Jinglong alegremente pediu comida e vinho e mandou o criado à loja que o General Han havia aberto ao lado para comprar biluo de cereja. Como sempre, Hongjun era fácil de agradar. Entre dois dos prazeres da vida, comida e luxúria, ele não ligava para luxúria quando comida facilmente o apaziguaria, principalmente quando a comida de que Li Jinglong falava soava tão apetitosa.
“Mas, jovens mestres, daqui a pouco, quando a música e a dança começarem, alguém tem que vir servir o vinho”, a velha proprietária se aproximou novamente. Ela perguntou, “Que tal uma que fique apenas sentadinha no canto?”
Li Jinglong estava prestes a recusar, mas Hongjun de repente se lembrou de algo e perguntou à proprietária, “Você conhece a Sang’er?”
Ela imediatamente respondeu “sim, sim, conheço”, virou-se e mandou alguém ir buscá-la. Li Jinglong pôde apenas permanecer sentado e deixar as coisas acontecerem. Hongjun disse, “Definitivamente não vou fazer nada.”
“Parece que você entendeu,” sorriu Mo Rigen.
Em um instante, Sang’er se aproximou e Hongjun a cumprimentou. Afinal, Sang’er foi a primeira "amiga" que ele fez ao chegar em Chang’an e vê-la novamente o deixou muito feliz. Tecnicamente falando, Sang’er era apenas uma das muitas atendentes que serviam as garotas do Liuying Chunxiao e nunca imaginou que algum cliente fosse solicitar especificamente por ela, ainda mais um patrono de alto nível. Aquilo a deixou extraordinariamente satisfeita.
Quando se viram, os dois começaram a sorrir. Antes de olhar de volta para Hongjun, Sang’er olhou para Li Jinglong, que ficou bastante desconfiado: exatamente como Hongjun estava relacionado a essa “Sang’er”? De repente, ela falou, “Ei, é o Capitão Li! Vocês dois estão juntos! Quando ficou próximo dele?”
Li Jinglong bebia água e naquele momento cuspiu tudo; Mo Rigen, de seu turno, ria tanto que tombou ao lado da mesa.
“Estamos juntos há um tempão!” sorriu Hongjun. “Sang’er, que tal você servir um pouco de vinho para nós? Eu pago!”
Sang’er sorriu ao se colocar de joelhos na área de estar, levantando a jarra e servindo o vinho, um excelente Lanling Daqu [4], que havia sido fermentado a uma coloração âmbar. Ao ser servido em uma tigela de porcelana branca, o aroma do vinho pairava no ar, dando vida ao ditado, “O bom vinho de Lanling é como tulipa, produz luz âmbar em uma tigela de jade”; era o melhor vinho do estabelecimento.
“Não beba muito,” Li Jinglong advertiu Hongjun. “Este vinho é forte.”
Mo Rigen, que comia frutas secas, comentou divertido, “Isso não é vinagre?” [5]
Sang’er respondeu, “Como poderia ser? É nosso melhor vinho!”
Mo Rigen fungou e disse, “Então por que sinto esse cheiro azedo ao nosso redor?”
Li Jinglong: “...”
Sang’er entendeu o que Mo Rigen estava insinuando e logo começou a sorrir, dizendo apressadamente, “Jovem mestre, se puder chegar um pouco mais pra lá...”
Li Jinglong disse, “Mo Rigen, você...”
Sang’er continuou a enxotar Hongjun na direção de Li Jinglong e em seguida sentou-se ao lado de Mo Rigen, que sorriu. “Agora sim.”
Hongjun: “???”
Eles trocaram de lugar de modo que Hongjun se sentasse bem ao lado de Li Jinglong e tivesse que se inclinar um pouco para falar com Sang’er. As costas de Hongjun estavam apoiadas na metade do corpo de Li Jinglong, que, sem dizer mais nada, o deixou se encostar ali. Não muito depois, o criado trouxe o biluo de cereja que havia comprado e todos exclamaram de surpresa.
O recheio principal daquele petisco era feito de cereja em conserva e, no interior da massa à base de ovos, havia pernil de cordeiro assado, queijo fresco, fatias finas de quiabo, miolo de legumes e coisas do tipo. Após ser cozida no vapor, a iguaria era polvilhada como folhas de hortelã picadas. Era delicioso, agridoce e saboroso, nada pesado na boca.
“O que você comprou de gostoso?” Qiu Yongsi espichou a cabeça por trás da tela divisória ao lado e viu algo realmente incrível, apressando-se em perguntar: “Do General Han?”
“É só para esta mesa,” respondeu Li Jinglong friamente. “Se quiser comer, compre você mesmo.”
Li Jinglong havia comprado quatro porções, mas não esperava que Sang’er fosse se juntar a eles, de modo que também teve que dar uma a ela. Depois que Hongjun engoliu a própria porção, perguntou “Tem mais? Vamos comprar mais.”
Li Jinglong deu a ele sua própria porção e virou a cabeça em direção ao salão principal, pensando consigo mesmo, por que não começou ainda? Quando voltou a cabeça e olhou para Hongjun, o outro biluo de cereja também havia desaparecido.
“Tem mais?” perguntou Hongjun novamente.
“Foi com Zhao Zilong que você aprendeu a engolir a comida toda de uma vez?” perguntou Li Jinglong.
Hongjun disse, “Mas eu já terminei.”
Li Jinglong pôde apenas responder, “Acabou. Não posso deixar que coma até se empanturrar, assim vai ficar como uma boa lembrança.”
A Hongjun só coube aceitar a situação e ele começou a se perguntar se conseguiria pegar a metade que ainda estava na mão de Mo Rigen, mas também ele já estava quase terminando de comer.  Li Jinglong disse, “Existem tantas coisas deliciosas no mundo. Um dia, vou te levar para experimentar todas com calma.”
No segundo e no terceiro andar sobre eles, os criados já haviam passado para apagar as lanternas. As luzes do salão diminuíram e as conversas cessaram gradualmente. Na escuridão, um “ding” ressoou e o local caiu em silêncio. Logo em seguida, uma pipa [6] começou a ser tocada. O som era como nuvens e água corrente, e o dedilhado contínuo era como neve branca deslizando trovejante em uma avalanche montanha abaixo, transformando-se em milhões de gotas de água que respingaram sobre o público.
Quando o som cessou, diversas outras pipas começaram a tocar, mesclando-se harmoniosamente à pipa principal, como se centenas de aves seguissem uma fênix no contínuo dedilhar. A música envolveu todo o salão e ecoou no céu acima!
Após ouvirem aqueles dez dedos talentosos dedilharem as cordas, todos vibraram e começaram a aplaudir. Hongjun esqueceu-se completamente do que queria dizer ao se virar para olhar o salão com os olhos cheios de alegria; era realmente muito bom!
Uma ave gorjeou; era uma apresentação de kouji [7]. Logo em seguida, todos os biombos de iluminaram sequencialmente e cada uma das garotas que aguardava sob eles levantou uma tigela de vidro que trazia nas mãos. Em cada tigela, havia uma luz e as luzes multicoloridas deixaram os biombos, caminhando em direção ao centro do salão com passos rápidos.
Nos andares superiores, as bailarinas que acompanhavam a música revelaram-se uma a uma. Com beleza e dança uniformes dos rouxinóis, suas mãos seguravam lanternas, e suas cinturas estavam amarradas com cetim enquanto desciam das alturas com um som esvoaçante.
“Uau...” esta era a primeira vez na vida que Hongjun via algo assim. Li Jinglong explicou, “Rouxinol do Amanhecer da Primavera, assim como o nome Liuying Chunxiao [8].”
As tigelas de vidro ricamente decoradas brilhavam como a luz da primavera e as dançarinas, com sorrisos doces no rosto, giravam em frente à grande área onde eles estavam.
Algumas pessoas no salão já tinham visto essa dança antes, mas ainda assim não resistiram e aplaudiram. Hongjun exclamou, “É tão lindo!”
Como se centenas de pássaros saudassem a primavera e vida brotasse abundantemente, as dançarinas carregando tigelas de vidro primeiramente se reuniram no centro e em seguida se espalharam para as laterais, revelando o biombo que mais parecia uma lanterna giratória estampada [9]. Atrás do biombo, uma silhueta esguia segurava a pipa na mão; era justamente a pessoa que comandara a música anterior. 
A música da pipa ressoou novamente e a mulher gentilmente abriu os lábios, pondo-se a cantar. “Na chuva da manhã e na leve poeira da cidade de Wei, a pousada é verde como os salgueiros...”
Hongjun: “!!!”
O nome daquela música era “Yangguan Sandie [10]”, recentemente popularizada em Chang’an. Por mais que já tivesse sido tocada inúmeras vezes, aquele belo cenário de primavera, em que as sombras ao redor lentamente desvaneciam, emprestava-lhe um sabor completamente novo.
Sang'er se curvou e se afastou para pegar mais vinho. Sentindo-se levemente embriagado, Hongjun se apoiou no ombro de Li Jinglong, enquanto observava atordoado a mulher que tocava pipa, cantando baixinho “Te aconselho a beber mais vinho...”
Uma das mãos de Li Jinglong estava sobre a mesa e batia suavemente contra a lateral da mão de Hongjun, enquanto os dois cantavam juntos e baixinho, “... rumo ao oeste, saindo de Yangguan, não há nenhum velho amigo...”
O palco em que a mulher que tocava pipa se sentava foi lentamente empurrado na direção de Li Jinglong e Hongjun sob esforços conjuntos do grupo de mulheres e, quando a música terminou, ela a combinou com outra peça. Sua voz gentil cantou, “A grama no norte é verde como jade e as amoreiras baixam seus galhos verdes...”
“Li Bai! É um verso do Li Bai!” ao ouvir um poema de seu ídolo, Hongjun ficou imediatamente animado.
Li Jinglong não resistiu e sorriu para aquilo, colocando uma mão no ombro de Hongjun. A tocadora de pipa foi empurrada até ficar em frente ao assento deles e encarou os olhos de Hongjun, cantando “Lembrar-me dos velhos dias, parte meu coração...”
Hongjun também começou a sorrir. Isso era realmente agradável aos olhos e ao coração!
Ao ver o sorriso que a pipaista lançou na direção deles, Li Jinglong fechou a cara novamente.
“...Não conheço a brisa da primavera, então por que ela descortina minha cama?” Depois de cantar esse verso, a linda pipaista abaixou a cabeça e seu olhar carregava um toque de tristeza. A voz dela era doce e a plataforma onde se sentava recuou.
Naquele momento, todos no salão aplaudiram ruidosamente. Quando estavam prestes a dar gorjetas aos artistas, a tocadora de pipa sorriu de repente. Acima de suas cabeças, um fogo rugiu. Hongjun levou um susto tão grande que pulou e ergueu o olhar - eram apenas os criados acendendo a enorme lanterna giratória estampada pendurada no terceiro andar.
Quando a lanterna se acendeu, o salão inteiro do Liuying Chunxiao se iluminou intensamente e inúmeros rouxinóis surgiram no biombo, criando um contraste com a cena escura à frente. Conforme a lanterna estampada lentamente girava, inúmeros pássaros pareciam voar ao redor.
Quando Hongjun abaixou a cabeça novamente, ele viu que a tocadora de pipa havia se retirado para trás da plataforma que continuava a girar lentamente, revelando um homem alto, magro e de meia-idade que segurava uma pipa na mão.
As dançarinas também se retiraram e o salão bem iluminado tornou-se o palco daquele homem, que parecia não querer alardear suas habilidades musicais e simplesmente acariciou as cordas da pipa com uma das mãos. As notas fluíram e ele cantou: “Flores vermelhas crescem no país ao sul, quantas brotarão na primavera? Espero que você colha muitas como símbolo de nosso recíproco anseio... [11]”
Hongjun ficou imediatamente encantado. A voz daquele homem era completamente diferente da de A-Tai; enquanto a voz de A-Tai era clara e límpida, a deste homem era rouca e pesada. Mas, quando cantava, ela era semelhante à de A-Tai no sentido de que parecia penetrar diretamente no coração de uma pessoa, enviando arrepios por todo o couro cabeludo.
“Li Guinian [12]?!”
No Liuying Chunxiao, todos os convidados estavam em alvoroço. Algumas pessoas gritaram o nome daquele mestre, mas foram rapidamente silenciadas pelos demais ao redor.
De trás da tela divisória ao lado deles, de repente veio o barulho de um prato sendo virado.
Hongjun perguntou para Li Jinglong, “Ele canta tão bem! Quem é?”
“Li Guinian,” Li Jinglong respondeu prontamente enquanto sorria e assistia.
Aquele de fato era Li Guinian, o músico número um da capital, e quando ele viu Li Jinglong, acenou com a cabeça e sorriu. Hongjun exclamou, “Vocês se conhecem?”
“Hm.” Li Jinglong passou um braço sobre Hongjun, fazendo-o se inclinar um pouco mais perto e disse preguiçosamente, “Esse cara geralmente não vem tocar no Liuying Chunxiao, mas hoje veio e me salvou um pouco da face.”
Somente agora Hongjun finalmente entendeu: Li Guinian estava ali especialmente a pedido de Li Jinglong!
Li Guinian novamente dedilhou as cordas e desta vez começou com o verso "Na primavera, o rio sobe até a altura do mar, onde a lua brilhante parece nascer da maré... seguindo os feixes de luz nas ondas por milhares de li, pode o rio existir sem luar?" [13]
Acima, a luz da lanterna giratória diminuiu mais uma vez enquanto o grupo de mulheres se aglomerava, alinhando-se atrás de Li Guinian, cada qual segurando uma pipa na mão enquanto se juntava a ele. A voz profunda de Li Guinian entrelaçou-se harmonicamente ao coro de pipa, como se a maré gentilmente os carregasse e uma rodada de lanternas brilhantes e a lua iluminassem a noite de primavera por milhares de li.
Hongjun ouviu totalmente em êxtase até o trecho “a lua minguante silenciosamente se oculta na névoa do mar e infinita é a estrada entre Jieshi e Xiaoxiang [14].” Li Guinian fez uma pausa para recuperar o fôlego e prosseguiu, “Quem sabe quantos voltarão com o luar, a lua que se põe dissipa os anseios pelas árvores à beira do rio.” A pipa silenciou aos poucos e o coração de Hongjun pareceu seguir a vazante e o fluxo da maré, voltando lentamente ao lugar. O grande salão também escureceu lentamente.
“Posso procurá-lo para brincar com ele hoje à noite?”
“Li Guinian não vende seu corpo”, disse Li Jinglong um pouco embriagado sem saber se ria ou se chorava. 
“Quero pedir que ele me ensine” falou Hongjun animado. “Ele canta tão bem!”
“Você já se esqueceu de mim?” perguntou A-Tai tristemente do outro lado da tela divisória.
Hongjun sorriu. “Eu realmente gostaria que vocês dois pudessem se apresentar no mesmo palco. Chang’an nunca se esqueceria desse dia.”
“Não posso me comparar a ele” disse A-Tai.
Qiu Yongsi disse, “Chefe, você conhece Li Guinian? Nunca te ouvi falar nele antes.”
Li Jinglong disse, “Alguns anos atrás, quando ele ainda não era famoso, eu costumava pagar para vê-lo tocar, só isso. Agora que ele é o famoso músico imperial de Sua Majestade, não posso mais pagar por ele, mas tudo que tive que fazer foi perder um pouco de face para convencê-lo a tocar algumas músicas.”
O salão se iluminou novamente e desta vez um coro de instrumentos musicais começou a tocar simultaneamente. As garotas no salão começaram a dançar, agitando as mangas e rodopiando em suas roupas coloridas e enfeitadas. Após a apresentação de Li Guinian, o restante das músicas e danças parecia menor em comparação. Hongjun continuava a se lembrar do poema cantado por Liu Guinian, que parecia ter roubado seu coração.
Ao segundo geng [15] e com a chegada do habitual toque de recolher de Chang'an, a diversão finalmente acabou. Incapazes de vencer o álcool, um a um os clientes se abraçavam a alguém e eram carregados até os andares superiores para dormir. Durante a noite, Hongjun tomou vinho como se fosse água e acabou ficando tão bêbado que estava largado sobre a mesa. Li Jinglong o sacudiu gentilmente, perguntando, “Ei, vamos voltar?”
Qiu Yongsi se aproximou, mas Li Jinglong indicou que estava tudo bem se ele fosse embora. Mo Rigen se virou para contemplar a lua de outono. Li Jinglong queria carregar Hongjun de volta, mas ponderou que fazia frio aquela noite, então apenas reuniu alguns biombos ao redor deles no salão para passarem a noite ali. Cheirando a álcool, Hongjun ergueu os olhos para Li Jinglong e disse, “Chefe...”
Li Jinglong também estava sob efeito do álcool e perguntou, “Quer um pouco de água?”
“Você... me devolva minha Lâmpada de Coração,” Hongjun sorriu e disse, “Eu quero ir pra casa.”
Li Jinglong: “...”
Hongjun, então, rolou para o lado e dormiu.
Incapaz de fazer qualquer coisa, Li Jinglong ajustou suas vestes e se deitou ao lado de Hongjun e adormeceu, ambos deitados ombro a ombro.
Estava quase amanhecendo; Mo Rigen tinha ido sabe-se lá para onde e Li Jinglong deu tapinhas em Hongjun. Ele tinha recuperado um pouco da sobriedade e pediu que Hongjun voltasse com ele.
Quando os dois passaram a cavalo sobre a ponte Jiuqu [16], Li Jinglong intencionalmente desacelerou um pouco e, ao ver que Hongjun não se opôs, perguntou, “Quer descer e caminhar um pouco?”
A manhã de outono estava nublada e Hongjun ficou um pouco mais sóbrio. Com o vento frio, sentiu vontade de vomitar e foi até o fim da ponte fazê-lo. Quando virou a cabeça para trás, Li Jinglong lhe entregou um tubo de bambu com água para que ele enxaguasse a boca. Em seguida, Hongjun fez seu caminho de volta tropeçando e, ao chegar sob a árvore de bordo, de repente se lembrou de casa.
Na noite passada, a imagem de centenas de aves voando e dos rouxinóis cantando o fez lembrar das nuvens douradas ao redor do Palácio Yaojin e ele inevitavelmente ficou triste.
“Foi por que quebrei sua Lâmpada de Coração que você não pode ir para casa?” Li Jinglong franziu ligeiramente o cenho ao olhar para Hongjun.
Li Jinglong o fez se sentar um pouco sob a árvore enquanto esperava que as barracas de comida do mercado abrissem para tomarem café da manhã antes de voltarem. Assim como antes, Hongjun estava atordoado pelo álcool e falou para Li Jinglong, “Vou te levar para brincar lá em casa. Nas montanhas tem... tantas aves.”
Li Jinglong começou a sorrir e perguntou, “Quando vamos?”
“Hm,” Hongjun respondeu. “Partiremos amanhã cedo...”
Hongjun se esparramou sobre o corpo de Li Jinglong, que apenas o deixou assim fazer, pois não queria afastá-lo novamente. As folhas de bordo dançavam sob a ponte Jiuqu e Hongjun pressionou o corpo contra Li Jinglong, esfregando o rosto contra o peito alheio, sentindo-se extremamente confortável. Quando pequeno, Hongjun também se deitava assim no galho da árvore para tirar a soneca da tarde, como uma onça pendurada. As folhas farfalharam com o soprar do vento, esfregando-se umas nas outras e preenchendo a atmosfera com um ar de elegância e liberdade.
“Ei.” Li Jinglong começou a sentir uma dor de cabeça e disse, “Não durma de novo, vamos voltar e dormir... Levante-se.”
Hongjun não respondeu. Li Jinglong também inclinou a cabeça e sua respiração tornou-se gradualmente pesada, até que ele também adormeceu sob a árvore.

Em meio à névoa, uma carruagem puxada por cavalos passou pela ponte Jiuqu, emitindo um som suave. No interior da carruagem, a Senhora Guoguo afastou a cortina da janela e olhou em direção ao final da ponte.
Sob o céu repleto de folhas de bordo, Li Jinglong estava deitado com as costas apoiadas na árvore, com Hongjun esparramado sobre ele como um cachorro.
“Senhora,” sussurrou um homem de capa.
“Qual o passado dele?” Senhora Guoguo perguntou com uma voz profunda.
O homem balançou a cabeça e respondeu, “Xuanyin investigou por conta própria, mas não descobriu nada.”
O olhar da Senhora Guoguo voltou para o fim da ponte Jiuqu, recaindo agora naquele homem, que retirou a capa, revelando um rosto especialmente feio e feroz. Os músculos daquela face eram tensos e magros e seus olhos brilhavam com malícia. Sua boca fina revelava quatro dentes afiados e, sob seu pescoço, havia uma marca. Aquela cicatriz deixada por uma queimadura continha a marca de Yazi, um dos "nove filhos do dragão" [17].
“Avise Baxia e Suanni,” disse a Senhora Guoguo de maneira sombria. “Quando a hora chegar, agirão separadamente. Certifique-se de manter Li Jinglong vivo para que possamos arrancar a pele dele e pendurá-la em frente aos portões da cidade.”
Yazi respondeu, “Podemos agir esta noite. Não importa quanto os exorcistas achem que estão preparados, eles são apenas cinco e não podem ganhar de nós e de Xuanyin.”
“Não podemos arriscar,” disse a Senhora Guoguo. “A Dinastia Tang não está ainda fadada ao fim. Até que o fim chegue, não devemos nos envolver em batalhas imprudentes e atrair a ira do destino.”
Sem alternativa, Yazi curvou-se e concordou, saindo da carruagem no momento em que ela deixou a ponte Jiuqu em direção ao palácio real.
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Notas de tradução:
[1] reino de salgueiros verdejantes e cerejeiras: Local hedonista, materialista.
[2] peixe koi: Segundo a nota da tradução do chinês para o inglês, todos os peixes koi são carpas, mas nem todas as carpas são peixes koi. 
[3] biluo: é uma massa recheada, semelhantes aos wontons modernos. Pesquisando aqui, achei algumas imagens que mais parecem uma panqueca ou um pastelzinho de cereja. 
[4] Lanling Daqu: Vinho da região de Lanling, na atual província de Shandong, fronteira com Jiangsu.
[5] Vinagre: sentir ciúme. 
[6] Pipa: instrumento de corda chinês. Quem toca pipa é chamado de pipaista.
[7] Kouji (口技), que se traduz literalmente como “habilidade da boca” é uma arte performática mínima vocal chinesa que utiliza órgãos de fala humana para imitar sons da vida cotidiana. As apresentações eram mais ou menos como na imagem abaixo. Se vocês jogarem os caracteres chineses no youtube, dá pra ver apresentações de kouji. 
[8] Liuying Chunxiao: Relembrando a nota 11 do capítulo 5, o nome do estabelecimento traduz-se literalmente para “Rouxinol/Papa-figo do Riacho na Aurora da Primavera", mas também poderia ser "Prostituta na Aurora da Primavera". Como dissemos lá atrás, mantivemos o nome em pinyin, ou seja, Liuying Chunxiao.
[9] Lanterna giratória estampada: já mencionada na nota 4, do capítulo 15, a parte interna, que muitas vezes é pintada com algum cenário, gira dentro de uma moldura externa imóvel devido ao calor da chama da vela no interior.
[10] Yangguan Sandie (阳关三叠), algo como Despedida na Passagem Yangguan. Pode-se encontrar a música em alguns vídeos no youtube.
[11] Um dos poemas de Wang Wei (c. 700 - 761), chamado “Ansiando” ou “Pensando um no Outro”. Todas as músicas e poemas estão em tradução livre, já que imaginem quão difícil é encontrar uma tradução oficial desse tipo de material >_<
[12] Li Guinian: foi um músico famoso da dinastia Tang e mais tarde conhecido como o santo musical da dinastia Tang. Ele era tão famoso, de fato, que o poeta Du Fu (de posição quase igual a Li Bai, mas veio depois dele em termos de tempo) compôs um poema sobre Chang'an dando-lhe as boas-vindas.
[13] Os dois primeiros versos são de um poema chamado “Uma noite de primavera no rio cheio de flores e iluminado pela lua” do poeta da dinastia Tang, Zhang Ruoxu (c. 670-730). 
[14] Jieshi refere-se a uma montanha junto ao mar Bo, e Xiaoxiang refere-se ao rio Xiangjiang, em Hunan. Esses dois lugares ficam no norte e no sul da China respectivamente, o que mostra a distância entre os dois e a desesperança das pessoas no poema de conseguirem se encontrar. Na versão tupiniquim, seria algo como a distância do Oiapoque ao Chuí XD.
[15] Segundo geng: Período entre 21~23h. 
[16] Jiuqu: Traduz-se literalmente para a ponte das “Nove Voltas”, pois, como o nome indica, possui nove curvas. Algo nesse estilo:
[17] filhos do dragão: Segundo a mitologia, o dragão teve nove filhos e, a depender da fonte, as bestas míticas são contadas entre os nove.

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